“Diálogos Transatlânticos: a trajetória de músicos cubanos na guerra civil de Angola (1975-1979)”, por Amanda Palomo Alves

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“Diálogos Transatlânticos: a trajetória de músicos cubanos na guerra civil de Angola (1975-1979)”, por Amanda Palomo Alves

por Amanda Palomo Alves*

Apresentação de Comunicação proferida durante o “I Seminário Áfricas” ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 23 de maio de 2017.  

 

Posso dizer que a construção deste breve texto, intitulado “Diálogos Transatlânticos: a trajetória de músicos cubanos na guerra civil de Angola (1975-1979)”, nasceu de algumas inquietações surgidas durante a realização de meu Doutorado no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, onde defendi, em 2015, a tese“Angolano segue em frente: um panorama do cenário musical urbano de Angola entre as décadas de 1940 e 1970”, sob a orientação do Prof. Marcelo Bittencourt.

 

Confesso, porém, que dediquei poucas linhas, fixadas em breves notas de rodapé, para falar da presença de músicos cubanos na guerra civil de Angola.  Contudo, já conseguia vislumbrar a importância e a validade do tema, capaz de lançar novos olhares para a história recente de Angola.

 

Assim, minha abordagem tem início em 1975, ano em que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama, unilateralmente, a independência de Angola. Porém, como sabemos, aquela data marcaria, também, o início de uma guerra civil travada entre os principais movimentos de libertação angolanos, a saber: o já mencionado MPLA, FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e UNITA (União Nacional pela Independência Total de Angola).

 

No momento em que se deu o conflito, os três movimentos de libertação perceberam que as alianças instituídas poderiam determinar os caminhos do confronto que se estabelecia e, gradativamente, o MPLA foi estreitando seus laços com os países do bloco socialista e, especialmente, com Cuba. Assim, na época da guerra, a presença de cubanos foi extremamente significativa em Angola. Nas palavras do intérprete e compositor angolano, Ruy Mingas, “nenhum outro povo esteve conosco tanto, e tão marcadamente, quanto os cubanos”[1]. Além de Cuba ter auxiliado no treinamento das forças guerrilheiras do MPLA, estiveram em Angola, médicos, construtores e professores cubanos. Nesta direção, vale assinalar a fundamental participação dos cubanos na criação do Ministério de Educação e Cultura de Angola, e na orientação dada aos conteúdos presentes em programas educacionais.

 

Entretanto, o grande desafio, lançado por mim, refere-se à significativa presença de músicos cubanos em Angola, principalmente, entre os anos de 1975 e 1979. Esses músicos, aliados ao movimento chamado “Nova Trova Cubana”[2], estiveram presentes num contexto bastante específico da história angolana, compondo e interpretando canções associadas a importantes acontecimentos sociais e políticos ocorridos no país. Entre esses músicos estavam, Silvio Rodriguez, Pablo Milanés, Noel Nicolau, Vicente Feliú, Lázaro Garcia e, ainda, músicos dos conjuntos “Los Cañas” e “Los Papines”.

 

Em uma carta destinada ao presidente do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), o compositor e intérprete Silvio Rodriguez descreve:

 

 

[...] quiero que me des la oportunidad de irme a Angola... Creo que en este sentido puedo ser útil en la elaboración de textos y, por supuesto, en música y canciones. Te informo que haré todo lo posible por esta decisión. El camino está escogido con serenidad y sin romanticismo.

 

 

Silvio Rodriguez, Habana, 15 de diciembre de 1975

Silvio Rodriguez, Habana, 15 de diciembre de 1975

 

 

Naquela ocasião, Silvio Rodriguez, e vários outros músicos, particularmente aliados ao movimento da Nova Trova, realizaram uma série de turnês por países estrategicamente escolhidos pelo governo cubano e, entre eles, Angola. Logo abaixo, podemos visualizar alguns desses momentos:

O músico Silvio Rodriguez em Angola (1976). Imagens disponíveis em Silvio: que levante la mano la guitarra, de Víctor Casaus e Luis Rogelio Nogueras, 1993 .

O músico Silvio Rodriguez em Angola (1976). Imagens disponíveis em Silvio: que levante la mano la guitarra, de Víctor Casaus e Luis Rogelio Nogueras, 1993 .

Angola, dezembro de 1976. Na foto, vemos os músicos Silvio Rodriguez, Noel Nicola, Pablo Milanés e os músicos do conjunto “Los Papines”. Foto: Vicente Feliú. Disponível em: http://anecdotariodelatrova.blogspot.com.br. Acesso em outubro de 2016.

Angola, dezembro de 1976. Na foto, vemos os músicos Silvio Rodriguez, Noel Nicola, Pablo Milanés e os músicos do conjunto “Los Papines”. Foto: Vicente Feliú. Disponível em: http://anecdotariodelatrova.blogspot.com.br. Acesso em outubro de 2016.

No período em que esteve em Angola, Silvio Rodriguez compôs uma série de canções. Poderia citar: “Pioneros" (1976), "La Gaviota” (1976) e "Canción para Mi soldado" (1976). Outros músicos cubanos também incluíram em seu repertório temas associados a Angola. É o caso de Pablo Milanés, músico associado à “Nova Trova” que grava, em 1978, a canção “Havemos de voltar”, baseada num poema de Agostinho Neto. Citaria, ainda, o músico Carlos Puebla que, em 1977, compõe e grava a canção “Algo sobre Angola”.

Para além dessas importantes questões apresentadas, pretendo investigar, ainda, a relação desses artistas cubanos com os músicos angolanos, especialmente, entre os anos de 1975 e 1979. Sobre o tema, aliás, vale citar o artigo do crítico musical e pesquisador Jomo Fortunato. Num artigo intitulado “No fervor da canção política”, Fortunato nos fala da trajetória do compositor e intérprete angolano Mário Silva (ex-integrante do Agrupamento Kissanguela), e sua relação com os músicos cubanos acima mencionados, Silvio Rodriguez e Pablo Milanés:

 

“É possível detectar pontos de contato com a estética de Pablo Milanés e Sílvio Rodriguez (...) dois compositores que influenciaram a trova angolana, têm a capacidade de sintetizar o intimismo e os temas universais, com a mobilização e a consciência social e política. Importantes elementos de aferição e análise que encontramos na intencionalidade da música de Mário Silva”[4].

 

Outro importante nome a destacar é o da intérprete angolana Belita Palma (nome artístico de Isabel Salomé Benedito de Palma Teixeira), uma das integrantes do emblemático conjunto “N’gola Ritmos” que gravou, nos anos 1970, a canção “Fidel de Castro”. Destacaria, ainda, a canção “Angola-Cuba” interpretada pelo “Conjunto Musical das Forças Armadas de Angola” (FAPLA-POVO).

Nesta direção (e com base nas questões apresentadas), entendo que minha análise preliminar sinaliza para uma importante reflexão em torno do encontro e da circulação de músicos cubanos e angolanos, e das condições de produção e consumo daquelas composições em Angola na segunda metade do século XX. Ou seja, estamos tratando de dois países distantes geograficamente (separados pelo Atlântico), mas, fortemente unidos ideologicamente, politicamente e culturalmente.

 

Em outras palavras, sugiro a ideia de pensarmos em fluxo, emmobilidade, mas, acima de tudo, apontamos para uma reflexão e entendimento daquilo que se encontra no trânsito, por onde se movimentam bens culturais, discursos, símbolos e pessoas, afinal, estamos falando, também, sobre cultura e sobre regiões onde as culturas se encontram e, sobretudo, dos produtos desse encontro[5].

Neste caso, as fronteiras – entendidas como espaços de confluência de correntes culturais – não mobilizam, muito pelo contrário, são atravessadas. A ideia de “diálogos transatlânticos” é uma proposta de posicionamento com relação ao contexto que estamos trabalhando, afinal, a nossa pesquisa envolve aproximações e, mormente, a reflexão e o entendimento daquilo que se encontra no trânsito, por onde se movimentam bens culturais, discursos, símbolos e pessoas. Mais do que isto: como a canção pode ser, simultaneamente, um objeto de circulação, um espaço para a reflexão sobre o movimento e um produto das trajetórias pessoais dos autores?

As perguntas são várias, mas, reconheço a importância e a necessidade de discussões em torno de metodologias que possam me auxiliar na caminhada, mas, com relação à canção, já é possível assinalar a importância de estar atenta ao seu caráter polissêmico. Em outras palavras, privilegiar uma discussão em torno da relatividade de cada obra, ou seja, de tentar estabelecer mediações entre o nível estético e as instâncias políticas, econômicas e sociais. Em poucas palavras, a articulação entre texto e contexto se mostra indispensável, afinal, “canção alguma é uma ilha voltada para dentro de si”[6], pelo contrário, toda canção é dotada de características próprias e acaba assumindo, inevitavelmente, a singularidade e as características próprias de se autor e de seu tempo.

Enfim, as reflexões, as questões e as dúvidas compartilhadas com vocês estão muito longe de se esgotarem, pelo contrário, as considero um “ponta pé” inicial de um projeto que se pretende maior. De todo modo, já posso afirmar que o enfoque está no movimento: no movimento de pessoas, de ideias, de informações, referente a diferentes sociedades, e seus fluxos e refluxos de múl­tiplas naturezas. Obrigada!

 [1]Entrevista concedida a Amanda Palomo Alves, em Luanda, no dia 04 de novembro de 2013. 

[2]A “Nova Trova Cubana” foi um movimento musical emergente no final dos anos 1960, responsável pela renovação da canção popular em Cuba, ao combinar inovações estéticas e engajamento político. Em nosso país, as músicas dos cancioneiros da “Nova Trova” se tornaram conhecidas através de gravações de Chico Buarque e Milton Nascimento. Eu destacaria “Pequena Serenata Diurna”, de Silvio Rodriguez, gravada por Chico Buarque, “Yolanda”, de Pablo Milanés, gravada por Milton Nascimento e “Canción por la unidad latinoamericana”, de Pablo Milanés, gravada por Chico Buarque e Milton Nascimento. VILLAÇA, Mariana Martins. La política cultural cubana y el movimiento de la Nueva Trova. In: Actas del IV Congreso de la Rama Latinoamericana de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular (IASPM-LA).México, 2002, pp. 01-09.

[3] Carta de Silvio Rodriguez disponível em: http://ntd.la/silvio-rodriguez-tenia-una-ak-47. Acesso em setembro de 2016.

[4]FORTUNATO, Jomo. “No fervor da canção política”. In: Jornal de Angola, 18 de janeiro de 2010. Matéria disponível em:http://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/no_fervor_da_cancao_politica. Acesso em outubro de 2016.

[5]Cf. HANNERZ, Ulf. “Fluxo, fronteiras, híbridos”. In: Mana 3 (1), 1997, p. 18.

[6]PARANHOS, Adalberto. A música popular e a dança dos sentidos: distintas faces do mesmo.  In: ArtCulturaRevista do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia – Dossiê História e Música, nº. 9. Uberlândia, MG: EDUFU jul./dez. 2004, p. 26.

Amanda Palomo Alves* Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Integrante da Associação Mural Sonoro

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RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986 - 1996 (Soraia Simões, sinopse, Editora Caleidoscópio)

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RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986 - 1996 (Soraia Simões, sinopse, Editora Caleidoscópio)



A partir de dia 25 de junho de 2017 nas livrarias. Género: Audiolivro.

Trata-se de um audiolivro com cerca de 18 horas de recolhas de entrevistas dirigidas pela autora e investigadora entre 2012 e 2016 que procura cruzar as principais linhas de discussão neste campo e em torno de disciplinas como a história contemporânea e os estudos de música e cultura populares nestes anos (1986 - 1996) com o discurso e partilha de memórias e testemunhos de alguns dos seus principais sujeitos da história. 
Soraia Simões refere acerca deste trabalho "ao usar a oralidade de um modo claro: os dados da minha análise com as experiências vividas pelos protagonistas procurei duas coisas. Em primeiro lugar uma leitura renovada sobre a história da cultura e sociedade portuguesas nestes anos tendo a expressão do RAP como vector principal, por outro lado demonstrar como algumas das principais alíneas temáticas no campo das ciências sociais foram levantadas, no campo da música e cultura populares, nestes anos por, não todos mas, alguns destes actores e actrizes e estão hoje a ser escrutinadas e à procura de respostas. 
Achei que eles e elas podiam/deviam fazer parte dessa discussão, especialmente porque as levantaram num período em que as mesmas, por várias razões, que as conversas (a oralidade) explanam foram sendo adiadas. 

Editar o que foi grande parte do meu trabalho de campo num audiolivro que é também um caderno de notas mesmo sob o ponto de vista do grafismo, homenageando assim o poeta/dizedor/rapper e MC destes anos e as dezenas de cadernos sebenta que me cederam durante estes anos de pesquisa (o qual transcrito serve a minha tese no âmbito académico) foi o modo como achei ser possível devolver essa memória, e a importância do que está inscrito nela, à sociedade e à cultura popular da segunda metade do século XX. 
Permitindo que os mesmos contem, através das questões que lhes são colocadas, essa perspectiva histórica e a sua relevância num quadro social em profunda transformação" | Editora Caleidoscópio.

 

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RAPublicar lançamentos Lisboa e Porto

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RAPublicar lançamentos Lisboa e Porto

audiolivro RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986 - 1996 de Soraia Simões, editado sob a chancela da Editora Caleidoscópio, 6 de Junho em Lisboa pelas 21.00, na Livraria Ler Devagar. Com a autora, Otávio Raposo (Investigador, ISCTE), Djone Santos (músico integrante do grupo Karapinhas que acompanhou o rapper General D ao vivo e em estúdio, autor), Jorge Ferreira (Editora Caleidoscópio). No Porto, dia 16 de Junho, 21.30, na Gato Vadio. Com a autora, Ace (Mind da Gap) e Jorge Ferreira (Editora Caleidoscópio).

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Se a Memória Não me Falha - História Oral, Metodologias e Boas Práticas, Festival FOrA, Org. CHAM (FCSH NOVA)

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Se a Memória Não me Falha - História Oral, Metodologias e Boas Práticas, Festival FOrA, Org. CHAM (FCSH NOVA)

Com a presença de Soraia Simoes. O encontro Se a memória não me falha... é organizado em parceria pelo CHAM, Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas NOVA Lisboa, Universidade dos Açores, e pela Associação Teia D'Impulsos. Encontra-se enquadrado na terceira edição do FOrA – Festival da Oralidade do Algarve, mostra de património cultural imaterial do Algarve que decorrerá em Portimão e Alvor, Lagos entre os dias 10 a 14 de Maio.

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RAPublicar (1986 - 1996)  Oral History

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RAPublicar (1986 - 1996) Oral History

RAPublicar

 

  It has been said that at any given historical period a revolutionary being lies dormant in the very nature of the youth stratum. I don't consider that the youth community or, for that matter, any other community or age group have a specific nature as such. There is, rather, a cultural, social and family context. There is a history and historical context marked by economic, political and ideological variables that at specific moments in time place the people at the limits of their individual existences and collective experiences. It is usually then that change occurs or social shifts, even if minimal, take place. When confronted with such limitations or any contingencies that may occur. One of the most often noted aspects of the post-modern world is the absence of memory, be it individual or collective. The rejection of memory is oftentimes the result of the will or the repetitive imposition in time of a collection of unquestioned memories on the contemporary world. Without taking into consideration the existence of other players or simply with no attempt at understanding the reasons for its fading or for the selective reading being done. I see memory as one of the most interesting human faculties. In domains where 'official sources' are absent it is, as far as I'm concerned, one of the most fruitful work tools in the field of the human and social sciences.

 

  There is a personal memory stored by individuals concerning their particular lived experiences, which is not dissociated from aspects of the memory of the social group where they developed or felt to belong, where they were raised and underwent the process of socialisation. There is a collective memory made up of facts considered relevant and stored as official memory. Thus, even that which we name 'places of memory' is expressed in the consolidated versions of a collective past of a given society, of a specific historical time. It is necessary that all of this be questioned if we wish for society to move forward.

 

   This project was completed during 2016 and benefited from several interviews that I conducted between 2012 and 2016 with people involved in RAP, the 'hip hop culture' and other associative movements and trade unions that collaborated and interacted between 1986 and 1996. During the interpretation of their contents these oral sources, in their intrinsic diversity and wealth, have been set against other sources of the same period: interviews given during the 90s, written press, home- made documentaries, correspondence, poems that were never set to music, unreleased recordings of live performances, recordings or radio programs the subjects followed, watching films mentioned during interviews, other written work and exclusive data gathered from a set of seven debates I organised and coordinated between September 2016 and January 2017. The main objective is that of channelling memory to where it must be, to the present, to the bosom of society. To contextualise it with reference to a multitude of perspectives and voices. To set up, for this purpose, a stimulating sharing platform where images and sounds, exclusive or familiar, that have generated dialogue and different interpretations when received or remembered and that gradually grew wider while some of the ties grew tighter. Although rigorous in questioning and following a specific methodology, this project was not meant to be framed exclusively in an academic setting or riddled with technical jargon. I wrote it in the first person intentionally.

It is my belief that academics should seek to be near, not far, the people. This project had as its main objective to claim back this almost uninterpreted memory, all too often systematised, and the questions it raised, in the city of Lisbon to begin with in and later spreading a bit throughout the whole country, in a fashion that is clear within the context of Portuguese society and popular culture of the second half of the twentieth century and using language that is easily understood by all. I was aware that the collection of sources used were selected according to my personal experience in the field I work, since I considered these more logical in the defence of my reading of this particular theme. I was also aware that the assertion – still current within some social groups, especially in the public dominance of some press, the audio-visual and some actors in this micro- history – of the existence of something like 'the' history is inaccurate. For, on the one hand there is 'a history' in each argument that is put forward and, on the other hand, neither a collection of lived experiences nor a collection of written, oral, graphic, official or documentary sources can constitute on its own 'a history.' To this will be added the specific interpretation, framing and historical narrative of the individual who proposed to interpret it. From the person who did it is (self) demanded an understanding of the narrated facts or gathered memories as several pieces of a larger puzzle. Pieces that, as my investigation progressed, I sought to understand if they were being conditioned for reasons of a personal, social, political, (anti) ethical or ideological perspective of my interlocutors. And there were ways of sussing it out. Particularly when setting up oral against documentary sources. Not being undermined by personal experience was a challenge. Firstly because I was familiar with some of my interlocutors for far too long and secondly because, as most of my/our generation, I personally shared their anguish, uncertainty and hope during a historical period marked by, among other aspects, two specific factors: firstly the signing of the treaty of accession of Portugal to the European Community on 12th of July 1985; secondly, the model of economic growth implemented during the period of Cavaquismo [the political period that saw Anibal Cavaco Silva as leader of the centre-right party Partido Social Democrata.

 

  RAP, like any other popular music domain, is a product of quotidian life and so it is inevitable that there will be a confluence or a pull-back of events, of the facts and elements in the midst of which it takes place. The oral history was the best way to highlight this. In my interviews, I sought to question the main topics raised in the past by these actors, the way in which this past left a mark in a section of the memory reproduced throughout these years in this specific cultural and musical domain.

  I invited my interviewees to question themselves over the ambiguous ways in which they relate to the discourses about their pasts, discourses that are often produced by themselves. It was interesting to realise in this process that in some cases my questions came to be their questions to which they eventually sought an answer. The expression of RAP in the Lisbon metropolitan area between the years 1986 and 1996 gradually became the framework in which several communities defined their identities and who, from the initial contribution of the precursors, gradually emerged in their supportive role of the community as a new understanding of the value of memory and its ongoing transmission as practice that tended to become permeable and receptive to other practices such as cinema and the plastic arts.

by Soraia Simões de Andrade/Researcher&Creative in RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986-1996 (Editora Caleidoscópio)

'The work of memory collapses time'| Walter Benjamin

 

 in RAPublicar . A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996), by Soraia Simões (Editora Caleidoscópio, coming out this year)pictures from personal archive  (General D & Os Karapinhas), Rights reserved - Free access…

 in RAPublicar . A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996), by Soraia Simões (Editora Caleidoscópio, coming out this year)

pictures from personal archive  (General D & Os Karapinhas), Rights reserved - Free access not-re-use Only with permission.

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Call for papers for International Conference “Variações sobre António. Um colóquio em torno de António Variações”

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Call for papers for International Conference “Variações sobre António. Um colóquio em torno de António Variações”

Call for papers for International Conference “Variações sobre António. Um colóquio em torno de António Variações”

 

PT

Colóquio Internacional: “Variações sobre António. Um colóquio em torno de António Variações”
Data: 7 e 8 de Dezembro de 2017
Local: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Com apenas dois LP’s, editados em 1983 (Anjo da Guarda) e 1984 (Dar & Receber), António Variações – nascido em 1944, com o nome de António Joaquim Rodrigues Ribeiro, e falecido em 1984 –, tornou-se um caso de estudo na música popular portuguesa, quer pelo cunho fulgurante do seu impacto, quer pelo rasto duradouro que deixou, manifesto em várias homenagens coletivas em disco, ou ao vivo, num «disco póstumo» (Humanos, 2004) elaborado por um conjunto de músicos portugueses a partir de maquetes de canções suas gravadas em cassetes, ou na importante biografia publicada por Manuela Gonzaga em 2006 (António Variações. Entre Braga e Nova Iorque, Âncora Editora).

A música, as letras das canções, a imagem, os vídeo-clips, tudo isso tem contribuído para que a presença de António Variações na cultura portuguesa não se tenha desvanecido, continuando, pelo contrário, a alimentar a imaginação do público. Tão importante como tudo isso, porém, é o paradigma que Variações representa na cena portuguesa dos anos 80, bem sintetizado pela frase, que terá dito ao produtor do seu primeiro disco, para enunciar o lugar estético em que via a sua música: «Uma coisa entre Braga e Nova Iorque». A frase não sugere um ponto de equilíbrio que seria, aliás, impossível de garantir; pelo contrário, parece enunciar uma pulsão de desequilíbrio ou de fabricação, não garantida por uma estabilidade identitária prévia – seja ela a da «cultura tradicional» ou a do «cosmopolitismo» –, para qualquer projeto de criação de uma versão moderna do popular, neste caso em Portugal. Nesse sentido, o percurso biográfico de Variações (que interioriza o típico percurso de um homem português da segunda metade do século XX, da aldeia à capital, à Guerra Colonial e à emigração) parece pressupor uma demanda, desde as origens minhotas a Lisboa e, depois, a Londres, Amesterdão, Nova Iorque, etc., mas uma demanda de algo que se produz, fabrica e falsifica pelo caminho, sem ceder a qualquer ilusão de um «encontro pleno com a alma» da cultura portuguesa ou do sujeito com as suas «raízes» e com a sua «verdade profunda», também ela objeto de uma encenação queer no limite do kitsch ou do camp, dando assim a ver, em modo espetacular, a identidade como recodificação. E isso é também reconhecível nas extraordinárias letras que Variações escreve para as suas canções, que oscilam entre uma versão fulgurante da poesia popular e a reinvenção literária que o leva a musicar, por exemplo, Fernando Pessoa.

Falar de António Variações é, pois, falar sempre de muito mais do que apenas das suas canções, já que não custa ler na sua obra e na forma como performatiza a sua identidade (pessoal e coletiva) algo que nos ajuda a ler Portugal na segunda metade do século XX, da música e da poesia à cultura, à sociedade e ao estado do «corpo político».

O colóquio «Variações sobre António» propõe-se, pois, estudar quer a obra do compositor e cantor, quer aquilo que nela é sintoma de fenómenos mais vastos – um deles, e dos mais importantes, a forma como a cultura portuguesa posterior à Revolução de 1974 tenta sintonizar-se / dessintonizar-se com o mundo exterior e, em particular, com a cultura e civilização saída dos anos 60, sobretudo aquela latamente designável como pop. O colóquio é uma proposta do Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura e da área de Estudos Artísticos, ambos da FLUC. O colóquio conta, neste momento, com o apoio do Centro de Literatura Portuguesa, do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, do Teatro Académico de Gil Vicente, da Rádio Universidade de Coimbra e do Jazz ao Centro Clube.

São entidades parceiras do colóquio o projeto Keep It Simple, Make It Fast, coordenado por Paula Guerra, o Núcleo de Estudos em Género e Música, coordenado por Paula Gomes-Ribeiro, e o Projeto Mural Sonoro, coordenado por Soraia Simões. Estas entidades estão representadas na Comissão Científica do colóquio.

O colóquio, que terá lugar na primeira semana de Dezembro de 2017, nos dias 7 e 8, poderá durar três dias, em função do número de comunicações, sendo as inscrições pagas. O colóquio é pensado sobretudo para as seguintes áreas disciplinares: musicologia, estudos artísticos, estudos literários, estudos intermédia, estudos culturais, ciências sociais, média e comunicação, história contemporânea.

Convidamos investigadores a apresentarem comunicações que explorem o seguinte temário:

1.      A música de Variações, entre o rock português, o pop, o fado e o folclore
2.      As letras de Variações: da poesia popular (ou fake) às letras pop
3.      Texto & Som, Imagem & Corpo: performance e intermedialidade em Variações
4.      Identidade, resistência e excesso: o queer, o glam e o camp
5.      Discos: produção; indústria discográfica
6.      Produção e gestão do impacto mediático de Variações
7.      Cultura e sociedade no Portugal de Variações
8.      Legado e reinvenção de Variações

As propostas de comunicação devem ser apresentadas até ao próximo dia 16 de junho de 2017, através da plataforma EasyChair (https://easychair.org/conferences/?conf=cv2017). Podem ainda ser propostos painéis de três comunicações. As propostas de comunicação deverão ter entre 500 e 1000 palavras (incluindo referências). O resultado da avaliação das propostas será comunicado até 16 de julho de 2017. São aceites propostas em português, inglês, espanhol, francês e italiano.

O colóquio terá uma programação complementar, na área dos concertos e performances. No primeiro caso, a organização desafiará músicos e bandas da zona de Coimbra para reinventarem a música de Variações, num concerto a ter lugar no TAGV. No que toca à performance, está disponível uma Call for Performances subordinada ao título «Variações performáticas sobre António», vindo as performances selecionadas a ter lugar na Sala do Carvão, do Edifício das Caldeiras da Universidade de Coimbra, e no Salão Brazil. (por Comissão Organizadora, in sítio Colóquio Internacional «Variações sobre António» on-line)

grafismo no espaço on-line do colóquio

grafismo no espaço on-line do colóquio

 

INGL

The conference «Variações sobre António» is intent, therefore, on studying not only the work of the singer-songwriter but also what in it relates to far-reaching phenomena: one of which (and perhaps amog the more important) is the ways by which the post-1974 revolution portuguese culture tried to be in and out of sync with the outside world and, specifically, with the culture and civilization that had emerged out of the 1960’s, mainly the one broadly referred to as pop. The conference was devised by the Doctoral Program in Materialities of Literature (Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura) and of the Arts Studies field of study, both of FLUC (University of Coimbra, School of Arts). It is currently backed by the Center for Portuguese Literature (Centro de Literatura Portuguesa), by Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XXTeatro Académico de Gil VicenteRádio Universidade de Coimbra and Jazz ao Centro Clube.

Other partners of the conference are: project Keep It Simple, Make It Fast, headed by Paula Guerra; Núcleo de Estudos em Género e Música, headed by Paula Gomes-Ribeiro; and the project Mural Sonoro, headed by Soraia Simões. All of the aforementioned entities will be represented at the conference’s Scientific Committee.

The conference will take place on the first week of December 2017 (7th and 8th), and it may extend to three days depending on the number of participants. Inscription fees will be requested. The conference was sketched as comprising as main targets the following disciplinary fields: musicology, arts studies, literary studies, intermedia studies, cultural studies, social sciences, media and communication, contemporary history.

We invite researchers to present talks exploring the following thematic range:

1.      Variações’ music, between portuguese rock, pop, fado and folk
2.      Variações’ lyrics: from popular (or fake) poetry to pop lyrics
3.      Text & Sound, Image & Body: performance and intermediality in Variações
4.      Identity, resistence and excess: queerglam and camp
5.      Records: production; record industry
6.      Production and handling of Variações’ media impact
7.      Culture and society in Variações’ Portugal
8.      Legacy and reinvention of Variações

Conference proposals should be rendered until June 16, 2017, through EasyChair (https://easychair.org/conferences/?conf=cv2017). Pannels up to three lectures can also be suggested. Lecture drafts will have 500 to 1000 words (including references). The results of the evaluation will become public by July 16, 2017. Proposals in portuguese, english, spanish, french and italian will be accepted.

The conference will display a side, complementary program, comprising a concert and performances. As to the first item, the Organising committee will challenge bands around the Coimbra area to reinvent Variações’ music in a concert to take place at TAGV; as for the performative side, a Call for Performances is available, under the title «Performatic variations on António» (the selected performances will take at Sala do Carvão, at Coimbra University Bolier House, and at Salão Brazil. (in CESEM - FCSH NOVA on-line)

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“E o mar é tão grande”: utopia e liberdade nas cantigas de José Afonso, por Dulce Simões

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“E o mar é tão grande”: utopia e liberdade nas cantigas de José Afonso, por Dulce Simões

por Dulce Simões*

A canção lírica e satírica de raízes populares encontrou uma surpreendente renovação nas últimas décadas de resistência à ditadura do Estado Novo (1933-1974), e após o 25 de Abril de 1974 na luta pela consolidação de uma democracia participativa. Em ambos os processos José Afonso foi um trovador da liberdade, e uma das figuras mais marcantes da canção de intervenção em Portugal, desempenhando, desde os anos sessenta, um importante papel no combate à ditadura, através do canto e da poesia. Ao longo da sua obra manteve uma linha poética inspirada no cancioneiro popular na maioria das suas canções, para além de ter musicado e recriado temas e poesias de outros autores1. Ao cultivar e recriar diversos géneros musicados, como o “fado de Coimbra”, a balada e as canções populares de várias regiões de Portugal, transformou os versos e as músicas das suas cantigas em mensagens de luta pela liberdade, afirmando: “Semeio palavras na música. Não tenho pretensões de dar a estas minhas deambulações pela música popular qualquer outro rótulo. Faço apenas canções. A canção insere-se sempre dentro de um processo. A sua eficácia depende do processo em que se insere. A sua importância depende da vastidão desse processo” (Ribeiro, 1994).

O escritor Urbano Tavares Rodrigues, referindo-se ao álbum de fonogramas Cantares de Andarilho (1968), sublinhava: “José Afonso, trovador, é o mais puro veio de água que torna o presente em futuro, que à tradição arranca a chama do amanhã, a primeira voz da massa que avança em lume de vaga, a mais alta crista e a mais terna faúlha de luar na praia cólera da poesia, da balada nova” (Ribeiro, 1994). Para o escritor Óscar Lopes, a obra de José Afonso insere-se na tradição poética portuguesa, desde as barcas que levavam para a guerra o amigo, das canções trovadorescas de Martim Codax, passando pelas águas, o arquétipo das almas apaixonadas e livres de Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, até ao vento, símbolo romântico da paixão e da revolta (Óscar Lopes cit. em Raposo, 2007: 65). Óscar Lopes também assinalava os ritos paralelísticos, a enorme liberdade de fantasia enternecida, solidária ou sarcástica, proporcionada pelo perfeito entrosamento entre a letra e a música, em motivos folclóricos rurais ou marítimos.

A ruralidade constituiu um dos elementos centrais da obra de José Afonso, refletida nas canções de embalar, nas canções de roda e de trabalho, ouvidas durante a infância e juventude decorridas em Belmonte e Coimbra, às quais imprimiu os mais legítimos anseios e aspirações das pessoas, no sentido da intervenção social2. O seu espírito de andarilho será marcado por sucessivas andanças, entre terra e mar, configurando “uma personalidade nómada, e uma inclinação para a divagação e para a abstração” (Cravo, 2009: 15). A errância e a inquietude vieram manifestar-se na maioria das suas cantigas, nas quais o mar é um tema apelante3.

fotografias de Dulce Simões

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O mar e as temáticas marítimas estão presentes na poética da sua obra, de forma explícita, associadas ao romantismo coimbrão e a realidades sociais concretas, e de forma implícita, servindo de metáforas de revolta e contestação política durante a ditadura de Salazar. Destacamos neste artigo os motivos marítimos na discografia de José Afonso, por manifestarem influências culturais entrosadas no seu percurso de vida, e serem recriados num legado poético de intervenção política e social. Nesta perspectiva, identificamos numa primeira fase da sua obra a presença do mar relacionada com as viagens entre África e Portugal desde a infância, com os dias de veraneio passados em Espinho e na Figueira da Foz, e com as deambulações pelas praias do sul até aportar em terras algarvias. Nesta fase da sua vida, profundamente marcada pelo romantismo e lirismo coimbrão, o mar é resgatado do cancioneiro popular açoriano nos temas “Balada” (1956) e “Mar Largo” (1956). Na canção “Balada de Outono” (1958), referida por alguns eruditos como representativa de uma rutura com o “fado de Coimbra”, José Afonso é ainda dominado pelo imaginário do trovador romântico, enamorado e solitário. Mas, em “Tenho Barcos Tenho Remos” (1962), reflecte claramente as suas experiências de vida, aliando o enamoramento à fraternidade em comunhão com o mar algarvio. Contudo, nunca deixará de recriar canções populares açorianas alusivas ao mar e às suas gentes, como em “Os Bravos” (1967) e “S. Macaio” (1969), da mesma forma que articula temáticas marítimas em canções de embalar, como “Menino d’Oiro” (1962) e “Balada do Sino” (1968).

A relação com o mar e com as comunidades piscatórias adquire particular relevância na sua vida e na sua obra a partir de 1960, quando se fixa em terras algarvias. Nas quais descobre a atmosfera “um pouco pagã” das festas populares, a “confraria de foliões” a que se associou, e Zélia (sua segunda mulher), que o reconciliou com “a água fresca e com os tons maiores”, fazendo eclodir aquilo que definiu por “canções maiores” (Simões & Mendes, 1995: 100). Nas “canções maiores” o mar e as temáticas marítimas atribuem sentido e significado à vida dos pecadores, como nos poemas “Ó Vila de Olhão” (1964) ou “Ti Alves” (1972), denunciando desigualdades e injustiças sociais. Mas também exprimem o flagelo da guerra colonial e da emigração em “Menina dos Olhos Tristes” (1969) e “Canção do Desterro” (1970), como metáforas e símbolos de liberdade, articuladas com o protesto político em “Vejam Bem” (1968), “Já o Tempo se Habitua” (1969), “Canto Moço” (1970), “Cantiga do Monte” (1970), ou em “Fui à Beira do Mar” (1972).

Numa nova fase da sua vida, marcada pelo 25 de Abril de 1974, o poeta e trovador da liberdade assume-se como “poeta militante”, aludindo a um tempo em que “o que faz falta é avisar a malta”. Um tempo durante o qual participou ativamente no Processo Revolucionário em Curso (PREC), manifestando-se frontalmente contra os “traidores da revolução”, como no poema “Viva o Poder Popular” (1975). Nesta fase a poética do mar perde relevância nas suas cantigas, exceto para dar voz às conquistas populares em “Os Índios da Meia Praia” (1976)4. No início da década de 1980 José Afonso retorna às origens coimbrãs, naquela que será a última fase da sua vida. Como cantor, reinterpreta o “fado de Coimbra” como herança cultural renovada, assumindo e definindo os contornos de um trabalho inovador. Como poeta, resgata o mar como metáfora de uma fraternidade utópica, posicionando-se, uma vez mais, como provocador de emoções e agitador de mentalidades. Neste artigo revisito a discografia de José Afonso focalizada na poética do mar, entretecida no percurso de vida de um homem que interveio socialmente “semeando palavras na música”.

fotografias de Dulce Simões

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 A poética do mar e das águas: tradição popular, utopia e liberdade

As águas do mar, pela sua grandiosidade, provocaram sempre uma emoção intensa quando vistas pela primeira vez. No cancioneiro popular, a largueza, ou imensidão do mar, constitui uma das características mais assinaladas nos versos do cancioneiro popular português, como em “Ó mar largo, ó mar largo”:

Ó mar largo, ó mar largo

Ó berço do marinheiro.

Às tuas águas salgadas

Vai banhar-se o mundo inteiro.

(Galhoz, 1997: 62)

 

Embarquei-me no mar largo,

Já perdi vistas à terra,

Já não vejo senão céu,

Água e vento que me leva.

(Nunes, 1978: 112)

 

José Afonso resgata o poema de Paulo de Sá, “Mar Largo”, para uma das primeiras gravações discográficas:

 

“Mar Largo” (Paulo de Sá/José Afonso, 1956)

Ó mar largo ó mar largo

Ó mar largo sem ter fundo

Mais vale andar no mar largo

Do que nas bocas do mundo.

 

Fosse o meu destino o teu

Ó mar largo sem ter fundo

Viver bem perto do céu

Andar bem longe do mundo.

 

No primeiro volume do Cancioneiro Popular Português, coligido por Leite de Vasconcelos, representam-se profusamente as fainas piscatórias dos “trabalhadores do mar” (1975: 264-275). Nestes versos, manifestam-se as preocupações decorrentes da vida dos pescadores sobre as águas do mar, ou seja, “em cima da sepultura”, exteriorizando as inquietações de quem tem os entes queridos entregues a essa labuta. Por vezes, surgem desabafos, em que estremecem lufadas carregadas do cheiro acre do sal, marulhos estrepitosos envoltos em fuliginosas sombras trágico-marítimas, e não faltam notas dramáticas de naufrágio e morte: “O pobre do pescador/ Já lá morreu afogado:/ Foi à pesca, lá ficou/ Nas ondas do mar rolado” (Nunes, 1978: 49). Estas e outras trovas marcam o sofrimento das pessoas que vivem dependentes do trabalho no mar, enfrentando obstáculos incontroláveis como os ventos, a chuva, a doença, que constituem não só um impedimento à obtenção de ganhos, mas que podem fazer surgir o espectro da morte, como no caso da iminência de um naufrágio. A ausência de segurança torna-se particularmente dramática na vida das gentes do mar, e “ser pescador é desempenhar uma actividade qualificada como profissão de alto risco, onde o número de acidentes mortais é francamente superior ao de outros sectores produtivos” (Nunesª, 1999: 287). Neste sentido, justifica-se que José Afonso tenha exaltado a bravura destes homens, numa canção que recria uma quadra do cancioneiro popular português.

Cancioneiro Popular

As ondas do mar são brancas

E no meio amarelas

Coitadinho de quem nasce

Para morrer no meio delas.

(Vasconcelos, 1975: 20)

Os Bravos” (Popular açoriana/José Afonso, 1967)

(…)

As ondas do mar são brancas

Bravo meu bem, e no meio amarelas,

Coitadinho de quem nasce

Bravo meu bem, para morrer no meio delas.

(…)

“Os Bravos” era uma canção popular frequentemente cantada em coro pelos estudantes de Coimbra, originários das ilhas dos Açores e da Madeira, que pertenciam às repúblicas “Corsários das Ilhas” e “Couraça dos Apóstolos”. José Afonso conviveu com estes grupos, e acrescentou à sua canção um curto estribilho, sobreposto aos acordes de uma escala musical espanhola (Simões & Mendes, 1995: 95). O mar da saudade e das ausências está muito presente na tradição popular, exprimindo as emoções daqueles que ficam, quando levados pelas vicissitudes da vida partem para além-mar noivos, maridos, filhos ou irmãos.

 

“Balada” (Popular açoriana/José Afonso, 1956)

(…) Quando o mê mano se foi

Sete lenços encharquei

Mai la manga da camisa

E dizem que não chorei. (…)

 

No cancioneiro popular soam imprecações contra o mar que separa, causador de dolorosas angústias, ou, tratando-se de temperamentos mais sofredores, ouvem-se os votos de que, para a pessoa bem-amada, “o mar se lhe torne em rosas / O navio num jardim”. Surge então a saudade, cuja especiosa “anatomia” foi feita por D. Francisco Manuel de Melo: “amor e ausência são os pais da saudade; e como nosso natural é, entre as mais nações, conhecido por amoroso e nossas dilatadas viagens ocasionam as maiores ausências, daí vem que, donde se acha muito amor e ausência larga, as saudades sejam mais certas.” (Nunes, 1978: 35). As saudades, acarretadas pela ausência, trazem consigo grande inquietação e o desejo ardente de um breve regresso do amado. Para minorar as saudades tenta-se utilizar o lenitivo de mensagens, que José Afonso tão bem recria a partir de uma canção popular açoriana:

“Canção Longe” (Popular açoriana/José Afonso, 1967)

Ó meu bem se tu te fores

Como dizem que te vais

Deixa-me o teu nome escrito

Numa pedrinha do cais.

(…)

“Balada de Outono” (José Afonso, 1960)

(…)

Águas

Do rio correndo

Poentes morrendo

P’rás bandas do mar

Águas

Das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto

A cantar

Rios que vão dar ao mar

Deixem meus olhos secar

Águas

Das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto

A cantar

A separação, com as consequentes saudades e lágrimas, ocupam lugar de relevo na lírica popular, sendo evocada a fonte que “não tardará a secar”, por oposição aos olhos “que não param de chorar”. Mas em “Balada de Outono” (1960) José Afonso inverte o sentido do poema, apesar de reflectir uma poesia dominada ainda pelo espírito coimbrão, como produto de um estado perpétuo de enamoramento, numa espécie de revivescência tardia da juventude, com “uma certa disposição fisiológica propensa à melancolia” (Simões & Mendes, 1995: 95). O trovador crê-se insubstituível, como um protagonista que a si próprio se interpela, para convocar a presença das águas dos ribeiros e dos rios, como testemunhas vivas do seu solitário cantar. O poema aponta para uma maior liberdade formal na construção das estrofes, com versos livres e desconcertantes, característica que José Afonso vai assumir como sua, de acordo com “o seu temperamento de homem pouco dado a regras e cedências” (Cravo, 2006: 44). No álbum de fonogramas Balada do Outono (1960), José Afonso introduz pela primeira vez o termo “balada”, para se libertar e diferenciar a sua obra do “fado de Coimbra”, de forma a poder expressar livremente as suas inquietações. Talvez por isso, o seu trabalho não foi particularmente bem recebido nos meios estudantis e académicos de Coimbra, conservadores e defensores de regras preestabelecidas.

Coimbra sempre lhe pareceu uma cidade pequena, e o mundo académico atrofiante para o seu génio desassossegado e livre, e então vagueava. Na entrevista a Viriato Teles, José Afonso afirmou: “Dormia ao relento, muitas vezes sozinho, outras vezes com outros gabirus. Fiz muito auto-stop, de capa e batina (…) Foram deambulações muito importantes para mim” (Teles, 1983: 21). “Menino do Bairro Negro” (1963) nasceu de uma dessas deambulações à boleia, de capa e batina, até ao Porto, cidade onde os amigos lhe deram a conhecer a Ribeira e o Barredo, realidades que não se confrontavam com o meio estudantil. Como mais tarde recordou: “o Porto para mim foi fundamental. (…) Tudo aquilo me chocou de uma maneira espantosa. (…) Lembro-me de ter visto os meninos que pululavam por aquelas ilhas. Foi uma coisa que eu pensei que só existisse nos filmes” (Salvador, 1983: 79). A canção “Menino do Bairro Negro” foi editado em 1963, no álbum de fonogramas Baladas de Coimbra, assinalando um dos primeiros temas vincadamente políticos, juntamente com “Os Vampiros”, que foram proibidos pela Censura. Para José Afonso, os meninos do Barredo eram os “meninos de ouro” que habitavam os céus antes do Dilúvio, “que descem à Terra e são condenados pelo tribunal de Menores a viverem em habitações palafiticas até ao dia do Juízo Final, representado por uma bola de cartão que desce, desce até tocar nas montanhas” (Simões & Mendes, 1995: 96).

 

“Tecto na Montanha” (José Afonso, 1968)

Num lugar ermo
Só no meu abrigo
Aí terei meu teto
E meu postigo

(…)

Olha o mar alto
Olha a maresia
Olha a montanha
Vem rompendo o dia.

fotografias de Dulce Simões

fotografias de Dulce Simões

A balada “Teto na Montanha”, editada em 1968, foi concebida no período das deambulações dos tempos de Coimbra, “em estado de penúria física e mental”, numa fase que José Afonso caracterizou de “mais ou menos franciscana”. Durante esta fase mística da sua vida, e embora não se reconhecendo como “devoto”, leu o “Hino ao Sol” de São Francisco de Assis, e alimentou uma enorme simpatia pela doutrina de amor à natureza e desprendimento pelos bens materiais perfilhadas pelos franciscanos, que assimilou como bastante realista e revolucionária. De tal forma que chegou a pensar: “Qualquer dia reduzo-me ao essencial e piro-me para uma terra qualquer, no cimo de uma montanha, daí aquela cantiga (…) Era frequente em Coimbra trocar de camisa com outros gajos. Era um símbolo, um testemunho de amizade” (Teles, 1983: 21). A fraternidade marcava os anos de Coimbra, onde uma certa “loucura” representava um sinal de pureza, alimentando os anseios de um mundo mais justo e igualitário.

No ano letivo de 1960/1961 José Afonso aporta em terras algarvias como professor, e descobre o mar da libertação, emocionalmente debilitado pela ausência dos filhos e pela rutura do primeiro casamento. Durante a sua permanência no Algarve, até 1964, inicia uma nova fase da sua vida. No desempenho das suas funções de professor fixou-se primeiro em Lagos, onde partilhou, com “figuras típicas” da cidade, “as beberragens, os arrozes de conquilhas e as caldeiradas” intercaladas de canções. Posteriormente, em Faro, percorrendo um sem-número de coletividades e espaços públicos, nos quais exprime a sua arte maior como cantador, constrói uma visão idílica do Algarve, convencido de que aí encontraria maior liberdade e menos interdições: “Algarve o nome me está lembrando/ Algarve e a brisa passa a cantar/ E as sombras leva-as o vento voltando/ Silêncio dizem as ondas do mar” (Salvador, 1983: 126). Todavia, deparou-se com uma sociedade profundamente marcada pelo controle social, na qual o Carnaval era a “válvula de escape”, a máscara da liberdade. Todavia, a experiência de vida em terras algarvias alargou os seus horizontes literários e poéticos. As suas especulações existenciais e metafísicas encontraram o epicentro de discussão no convívio com um grupo de intelectuais, companheiros de viagens marítimas e de sonhos, que metaforicamente inspiraram as suas canções.

A balada “Tenho Barcos, Tenho Remos” é um dos temas mais representativos desta fase de libertação do poeta-cantor, na qual expressa o amor por Zélia, a “quem não pode chegar” em virtude do controle social a que ambos estavam sujeitos. Paralelamente revela o convívio com os poetas surrealistas, que contribuíram para a depuração da palavra escrita. Porque apesar de nunca se ter assumido como poeta, José Afonso deixou muitos textos poéticos escritos à margem da sua produção como cantor, “reconhecendo a influência que sobre ele tiveram os surrealistas, tanto franceses como portugueses” (José Jorge Letria cit. em Cravo, 2006: 50). Neste tema, incluído no álbum de fonogramas “Baladas de Coimbra” (1962), José Afonso idealiza-se metaforicamente barco, navio, mar, livre de amarras, interrogando-se sobre o seu percurso de vida de adolescente a adulto, arriscando um tópico surrealista “o ser mulher” (Cravo, 2009: 58). No poema encontramos igualmente algum paralelismo com uma canção popular de Olhão:

Cancioneiro Popular (Olhão)

Tenho barcos, tenho redes

Tenho sardinha no mar

Tenho uma mulher bonita

Que não me quer trabalhar

(Vasconcelos, 1975: 274)

Tenho Barcos, Tenho Remos” (Popular/José Afonso, 1962)

 

Tenho barcos, tenho remos

Tenho navios no mar

Tenho amor ali defronte

E não lhe posso chegar.

 

Tenho navios no mar

Tenho navios no mar

Tenho amor ali defronte

Não o posso consolar. (…)

 

O aludido barco, comprado e recuperado pelo poeta surrealista António Barahona, batizado de “o barco do Diabo”, foi pertença de uma “pequena sociedade de foliões”, constituída por José Afonso, António Barahona, Manuel Pité, António Bronze e Luísa Neto Jorge. Entre os pescadores de Faro o barco era alcunhado pelo “Tosse Tosse”, como referência erótica às viagens e noitadas do grupo pela ria, no qual, Luísa Neto Jorge era a única mulher a bordo (Salvador, 1983: 123). “Tenho Barcos, Tenho Remos” expressa vivências partilhadas, numa comunhão perfeita com o mar algarvio, agrupados “numa espécie de ciclo fraterno representativo de uma das fases mais felizes da vida do autor” (Simões & Mendes, 1995: 98).

 

“Canção do Mar” (José Afonso, 1964)

Ó mar

Ó mar

Ó mar profundo

Ó mar

Negro altar

Do fim do mundo

(…)

O tema evocado vive da valorização sonora, dada pelo acompanhamento musical e pela repetição cadenciada da palavra “mar”. Para José Afonso a dificuldade consistiu em fazê-lo passar ao plano abstrato, como elemento omnipresente no espírito do cantor, fora do ambiente convencional para que foi criado (Simões & Mendes, 1995: 97). “Canção do Mar”, juntamente com “Ó Vila de Olhão” e “Maria”, dedicado a Zélia, faz parte do álbum de fonogramas Cantares de José Afonso (1964), no qual as temáticas marítimas servem para expressar claramente o seu posicionamento perante a vida e a sociedade, fruto das vivências com alunos do ensino noturno, trabalhadores estudantes de Faro e de Olhão, que o despertaram para novas realidades sociais (Salvador, 1983: 137)5.

Quando residia em Faro, José Afonso deslocava-se todas as semanas a Olhão, deambulando pela vila, em passeatas puramente contemplativas “pelas cabanitas e pelo cais”, apreendendo a labuta dos “trabalhadores do mar”. Dessas passeatas, e das relações que ia estabelecendo com os pescadores, nasceu o poema “Ó Vila de Olhão!”, manifestando uma clara paixão pelo lugar e pelas pessoas. Como mais tarde recordou: “Não sei bem porquê. Imaginava-a a terra do trabalho, ou a terra de indivíduos temperados pela experiência” (Salvador, 1983: 139). O escritor Raul Brandão, na sua obra “Os Pescadores”, fala-nos dos sentimentos de igualdade e fraternidade que caracterizavam “o marítimo de Olhão”, consciente de que no mar os homens eram todos iguais, por enfrentarem os mesmos perigos e partilharem o mesmo destino. A fragilidade e a incerteza da faina marítima alimentavam a religiosidade dos pescadores, reforçando a solidariedade, “arriscando a vida para salvar a dos outros: hoje por ti, amanhã por mim”. E como “o mar abundante e pródigo não tem cancelas, são generosos, imprevidentes e comunistas” (Brandão, s/d: 159).

 

“Ó Vila de Olhão” (José Afonso, 1964)

(…)

Larga ó pescador

O que tens na mão

Que o peixe que levas

É do teu patrão

É do teu patrão

É do teu patrão

 

Limpa o teu suor

No camisolão

Que o peixe que levas

É do cais de Olhão

 

Vem o mandarim

Vem o capitão

Paga o pagador

Não paga o ladrão

Não paga o ladrão

Não paga o ladrão

 

Ó vila de Olhão

Da Restauração

Madrinha do povo

Madrasta é que não

(…)

 

Em 1922, Raul Brandão escrevia: “há meio século, Olhão, entranhado de salmoura e perdido no mundo, vivia só do mar. Todos se conheciam. Os que não eram marítimos eram filhos ou netos de marítimos, contrabandistas uns e outros, pescadores costeiros e pescadores do alto que iam à cavala a Larache. (…) Havia muito peixe, e a vida era extraordinária” (Brandão, s/d: 156). José Afonso reencontra-se com o mar e com as fainas marítimas nas sucessivas viagens a Olhão, sobretudo de comboio, designando-a por “minha terra adotiva.” Sobre o poema que lhe dedicou, a que chamou uma “crónica rimada”, recorda uma dessas viagens que deram sentido e significado às palavras: “A meio do caminho da Fuzeta, entre Olhão e Marim, a vila vai-se adelgaçando, a viagem torna-se mais rápida e ruidosa, devido ao vento que entra pelas janelas. Pode-se berrar sem que ninguém nos ouça. Foi assim que nasceu esta crónica rimada. Servida pela cadência mecânica do «pouca-terra», versa em tema alusivo às vicissitudes por que passa o mexilhão quando o mar bate na rocha. A culpa não é do mar” (Simões & Mendes, 1995: 104).

Em 1968, a doença de Salazar e a tomada de posse de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho de Ministros gerou algumas expetativas de transformação política e social6. A “Primavera Marcelista”, designada como o período histórico compreendido entre 1968 e 1970, no qual se verificou uma discreta modernização económica e uma liberalização política moderada, acalentou a esperança de uma transição política do regime e influenciou a poesia de José Afonso. Durante este período, o mar e as temáticas marítimas servem frequentemente de metáforas para apelar à mobilização e consciencialização política dos portugueses.

 

“Vejam Bem” (José Afonso, 1968)

Vejam bem

Que não há só gaivotas em terra

Quando um homem se põe a pensar

Quando um homem se põe a pensar

 

Quem lá vem

Dorme à noite ao relento na areia

Dorme à noite ao relento no mar

Dorme à noite ao relento no mar

(…)

“Vejam Bem” foi o tema musical do filme “O Anúncio”, apresentado no Festival de Cinema Amador pelo Cineclube da Beira, retratando a vida de um homem que procura emprego, dirigindo-se ao gerente de uma firma conceituada, a capatazes e mestre-de-obras, em vão. Privado de meios de sobrevivência, vê-se obrigado a dormir ao relento e a roubar para comer. Na retrete de um restaurante, único lugar onde não é visto, devora apressadamente dois ovos que metera ao bolso, aproveitando-se da algazarra geral. É à luz deste contexto dramático que poderão entender-se a linha melódica e o texto rimado, apensos às sequências julgadas mais expressivas (Simões & Mendes, 1995: 104). “Gaivotas em terra” é uma expressão popularmente utilizada para anunciar metaforicamente uma tempestade, ou um período conturbado de mudança. “Quando um homem se põe a pensar” representa um primeiro passo para a mudança, como processo de transformação social, em que o pensamento consolida o sentido da acção e da revolução. O motivo de “dormir ao relento”, usado frequentemente na poesia de José Afonso, representa a sua própria experiência de vida, embora no poema possa exprimir a condição social dos mais carenciados, ou o encontro fraterno dos que partilham os mesmos ideais de mudança.

“Vejam Bem”, tema do álbum de fonogramas Cantares de Andarilho (1968), assinala a fase política e culturalmente mais interventiva de José Afonso, aproveitando a escassa abertura da “primavera marcelista”. Neste trabalho, alia a criatividade poética à mais genuína inspiração popular, através da utilização de melodias tradicionais, mas “Vejam Bem” foi sem dúvida uma das canções mais marcantes da sua obra, transformando-se numa espécie de hino da “geração de 70”, na qual as temáticas marítimas apelam metaforicamente a uma liberdade desejada. Todavia, a transformação política do regime encontra fortes resistências à sua concretização, nomeadamente em relação à guerra colonial e à acção da polícia política (PIDE). Marcelo Caetano cede às pressões dos grupos mais conservadores do regime, facilmente percebidas pela oposição democrática e pelo Partido Comunista Português na clandestinidade. José Afonso capta e regista com clareza a correlação de forças políticas contrárias à mudança, no poema “Já o Tempo se Habitua”, usando metaforicamente elementos estilísticos marítimos.

 

“Já o Tempo se Habitua” (José Afonso, 1969)

(…)

Nem a rota

Da gaivota

Ao vento norte

Nem toda

A força do pano

Todo o ano

Quebra a proa

Do mais forte

Nem a morte

(…)


“Já o Tempo se Habitua”, com poema e música de José Afonso, é um dos temas do álbum de fonogramas Contos Velhos Rumos Novos (1969), galardoado com o prémio da crítica da Casa da Imprensa 1969. Neste álbum, fruto da recolha de música tradicional portuguesa, na procura de uma estética renovada, José Afonso demarca-se definitivamente da tradição coimbrã. Ao intercalar temas do cancioneiro popular com canções de denúncia e resistência, como “A cidade”, com poema de José Carlos Ary dos Santos e “Era de noite e levaram” de Luís de Andrade, numa alusão às prisões arbitrárias da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), assinala na sua obra os “rumos novos” anunciados pela “primavera marcelista”.

No sentido da mudança, José Afonso participou ativamente na campanha das Comissões Democráticas Eleitorais de 1969, empenhou-se nas ações da Liga de União e Acção Revolucionária (LUAR), na produção e distribuição de folhetos noticiosos e livros proibidos, e solidarizou-se com os presos políticos. No mesmo ano participou no festival “La Chanson de Combat Portugaise”, em Paris, juntamente com Luís Cília, José Mário Branco e Sérgio Godinho, denunciando a guerra colonial e a situação política portuguesa na Europa. A sua crescente popularidade como opositor ao regime acentuou a vigilância da PIDE, com a proibição das suas acuações, a interdição de visitar as colónias portuguesas em África, para além da censura sobre as canções “Vampiros” e “Menino do Bairro Negro”, editadas em 1963.

Em 1970 José Afonso recebe novamente o prémio da Casa da Imprensa pelo álbum de fonogramas Traz Outro Amigo Também, gravado nos estúdios da Pye em Londres, revelando uma grande maturidade poética e musical, e contribuindo decisivamente para a sua afirmação na renovação da música popular portuguesa, a par de outros cantores de intervenção como Adriano Correia de Oliveira em Coimbra, e Luís Cília e José Mário Branco em França. As referências a África e ao colonialismo surgem pela primeira vez nos seus poemas “Avenida de Angola” e “Carta a Miguel Djéje”, assinalando a sua experiência de vida em África entre 1964 e 1967. Neste álbum surgem igualmente os primeiros temas alusivos à emigração, e ao exílio em “Canção do Desterro”.

“Canção do Desterro (Emigrantes) ” (José Afonso, 1970)

Vieram cedo

Mortos de cansaço

Adeus amigos

Não voltamos cá

O mar é tão grande

E o mundo é tão largo

Maria Bonita

Onde vamos morar

(…)

A “Canção do Desterro” nasceu em Lourenço Marques, na sequência da leitura de um artigo da revista “Seara Nova” sobre as causas da emigração portuguesa. José Afonso tentou evocar a odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas “naus catarinetas”, como os Mendes Pintos de outras épocas, “a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados” (Simões & Mendes, 1995: 101). Consciente da realidade de um país estagnado e vigiado, José Afonso cria um dos seus mais belos poemas, incitando à liberdade de pensamento, no sentido de uma consciencialização política pela mudança anunciada. No texto de apresentação do álbum “Traz Outro Amigo Também”, o escritor Bernardo Santareno realçou a pureza, como a nota maior da arte de José Afonso. Pureza que se reflecte no tema “Canto Moço”, um poema de fraternidade a que não falta a raiva de quem se sente vigiado.

“Canto Moço” representa uma breve síntese de vários elementos da poesia de José Afonso, numa perfeita harmonia de símbolos, tradições, palavras e melodia. Síntese de tradições portuguesas relativas ao “mar” e da linguagem poética de José Afonso, vivificando palavras de várias épocas, medievais e clássicas, como “galera”, “barca”, “oliva”, “mágoa” e “madrugada”. Síntese da diversidade cultural das tradições judaicas e árabes na cultura portuguesa, assumidas com simplicidade e beleza, e síntese dos principais símbolos universais expressos na sua poesia, como o mar.

“Canto Moço” (José Afonso, 1970)

Somos filhos da madrugada

Pelas praias do mar nos vamos

À procura de quem nos traga

Verde oliva de flor no ramo

(…)

Vira a proa minha galera

Que a vitória já não espera

Fresca brisa moira encantada

Vira a proa da minha barca.

“Canto Moço” nasceu para ser cantado em coro, por estudantes universitários que José Afonso conheceu numa digressão em que participou, “destinava-se a ser interpretado como música coral por duzentos figurantes de ambos os sexos e de todas as proveniências e condições, como uma espécie de hino à Liberdade” (Simões & Mendes, 1995: 101). Para Helena Langrouva, a canção “Canto Moço” constitui a chave, e uma breve síntese de vários fulcros da poesia de José Afonso, unindo várias tradições e palavras com a melodia, no sentido da universalidade. A aventura, guiada pelo espírito, dirigindo o olhar para um futuro de paz, opõem-se à jornada da emigração expressa na “Canção do Desterro”, enquanto síntese de tradições portuguesas relativas ao mar. Por outro lado, destaca a relação dos “filhos da madrugada” com o “menino de oiro”, como duas formas de exprimir a esperança e a procura de luz. Por último, “Canto Moço” reúne os principais símbolos universais assumidos na poesia de José Afonso: o “mar”, como espaço infinito, de aventura, de integração no ritmo do universo e de libertação; a “barca”, representando a aventura; a “oliva e a pomba”, simbolizando a paz, a pureza e a harmonia; a “noite”, assinalando as trevas e ausência de luz; a “fogueira”, como símbolo de vida, de elevação do espírito, de luz no meio das trevas; o “vento e a brisa”, como sopro e leveza do espírito, a força para mudar de rumo, e a “madrugada”, trazendo a luz e a esperança numa sociedade mais justa (www.triplov.com/helena/Zeca-Afonso/Poesia-popular/resto.htm).

Ao lirismo coimbrão da saudade, no qual as lágrimas, as águas e o mar estavam impregnados de romantismo, sucedessem-se temas de intervenção política e social denunciando a guerra colonial. “Menina dos Olhos Tristes” (1969) representa, simbolicamente, o sofrimento das mães, esposas e noivas de milhares de soldados que partiam “para o outro lado do mar”, chorando a incerteza do regresso.

“Menina dos Olhos Tristes” (Reinaldo Ferreira/José Afonso, 1969)

Menina dos olhos tristes,

O que tanto a faz chorar?

- O soldadinho não volta

Do outro lado do mar.

(…)

O mar e as temáticas marítimas que metaforicamente se articulam com a contestação política, evidenciam-se nos poemas “Cantiga do Monte” (1970) e “Fui à Beira do Mar” (1972).

“Cantiga do Monte” (José Afonso, 1970)

(…)

Na crista da vaga

Tormento alonguei

No vento e na fraga

Só luto encontrei

 

Abriram-se as velas

Mal rompe a manhã

Na luz e nas trevas

Foi-se a louçã

(…)

 

“Fui à Beira do Mar” (José Afonso, 1972)

Fui à beira do mar

Ver o que lá havia

Ouvi uma voz cantar

Que ao longe me dizia

 

Ó cantador alegre

Que é da tua alegria

Tens tanto para andar

E a noite está tão fria

(…)

“Fui à Beira do Mar” surge numa fase de grande empenhamento político de José Afonso, revelando um poema de incentivo à luta, que antecede a sua detenção pela PIDE e a prisão em Caxias em 1973. Este tema, incluído no álbum de fonogramas Eu Vou Ser Como a Toupeira (1972) assinala o tempo em que José Afonso esteve praticamente impedido de cantar publicamente em Portugal realizando espetáculos em Espanha e em França, denunciando a situação política portuguesa. O álbum discográfico foi apresentado como um trabalho de coletivo, numa espécie de irmandade ibérica pela democracia e pela liberdade, unindo as colaborações de artistas portugueses e espanhóis. A este trabalho seguiu-se o álbum Venham Mais Cinco (1973), gravado em Paris com colaboração de José Mário Branco, incluindo diversos poemas escritos por José Afonso durante a sua detenção na prisão de Caxias, em Maio desse mesmo ano. Na balada “Que Amor não me Engana” a poesia atinge a vastidão do mar, livre de significados imediatistas e de interpretações lineares, sem perder o sentido da agitação sociopolítica que as suas intervenções musicais possibilitavam.

 

“Que Amor não me Engana” (José Afonso, 1973)

(…)

Muito à flor das águas

Noite marinheira

Vem devagarinho

Para a minha beira

(…)

Assim tu souberas

Irmã cotovia

Dizer-me se esperas

Pelo nascer do dia.

O 25 de Abril de 1974 representa o “nascer do dia”, esperado e desejado, após o qual José Afonso grava o álbum de fonogramas Coro dos Tribunais (1975), exprimindo nas suas canções a “revolução dos cravos”, frontalmente e sem metáforas, recriando na poesia a concretização de um sonho de liberdade que viveu intensamente. Entre 1974 e 1979 assumiu-se como “poeta militante”, trovador da liberdade, da mobilização popular e da luta pela consolidação da democracia participativa. O mar e as temáticas marítimas não são referenciados em nenhuma das suas canções, exceto no poema “Os Índios da Meia-Praia” (1976), testemunhando esta fase do trovador da revolução, como arauto do poder popular.

“Os Índios da Meia-Praia” (José Afonso, 1976)

Aldeia da Meia-Praia

Ali mesmo ao pé de Lagos

Vou fazer-te uma cantiga

Da melhor que sei e faço

 

De Monte-Gordo vieram

Alguns por seu próprio pé

Um chegou de bicicleta

Outro foi de marcha a ré

(…)

 

No poema “Os Índios da Meia Praia”, José Afonso conta a história de um grupo de famílias de pescadores oriundas de Monte Gordo que se fixaram em Lagos, nos areais da “Meia Praia”, na década de 1930, na procura de melhores condições de subsistência. O principal motivo da jornada estava relacionado com a pesca de arrasto realizada por barcos espanhóis, que deixavam sem peixe as águas junto à fronteira. Nos finais do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, os pescadores são desprezados pelos poderes públicos e sobrecarregados de impostos, “segregados e condenados a migrarem sazonalmente para fugir à miséria, enquanto a burguesia letrada que vem a banhos nas estâncias balneares se entretém a determinar os traços do seu carácter e a descrevê-los como descendentes de fenícios, gregos e púnicos” (Nunes(b): 2003, 133). Para as famílias de Monte Gordo, dependentes da pesca artesanal, forçadas a mendigar durante o Inverno para poderem sobreviver, a alternativa foi migrar para Lagos à procura de trabalho no mar. No extenso areal da “Meia Praia” construíram um aglomerado de barracas, feitas de canas, e aí se fixaram e permaneceram ao longo de gerações, contando apenas com o esforço do seu trabalho. Após o 25 de Abril, no âmbito de um programa de habitação social, foi-lhes prometido o seu realojamento num bairro de casas de tijolo, mas a burocracia adiou sistematicamente a concretização do projecto. Na luta pelo direito a uma habitação condigna os “índios da Meia Praia” deitaram mãos à obra, iniciando a construção por sua conta e risco, gerando diversos conflitos com os Serviços camarários que regulamentavam as obras de construção civil. O termo “índios” significa neste contexto “aqueles que perdem sempre, ou que têm de perder, os mais fracos e socialmente marginalizados” (Engelmayer, 1999: 50).

Quando o bairro foi oficialmente legalizado, “os índios” tinham investido oito mil horas de trabalho na realização do projecto, envolvendo homens, mulheres e crianças. Após as eleições de 1976, muitas das habitações sociais edificadas por iniciativa popular, durante o período revolucionário de 1974/1975, não chegaram a ser concluídas, mas tal não sucedeu aos “índios da Meia Praia”. Numa acção de solidariedade o cineasta António Cunha Telles filmou o processo de luta empreendido entre 1974 e 1976, realizando o filme “Continuar a Viver – ou os índios da Meia Praia”, para o qual José Afonso compôs a versão original da canção, mais longa daquela que conhecemos gravada, “criando uma simbiose entre a voz do povo e a voz do artista” (Engelmayer, 1999: 57).

Com o final do PREC, e após o 25 de Novembro de 1975 a revolução encontra o seu término, gerando no poeta-cantor o desencanto e a incerteza sobre o futuro da democracia participativa. No álbum de fonogramas Fura, Fura (1979), as referências ao “mar” e à “madrugada” voltam a emergir na poesia, como símbolos de resistência. Neste trabalho é acompanhado por uma nova geração de cantores e músicos, aos quais passa o testemunho de formas de expressão utilizadas nas primeiras obras, enriquecidas pela experiência humana e artística adquirida.

 

“Fura, Fura” (José Afonso, 1979)

(…)

Debaixo do céu

Que é pena, que é mágoa

Que uma ave de penas

Não possa voar

Às vezes

Não tenho jeito

P'ra falar de amigos

Meu amigo

Passageiro

Dá-me o teu capote

Para me abrigar

Vai num barco à vela

Numa aduela

Vai fazer-se ao mar

Em 1983 José Afonso grava o último disco em que participou ativamente “Como Se Fora Seu Filho”, testemunhando grande vitalidade e lucidez criativa, capaz de sobreviver a todos os tempos. Com arranjos musicais de Júlio Pereira, José Mário Branco e Fausto representa o olhar amadurecido e calmo de quem viveu a vida com intensidade e paixão. Numa viagem entre a utopia e o desencanto, o poeta José Afonso reconstrói as memórias, os desejos e os sonhos numa sociedade igualitária. Neste álbum, encontramos “Papuça”, um dos mais belos poemas sobre o 25 de Abril, numa reflexão serena e quase existencial sobre o que se fez, e o que ficou por fazer na “revolução dos cravos”.

“Canção da Paciência” (José Afonso, 1983)

Muitos sóis e luas irão nascer

Mais ondas na praia rebentar

Já não tem sentido ter ou não ter

Vivo com o meu ódio a mendigar

(…)

Na “Canção da Paciência” José Afonso recorre às temáticas marítimas para expressar a angústia e a deceção pelo rumo da sociedade portuguesa. O sentimento de perda invade o poeta, que ainda resiste, esperando pelo clarear de um novo dia. Em “Utopia”, refugia-se no sonho, no inatingível, forjando um ideal utópico de igualdade e fraternidade, deixando como interrogação: “que outro fumo deverei seguir na minha rota?”.

 

“Utopia” (José Afonso, 1983)

(…)

Homem que olhas nos olhos

Que não negas

O sorriso a palavra forte e justa

Homem para quem

O nada disto custa

Será que existe

Lá para os lados do oriente

Este rio este rumo esta gaivota

Que outro fumo deverei seguir

na minha rota?

No álbum de fonogramas “Galinhas do Mato” (1985) José Afonso não canta, mas deixa-nos o poema “Alegria da Criação”, contando a sua história de vida recriada metaforicamente no universo da ruralidade, anunciando, com serenidade e altivez, a chegada da “morte-feiticeira”, como síntese de uma vida vivida com paixão, de quem não se arrependeu de nada, porque só a vida o ensinou a cantar.

Notas finais:

A influência do cancioneiro popular e do mar nas cantigas de José Afonso remete para a importância das viagens como aprendizagem de vida, para a boémia e o lirismo coimbrão entrosados numa ruralidade incorporada, marcada pela imaginação e fantasia, para o espírito aventureiro do trovador e o desassossego existencial do poeta, na procura ávida da liberdade e da fraternidade utópica. Como afirmou o cantor Luís Goes: “José Afonso nunca abdicou dos valores do humanismo e do culto das utopias, tão essenciais à sobrevivência do homem. Como homem de causas acima de partidos políticos, fez das suas canções uma arma no combate às injustiças, à pobreza e às privações que também havia sentido ao longo da vida. Apesar de algumas vezes ser classificado de incoerente e contraditório, o facto é que nunca abdicou da sua liberdade crítica, nem da fraternidade utópica” (Cravo, 2006: 96). A partilha dos costumes e anseios dos “trabalhadores da terra e do mar”, a par das preocupações intelectuais dos letrados, configuraram a alma sensível do poeta-cantor que “semeava palavras na música”.

Na nossa perspectiva, o mais fascinante na obra de José Afonso foi sem dúvida a riqueza e variedade do seu génio, para além da escolha de poesias de outros autores vocacionadas para o canto. Como poeta deu rédea solta e criadora à lírica pessoal, exprimiu o mais persuasivo e generoso companheirismo, exprimiu os mais belos efeitos em incursões metafóricas, da mesma maneira que frontalmente, e sem metáforas, combateu os traidores da “revolução dos cravos”, aliando a fraternidade à denúncia da exploração salarial, do colonialismo, da violência e da hipocrisia. Por tudo isto “Grândola, Vila Morena” foi o santo-e-senha musical da revolução de Abril, por representar as aspirações daqueles que lutaram contra a ditadura, mantendo-se intemporalmente no repertório de contestação popular às políticas neoliberais, pelo direito à igualdade, na fidelidade ao princípio de que “o povo é quem mais ordena”.

 

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Este artigo foi publicado primeiramente em A Trabe de Ouro, Publicación Galega de Pensamento Crítico, Octubre/Noviembre/Diciembre, nº 96, 2013, ISNN: 1130-2674.

Outros artigos da mesma autora publicados nesta área desta plataforma**: «Carnaval em Lazarim: Máscaras, Testamentos e Práticas Carnavalescas», aqui »»»

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*Dulce Simões integra a Associação Mural Sonoro e tem publicado nesta área do Portal Mural Sonoro**, onde outros autores alguns dos seus artigos - resultado das suas investigações.  É doutorada em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA) e bolseira de Pós-Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). É investigadora integrada no INET-md e colaboradora do Instituto de História Contemporânea (FCSH/NOVA). É membro fundador do Grupo de Estudios Sociales Aplicados da Universidad de Extremadura (GESSA) e da Red(e) Ibero-Americana Resistência e(y) Memória (RIARM). Realiza investigação em Portugal e Espanha sobre fronteiras, movimentos sociais, usos políticos da memória e práticas da cultura. Participa em projectos de investigação internacionais e multidisciplinares.       

**Recepção musical: à excepção do restante portal, com trabalhos de Soraia Simões, nesta secção a autora publica, além do seu trabalho, outros autores com os quais se tem cruzado ou colaborado noutros projectos, convidando-os a partilhar também neste seu espaço resultados dos seus trabalhos de investigação.

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Referências bibliográficas:

Brandão, Raul. s/d. Os Pescadores (1893-1923). Lisboa: Ulisseia.

Cravo, Jorge. 2009. José Afonso. Da Boémia Coimbrã à Fraternidade Utópica. Coimbra: Câmara Municipal de Coimbra.

Engelmayer, Elfriede. 1999. José Afonso, Poeta. Lisboa: Ulmeiro.

Galhoz, Maria Aliete. 1997, Pequeno cancioneiro popular. Porto: Civilização.

Nunes, Maria Arminda Zaluar. 1978. O cancioneiro popular em Portugal, Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, Secretaria de Estado da Cultura, Ministério da Educação e Cultura.

Nunesª, Francisco Oneto. “O Problema do Aleatório: da Coerção dos Santos ao Idioma da Inveja”. Etnográfica, vol. III (1999): 271-291.

Nunes(b), Francisco Oneto. “O Trabalho faz-se Espetáculo: a pesca, os banhos e as modalidades do olhar no litoral central”. Etnográfica, vol. VII (2003): 131-157.

Raposo, Eduardo. 2007. Canto de Intervenção (1960-1974). Lisboa: Público.

Ribeiro, Rogério. (coord.). 1994). Zeca Afonso – Poeta, Andarilho e Cantor. Lisboa: Associação José Afonso.

Salvador, José A. 1984. Livra-te do Medo. Estórias & Andanças do Zeca Afonso. Lisboa: Regra do Jogo.

Santos, João Afonso dos. 2002. José Afonso, um olhar fraterno. Lisboa: Caminho.

Simões, Manuel e Mendes, Rui. 1995. Cantares. José Afonso. Coimbra: Fora do Texto.

Teles, Viriato. 1983. Zeca Afonso. As Voltas de um Andarilho. Lisboa: Relógio D’Água.

Vasconcellos, José Leite de. 1975. Cancioneiro popular português. Vol. I. Coimbra: Universidade de Coimbra.

 

Fontes Internet:

Discografia de José Afonso consultada na Associação José Afonso (site oficial): http://www.aja.pt/

“Os símbolos de purificação: a madrugada, a água, a brisa, o vento e o fogo: «Canto Moço»” de Helena Langrouva. (Consultado em Outubro de 2010). Disponível em: http://www.triplov.com/helena/Zeca-Afonso/Poesia-popular/simbolos.htm

“José Afonso: um professor que não usava fato e gravata – memórias de uma aluna de Setúbal”. Expresso. (Consultado em Outubro de 2010). Disponível em: http://aeiou.expresso.pt/jose-afonso-um-professor-que-nao-usava-fato-e-gravata-aluna-de-setubal=f528847

1 Nas cento e vinte e cinco canções da coletânea Movieplay, setenta e uma têm poesias de sua autoria, e as restantes cinquenta e quatro remetem para diversos autores distribuídos da seguinte forma: “fados de Coimbra” (14), canções populares (20), e outras (20). Os catorze fados de Coimbra interpretados por José Afonso são respectivamente da autoria de Ângelo Araújo, António Menano, António Nobre, Carlos Figueiredo, Edmundo Bettencourt, Felisberto Ferreirinha, Fortunato Fonseca, Mário Faria Fonseca, Paulo de Sá e Tavares de Meio. Das vinte canções populares cinco são da Beira­ Baixa, três dos Açores e as restantes de Trás-os-Montes, Beira-Alta, Alentejo e Galiza. As restantes vinte canções têm como autores Aires Nunes (trovas do séc. XIII), António Quadros, Barnabé João (pseudónimo de António Quadros), Bertolt Brecht, Luís Francisco Rebello, Fernando Miguel Bernardes, Fernando Pessoa, Hélder Costa, Jorge de Sena, José Carlos Ary dos Santos, Lope de Veja, Natália Correia, Luís de Andrade (Pignatelli), Luís de Camões, Nicolau Tolentino e Reinaldo Ferreira. Ver discografia completa, no site da Associação José Afonso, consultável em: http://www.aja.pt/discografia/.

2 José Afonso viveu a infância em Belmonte, em casa do tio Filomeno, com quem apreendeu as cantigas populares da Beira Baixa, o despertar para os temas líricos de ópera, o gosto pelo “fado de Coimbra” e a descoberta de Edmundo Bettencourt. Em Coimbra viveu a adolescência, em casa da tia Avrilete, partilhando terços e novenas com os contos populares narrados e inventados pela Joana, serviçal da casa. Foi um período de intensa rebeldia (do liceu à universidade), durante o qual encontrou na boémia a sua redenção. As noites eram passadas em deambulações pela cidade “com meia dúzia de meliantes da minha idade, amantes inconsequentes da noite” (Teles 1983, 18), configurando o lirismo de uma Coimbra poetizada ao unir a sua voz aos acordes da guitarra e da viola. “Quando íamos às aldeias, rapávamos de violas e guitarras, cantávamos e, às vezes, davam-nos umas línguas de bacalhau e uns copos” (Salvador,1983: 56), recordava José Afonso das suas vivências de aluno do liceu. Um Cartaz da Queima das Fitas, representando um grupo de estudantes atravessando o espaço numa réstia de luar, dançando de braço dado em direção à lua, refletia a atmosfera romântica e irreverente desses primeiros anos.

3 Durante a sua permanência em Coimbra viveu diferentes fases da sua vida com a mesma paixão: a fase do futebol, no Campo de Santa Cruz com os colegas do liceu, e posteriormente como extremo-direito nos juniores da Associação Académica; a fase das cantigas, participando no Orfeão Académico e na Tuna, vagueando pela cidade e pelas republicas estudantis (Cágados, Corsários das Ilhas, Prá-quis-tão, Palácio da Loucura e Ai-Ó-Linda); a fase do Coral de Letras, que ajudou a fundar, ao qual pertenceu Lúcio Lara (dirigente do MPLA), e a fase do Ateneu, de convívio com os “futricas”, quando rejeitou a tradição e a praxe, após a crise académica de 1969. No Ateneu, coletividade fundada por operários, comerciantes e industriais da zona da Sé Velha, partilhou a cultura popular da cidade: “esse mundo popular de Coimbra que eu conheci das cantadeiras, das criadas, dos fulanos que iam pedir medicamentos à malta, de toda aquela fauna que gravitava em torno dos estudantes, às vezes com laços de grande cordialidade e de grande amizade” (Santos, 2003: 125).

4 O Processo Revolucionário em Curso (PREC) foi um período histórico e revolucionário após o 25 de Abril de 1974, compreendido entre Julho de 1975 e o Golpe Militar de 25 de Novembro de 1975, fortemente impulsionado por partidos e organizações de esquerda, de extrema-esquerda, e pela participação popular. A este período histórico está associado a criação de associações de trabalhadores, associações culturais, associações de moradores, o Serviço Cívico, as Campanhas de Dinamização Cultural e a Reforma Agrária. Para uma abordagem mais completa, ver: Rosas, Fernando. 2004. “A Revolução e a Democracia”, em Francisco Louçã e Fernando Rosas (org.). Ensaio Geral. Passado e Futuro do 25 de Abril. Lisboa: D. Quixote, pp. 15-49.

5 Para além do ensino da História, que fazia parte do programa curricular, José Afonso contava outras “histórias” nas salas de aula, algumas das quais permanecem na memória dos seus antigos alunos. A advogada Alice Brito foi aluna em Setúbal, e nunca esqueceu a resposta de um pescador, que remendava redes no areal, quando José Afonso, distraidamente, foi embater nele: “- E o mar é tão grande!” Consultável em: http://aeiou.expresso.pt/jose-afonso-um-professor-que-nao-usava-fato-e-gravata-aluna-de-setubal=f528847.

6 Sobre a “Primavera Marcelista” ver, por exemplo: Rosas, Fernando. 2004. Transição Falhada. O Marcelismo e o Fim do Estado Novo 1968-1974. Lisboa: Editorial Notícias

 

 

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Estudantinas – danças carnavalescas na raia do Baixo Alentejo, por Dulce Simões

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Estudantinas – danças carnavalescas na raia do Baixo Alentejo, por Dulce Simões

por Dulce Simões*

O Carnaval, tema milenário do “mundo às avessas”, propicia práticas rituais de inversão que assinalam um tempo de utopia. Por isso, todas as formas e símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados de lirismo e da consciência sobre a relatividade da verdade e do poder. Este tipo de pensamento, disfarçado de forma alegórica, revela uma declaração explicitamente revolucionária, pela crítica e negação da ordem social existente. Até ao 25 de Abril os versos das Estudantinas passavam pelo crivo da censura do Presidente da Câmara (Barrancos) ou do Regedor (Amareleja) e eram cantados pelas ruas das vilas no domingo e na terça-feira gorda. Os versos das Estudantinas, acompanhados de música e teatralizações, falavam do que de bom e de mau foi feito ao longo do ano, e visavam direta ou indiretamente os vizinhos e os representantes do poder. Os autores mais recordados em Barrancos são o “Cumbreño” e o “Lelo”, e na Amareleja o Luís Perico, que “dava uma na caixa, e outra de racha”, como recordam os mais idosos.

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Amareleja - Estudantina de 1960

Como prática carnavalesca as Estudantinas perderam alguma dinâmica em anos fortemente marcados pelos fluxos migratórios. Em Barrancos restam algumas fotografias e versos que ajudam a reconstruir a memória de um tempo de folia, que actualmente não atrai o interesse dos jovens .

 

Barrancos – Estudantina de 1961

Barrancos – Estudantina de 1961

“Trabalho não nos arranjam /Isto assim não pode ser /Nós temos que trabalhar/Para se queremos comer./ Rapazes tenham paciência / Temos de seguir andando /De noite por essas fragas /Na vida do contrabando” (Barrancos -excerto da Estudantina de 1973).

Na Amareleja, as Estudantinas mantiveram-se como prática cultural carnavalesca. Em 1992 a Junta de Freguesia promoveu o primeiro concurso de Danças/Estudantinas para “manter a tradição”, que contou com a participação de cinco grupos. No ano seguinte estabeleceu um roteiro pela vila, assinalando os locais de actuação, que actualmente se mantêm. Os grupos são constituídos por familiares e amigos que partilham a mesma visão do mundo, e pretendem manter uma prática cultural herdada dos pais e avós. Quase todos os intervenientes evocam algum familiar com o qual se estrearam nas Estudantinas, e começaram tão jovens como aqueles que integram os grupos da Hortense, do Carlos Prazeres e do Manuel Valente. As competências musicais e vocais dos participantes, aliada à criatividade dos versos, fazem do processo de criação um tempo de convívio e cumplicidade entre os elementos dos grupos. Tudo começa pela escolha do tema musical, ao qual se ajustam os versos, em função das temáticas sociais escolhidas. A rima é particularmente apreciada pelos mais idosos, que ainda não reconhecem nos jovens as qualidades atribuídas ao saudoso Luís Perico. Os temas de crítica social enlaçam as problemáticas locais com a crise global, refletindo uma “visão do mundo” de falsas promessas eleitorais, de alterações de valores e perdas de direitos sociais. A Junta de Freguesia da Amareleja apoia os grupos com 150€, e oferecia um jantar. Mas, em 2014, “nem petiscar…” como diziam os versos da Estudantina do grupo de Carlos Prazeres.
Nos últimos anos, as Estudantinas da Amareleja suscitaram o interesse dos vizinhos da Granja, de Santo Amador, de Moura e de Santo Aleixo da Restauração que desfilam na terça-feira gorda pelas ruas da vila da Amareleja. Todavia, os grupos amarelejenses não se revêm nas performances dos vizinhos, que caracterizam de “folcloristas”, defendendo as suas danças como representativas da tradição local. A concertina, as pandeiretas, as castanholas e as zambombas são os instrumentos estruturantes, aos quais se juntam violas, caixas, bombos ou trompetes, conforme a criatividade de cada agrupamento. Na manhã de terça-feira os grupos da Amareleja percorrem as ruas da vila criando o seu roteiro de actuações, e coincidem no Lar de Idosos, frente à Casa do Povo e SFUMA e no Regato. Na parte da tarde a concentração e actuação de todos os grupos inicia-se junto à Igreja Matriz, seguindo-se o desfile e actuações frente à Junta de Freguesia, nas 4 esquinas e por fim no Regato, para onde converge o público (locais e forasteiros). Em 2014 as Estudantinas denunciavam o desemprego, a emigração dos jovens, o grupo de Carlos Prazeres cantava:

“Estamos de novo, cantando para o povo, este Carnaval / Já não é feriado, está tudo acabado, neste Portugal /As festas acabam, e ainda por cima, muitos emigraram, porque em Portugal, já não há esperança /Se tudo abalar, temos que ir cantar, a dança na França.

Em 2015 a festa começou pela manhã, no lugar dos Barranquinhos, situado no extremo da vila na estrada para Barrancos, e terminou no Regato, o coração da vila alentejana. Os grupos de Estudantinas percorreram as ruas e os vizinhos assomaram-se às janelas e às portas, para partilharem do riso e da crítica social, e alguns contribuem com o que podem para a colecta dos grupos. Ao longo do percurso pelas ruas os grupos são recebidos em casas de amigos e familiares que lhe oferecem comida e bebida. “É a folia que nos chama” dizem uns versos, reafirmando que “a Amareleja tem mais cor quando chega o Carnaval”. Em 2015 saíram cinco grupos da Amareleja: da Hortense Lameiras, do Manuel Estevão, do António Guerra, do Carlos Prazeres e do Mário Valente. A festa atraiu grupos das povoações vizinhas de Santo Amador, Moura, Safara e Granja. A Granja fez-se representar por um grupo feminino e outro masculino, membros dos grupos corais da Casa do Povo. De Safara veio a banda juvenil, e dos Leões de Moura veio um grupo misto de cantadores. Os versos das Estudantinas falaram do desemprego, dos cursos de formação, dos subsídios da União Europeia para “os jovens agricultores”, denunciando as falácias do discurso do poder. O reconhecimento do cante a Património Imaterial da Humanidade foi homenageado por todos os grupos, “depois de 50 anos a cantar”, dizia um cantador. Os versos denunciaram os casos mais mediatizados, como “o caso Sócrates”, “o terrorismo” e a intolerância religiosa, os programas de televisão, como “A casa dos segredos”, assim como os acontecimentos locais que geram polémicas como “o Dia da Mulher” e os conflitos do poder local em torno de um Pavilhão. Como cantava o grupo de António Guerra:

“Muita coisa aconteceu / neste ano que findou, /continuou-se a viver mal, / até aqui nada mudou”.

 

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*Dulce Simões integra a Associação Mural Sonoro e tem publicado nesta área do Portal Mural Sonoro**, onde outros autores alguns dos seus artigos - resultado das suas investigações.  É doutorada em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA) e bolseira de Pós-Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). É investigadora integrada no INET-md e colaboradora do Instituto de História Contemporânea (FCSH/NOVA). É membro fundador do Grupo de Estudios Sociales Aplicados da Universidad de Extremadura (GESSA) e da Red(e) Ibero-Americana Resistência e(y) Memória (RIARM). Realiza investigação em Portugal e Espanha sobre fronteiras, movimentos sociais, usos políticos da memória e práticas da cultura. Participa em projectos de investigação internacionais e multidisciplinares.       

Este artigo foi publicado também no espaço virtual da autora, aqui »»» 

Outros artigos acerca de práticas carnavalescas da mesma autora publicados nesta plataforma: «Carnaval em Lazarim: Máscaras, Testamentos e Práticas Carnavalescas», aqui »»»

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**Recepção musical: à excepção do restante portal, com trabalhos de Soraia Simões, nesta secção a autora publica, além do seu trabalho, outros autores com os quais se tem cruzado ou colaborado noutros projectos, convidadando-os a partilhar também neste seu espaço resultados dos seus trabalhos de investigação.

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14/01/2017, 'O RAP como Resposta', projecção de dois filmes seguidas de uma conversa com o cineasta Rui Simões (Real Ficção)

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14/01/2017, 'O RAP como Resposta', projecção de dois filmes seguidas de uma conversa com o cineasta Rui Simões (Real Ficção)

14/01/2017

7ª sessão do Ciclo de conferências e debates do projecto RAPortugal 1986 - 1999.
Projecção filmes Retratos a preto e branco e Ilha da Cova da Moura de Rui Simões (Real Ficção) seguido de conversa com o realizador. Tema: ''O RAP como resposta''
Coordenação: Soraia Simões (Instituto de História ContemporâneaAssociação Mural Sonoro)
Espaço: Fórum Municipal Romeu Correia, sala Pablo Neruda, Almada
Capatação som, imagem: José Fernandes

 

 

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Apresentação disco: Cavaquinho, de Daniel Pereira no Cantado Teatro Circo, Braga, apoio Associação Mural Sonoro

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Apresentação disco: Cavaquinho, de Daniel Pereira no Cantado Teatro Circo, Braga, apoio Associação Mural Sonoro

A Associação Mural Sonoro sugere e junta-se a esta apresentação

Cavaquinho Cantado de Daniel Pereira Cristo com o apoio da Associação Mural Sonoro, dia 14 no Theatro Circo - Página Oficial em Braga.

Cavaquinho e voz: Daniel Pereira Cristo | Bandola e coros: Diogo Riço | Percussões: André No | Contrabaixo: David Estêvão | Som e produção musical: Hélder Costa | Som: Diogo Cocharro | Desenho de luz: Sérgio Lajas | Convidados: André Ramos (viola braguesa), Catarina Valadas (flauta e voz), Luís Almeida (voz), Nuno Sousa (voz), Mário Gonçalves (bateria), João Conceição (percussão)

Onde comprar bilhetes? Ver aqui >>>

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Música no meio ou meio com música?

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Música no meio ou meio com música?

por Soraia Simões de Andrade [1]

breves

As razões que contribuíram para os meios fonográficos se tornarem reprodutores de música confundem-se com as razões subjacentes ao uso e comercialização de uma ‘música erudita’ e de uma ‘música popular’. Seja os discos e as plataformas online, mais tarde, como meios de reprodução seja os instrumentos e a maquinaria adaptados ao mercado musical.

As razões pelas quais, não obstante da sua capacidade material representar uma experiência estética (e/ou técnica) distinta, os discos foram entendidos como formatos de um “som original” tornou-os essenciais para uma configuração social que se adaptou ao contexto social durante a segunda metade do século XX e que fez com que despontassem no meio musical opinadores sobre o formato final e não sobre a música em si mesma, mesmo nos meios de uma ‘música erudita’ em que o debruçar sobre a partitura se trocou pela opinião sobre o disco que fixou essa música, e a opinião transmitida em círculos sem ligação anterior a uma teoria ou leitura musical formal.

Para se entender o papel dos veículos de comunicação na cultura contemporânea tornou-se imprescindível abordar o seu cariz histórico-social.

No cariz social do meio sonoro-musical existe uma tendência para eleger a tecnologia como factor desencadeador de processos sociais.

Todo o meio se passou a assumir como uma entidade autónoma dos seus contextos sociais e históricos, no qual o efeito sensorial da tecnologia sobre o indivíduo e suas consequências na sociedade o foi transformando num motor da evolução social, uma extensão do humano e, até, incorpóreo, na medida em que a visão de uma nova sociedade – de uma ‘aldeia global’ – vira costas aos tradicionais valores que governavam as relações entre as pessoas e passa a ser o objecto final, e não a ligação directa e sequencial ao meio musical desde o momento em que a ideia surge até à sua organização (pauta, junção de harmonia/melodia/ritmo/dispositivos e materiais diversos), a causa. O meio existente passou a ser a causa e tudo o resto os efeitos sobre a mesma.

Para mim, uma das consequências mais negativas deste formalismo é fazer refém de uma perspectiva limitada uma série de factos complexos, que não passam pela materialidade do meio. O terem-se preterido aspectos fundamentais, como os significados da técnica num determinado tempo na sociedade e os seus efeitos sociais. Problemáticas sobre as quais as determinações político-económicas e científicas contribuíram para que alguma tecnologia fosse implementada e se tornassem, para muitos, despropositadas, ainda que se saiba, na prática, que são fundamentais.

A organização social dos meios fonográficos em bens culturais (desde os esforços científicos, para a reprodução sonora, que levaram à criação do telégrafo, ao veicular de impulsos eléctricos como informações por redes de receptores com e sem fio, ou necessidade de registar esse fluxo de informação) faz parte de um contexto historicista em toda a música, que a transformou em si mesma num produto de entretenimento assente numa indústria de comunicação muito desatenta ou que delega para segundo plano o envolvimento com os processos de criação.

Fotografia da minha autoria tirada durante entrevista realizada na ''Casa Museu'' de Nuno Siqueira, disponível em: Nuno Siqueira, História Oral Mural Sonoro

Fotografia da minha autoria tirada durante conversa na ''Casa Museu'' de Nuno Siqueira, disponível em: Nuno Siqueira, História Oral Mural Sonoro

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ROTEIRO CULTURAL POR UM JARDIM (29 de Outubro) - Vencedor Orçamento participativo de Lisboa (28 de Novembro)

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ROTEIRO CULTURAL POR UM JARDIM (29 de Outubro) - Vencedor Orçamento participativo de Lisboa (28 de Novembro)

Já conhecem o Jardim do Caracol da Penha?

Se não sigam a sua página aqui no Facebook para ficarem a conhecer.

O Caracol da Penha é ''o último vestígio de uma vivência rural que outrora existiu nesta zona hoje densamente urbanizada de Lisboa. Esta memória rural está patente nas múltiplas árvores de fruto que ocupam os socalcos desta antiga quinta de 8.000 m2 – um espaço que nós queremos que seja de todas as pessoas''.

O projecto para a construção de um parque de estacionamento é pela primeira vez apresentado em público, confirmando a exiguidade das zonas disponibilizadas para usufruto da população.


A Associação Mural Sonoro e outras organizações locais estão com o movimento pela criação de um Jardim e preservação deste espaço verde. E vocês habitantes e visitantes de Lisboa? Vão deixar que isto aconteça? 

 

Hoje o meu/nosso bairro sai à rua reivindicando um jardim em detrimento de mais um parque de estacionamento - Jardim do Caracol da Penha. A Associação Mural Sonoro juntou-se ao repto com a vizinhança. Na Padaria Saudade encontrarão uma exposição em vídeo durante o dia de conversas que mantive com pessoas que aqui vivem ou trabalham desde 1926 intitulada ''Memórias do Bairro'', encontrarão nela um pequeno texto que escrevi acerca da importância da memória e da sua relação com o espaço físico de vivência e encontro.
O Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha reúne todos e todas num roteiro cultural que pode ser aqui consultado: http://www.caracoldapenha.info/copy-of-quem-somos
A iniciativa surge depois de, em Setembro, a maioria dos moradores de Arroios e Penha de França ter rejeitado a intenção da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) de construir, na encosta da Penha de França, um parque de estacionamento. Pede-se a requalificação do local para a criação de um jardim público.
Juntem-se, assistam e participem.
(Soraia Simões, Assoc.Mural Sonoro)

O programa , aqui >>>>>

Quais as memórias do bairro? Recolha de memórias das vivências de diversas pessoas que vivem ou trabalham na zona do Caracol da Penha desde 1926. Este vídeo foi realizado no âmbito do "Ao Caracol! Roteiro Cultural por um Jardim!" - 29 de Outubro de 2016 por Soraia Simões.

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Workshops Projecto RAPortugal

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Workshops Projecto RAPortugal

O projecto RAPortugal 1986 - 1999 contou, além do Ciclo de Conferências e Debates com início a 7 de Setembro de 2016 e termino a 22 de Janeiro de 2017, com um Ciclo de workshops que tiveram como principal objectivo aproximar outros lados do RAP. Da parceria estabelecida entre a Mural Sonoro e a Associação Cultural Moinho da Juventude no âmbito do projecto RAPortugal 1986 - 1999 resultou um conjunto de acções em escolas e espaços culturais da Reboleira, Amadora e Cova da Moura.

REALIZAÇÃO DOS WORKSHOPS

Flávio Almada, Jakilson Pereira

Produção: Associação Mural Sonoro, co-produção: Associação Cultural Moinho Da Juventude, Câmara Municipal de Almada, Escola Intercultural das Profissões e do Desporto da Reboleira, FIAR.

(Re) educar através do RAP: Reacção Através da Poesia

PROGRAMA

Tema: Descrição da realidade através da palavra

Formadores: Flávio Almada, Jakilson Pereira

Público-alvo: 12 - 15 anos

Espaço: Associação Cultural Moinho da Juventude

8 de Outubro

a partir das 15:00

Jakilson Pereira fotografia

Jakilson Pereira fotografia

 

3 de Novembro

a partir das 15:00

Tema: Poesia de periferia?

Formador: Flávio Almada

Público-alvo: 12 - 15 anos

Espaço: Escola Intercultural das Profissões e do Desporto (Reboleira)

 

60 jovens no auditório da Venda Nova, Escola Intercultural das Profissões e do Desporto, para receber o 2º workshop integrado no projecto RAPortugal 1986 - 1999
Tema: Poesia de periferia?
Formadores: Flávio Almada e Jakilson Pereira

História Oral com LBC Soldjah (2012)

Flávio Almada

Flávio Almada, nasceu em São Domingos, Santiago, Cabo Verde, em 1982. É licenciado em Tradução e Escrita Criativa pela Escola de Comunicação, Arquitectura, Artes e Tecnologias da Informação (Lisboa) em 2013 e mestrando em Estudos Urbanos na FCSH/ISCTE. Há catorze anos que reside em Portugal e durante esses anos trabalhou em projetos ligados ao Desenvolvimento artístico e cultural, Cidadania e Educação Cultural, Economia solidária, Inclusão Digital, Coesão e Inclusão através da Arte, Desenvolvimento Comunitário em várias localidades da Área Metropolitana de Lisboa. É Mc’s (Rapper), ativista político e Membro da Direção  e colaborador da Associação Cultural Moinho da Juventude. 

História Oral com Hezbó MC (2012)

Jakilson Pereira

Licenciado em Educação Social pela Escola Superior de Santarém/Instituto Politécnico de Santarém e mestrando em Educação e Sociedade no ISCTE, possui formação complementar diversa, nas áreas da cidadania e intervenção juvenil. É técnico superior de educação social na ACMJ, onde desempenhou diversas funções desde 2011.

Desde 2011, é responsável pela Biblioteca António Ramos Rosa e administrador do Balcão do Cidadão de Cabo Verde na Associação Cultural Moinho da Juventude, emite: registo criminal, certidão de nascimento, certidão de casamento, certidão de óbito, certidão de perfilhação, sendo este um dos serviços que integra o núcleo de apoio à documentação e apoio jurídico da associação. O desempenho destas funções tem-lhe dado, entre outros aspectos, grande prática e proximidade com o Serviço de Estrangeiro E Fronteiras e Conservatória do Registo Civil para pedido de nacionalidade Portuguesa.

Colabora com Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra no Projecto “Alice” - Colóquio Internacional Epistemologias do Sul, desde 2014. 

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Miratejo Represent: territórios e identidade, 15 de Novembro de 2016 – terça-feira pelas 16.00 na Casa Amarela, Laranjeiro, Almada

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Miratejo Represent: territórios e identidade, 15 de Novembro de 2016 – terça-feira pelas 16.00 na Casa Amarela, Laranjeiro, Almada

A quinta sessão do Ciclo de Conferências e Debates do projecto RAPortugal 1986 - 1999  coordenado por Soraia Simões aconteceu  no dia 15 de Novembro de 2016 – terça-feira pelas 16.00 na Casa Amarela, Laranjeiro, Almada.

A sessão incidiu nos discursos acerca de identidades e territórios e o modo como a prática do RAP no período histórico traçado neste projecto e na actualidade se desenvolveram.  A sessão contou com intervenções de António Brito GuterresSan Ryse,G Pump PumpstaEdson KeithAna EstevesBiggyBrain K BeatzDani G Mira Squad, Soraia Simões.


evento aqui: evento criado por IHC, FCSH NOVA

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Angola: o itinerário da palavra na canção e a emancipação da cultura popular face ao imperialismo português (1961 - 1975)

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Angola: o itinerário da palavra na canção e a emancipação da cultura popular face ao imperialismo português (1961 - 1975)

por Soraia Simões de Andrade *

Fotografia do Documentário Dipanda’75, autor: Alexandre Nobre, Espólio Rádio Nacional de Angola (RNA), registos autorizados para realização de documentário

Fotografia do Documentário Dipanda’75, autor: Alexandre Nobre, Espólio Rádio Nacional de Angola (RNA), registos autorizados para realização de documentário


À Independência de Angola a onze de Novembro de 1975 ficou ligado um universo empenhado politicamente de músicas e interpretações.

A luta pela independência foi considerada numa linha temporal ampla: congregou um período extenso de preparação, um período marcado por um conjunto de acções revolucionárias e uma época de estabilização. A música de resistência, ou subterrânea valendo-me de uma expressão de José Mário Branco nas nossas conversas registadas (anexo), da década de sessenta, o canto de protesto da fugaz Primavera Marcelista, o período do canto livre no ano da Revolução, e o período dos Grupos e colectivos de Acção Cultural durante a fase de fortalecimento da democracia em Portugal, criaram laços com a canção que era produzida em Angola em alturas semelhantes.

O período que marcou o exílio de um grande grupo de jovens, reforçado pela política colonial portuguesa, permitiu a disseminação da música política, para usar a designação de José Afonso a propósito do disco O Coro dos Tribunais, quer em Portugal como em Angola.

Contextualizando no tempo histórico, e não apenas no modelo musical, traçarei uma possível rota da palavra na canção em Angola de 1961 a 1975, procurando reflectir sobre o modo como o texto das canções, a utilização de símbolos nacionais e o uso de instrumentos musicais locais foram, simultaneamente, uma forma de legitimação social e cultural angolanos e um mecanismo de combate face ao imperialismo português.

Para entender o uso da cultura como forma de combate prefigurou-se a reunião de fontes a respeito não só da guerra colonial como de nominatas e concepções fugidias, como de ‘uma identidade’, do desmantelamento das terras africanas, ou da construção de uma Angola colonial durante o século vinte.

Além de fontes usadas tradicionalmente no âmbito historiográfico, como bibliografia geral e específica de enquadramento [1 e 2], reuni algumas fontes audiovisuais [3], fontes orais - testemunhos inéditos de quatro músicos entrevistados na cidade de Luanda no ano 2007 para o documentário Dipanda’75 [4].

Por via da representação do localismo em palcos maiores, através das práticas literárias-musicais de Ruy Mingas, Bonga, Teta Lando (M'Banza Kongo, 2 de Junho de 1948 - Paris, 14 de Julho de 2008) e Carlos Lamartine entre 1961 e o 11 de Novembro de 1975, altura em que se dá a Independência de Angola, não só os elementos culturais como as suas diferentes visões políticas descreveram linhas de orientação inseparáveis dos movimentos de libertação.

A escolha destes quatro entrevistados esteve relacionada com os papéis dos textos musicados como forma de combate e de resistência às censura e ditadura durante o período colonial, procurando interpretar elementos de cultura local aliados a uma visão política dos autores, por via dos quais se afirmaram num cenário de guerra.

Alguma da abordagem historiográfica entre 1950 e 1980 entende como cultura política o ‘conjunto de valores identificativos de correntes políticas’, mas que não se cingem ao partido político, como é o caso da historiadora brasileira Amanda Palomo Alves [5].

Este breve texto é parte do argumento do documentário realizado por Alexandre Nobre, procura aprofundar, usando fontes inéditas como as entrevistas supramencionadas, a leitura existente acerca do papel de uma suposta ‘cultura angolana’ na europa em retroalimentação com a que era editada ou apresentada em Portugal.

Não obstante as valiosas contribuições da investigadora brasileira Amanda Palomo Alves, do trabalho no âmbito jornalístico de Jomo Fortunato [6] , no seio da história da música em Angola de Marissa J.Moorman [7] ou do realizado pelo músico e investigador Mário Rui Silva [8], este artigo teve como principal objectivo introduzir uma outra alínea de investigação, ainda não tratada de um modo claro: a das cumplicidade e alimentação mútuas entre os actores da canção e os repertórios angolanos e os actores da canção e os repertórios portugueses no período de resistência à ditadura.

Sociedades da oralidade

Alguns autores descrevem as sociedades africanas como um palco privilegiado para o desenvolvimento dos processos de transmissão oral, onde estes mais ganharam forma, especialmente nos períodos conturbados de guerra. O investigador Amadou Hampâté-Ba [9] define-as como ‘sociedades da palavra’, muito embora a música tenha sido o canal privilegiado na difusão dessas palavras durante o colonialismo português do século vinte.

Quando os instrumentos electrificados foram introduzidos na música em Angola houve uma consolidação de práticas tradicionais angolanas como o semba [10]. Segundo  Jomo Fortunato, consultado por Alexandre Nobre em Luanda para o documentário Dipanda'75, a canção «Milhoró» do grupo Kiezos insere-se neste contexto. A canção versa: “Vão, vão, vão-se embora que isto assim não pode ser”. Esta canção assinalou uma época de prisões consecutivas, tornou-se célebre entre os movimentos de libertação em Angola, numa altura em que o intérprete da música, Vato Costa – irmão de Carlos Lamartine –, que o substituiria, seria preso.

Para Jomo Fortunato «é impossível escrever-se acerca da História da Música Popular em Angola sem se fazer uma referência ao período que vai desde o ano de 1950 ao ano de 1975». Isto deve-se não só ao facto de ter sido um período de grande criatividade cultural como por, tendo a prática musical como vector principal, os textos se afirmarem na sociedade angolana como sendo resultado da própria violência colonial que se foi desenvolvendo ao longo de cinco séculos de colonização.

A amplificação colonial nos anos 50

A música é analisada e interpretada dentro das suas regras particulares, existe um sistema organizacional: tonal e rítmico, que são produtos e estruturas culturais seleccionados em certos contextos sociais, pelo que tem de se ter em consideração tanto o conjunto de sons disponíveis para cada músico, como o contexto social em que as suas obras são produzidas e escutadas [11].

As mudanças ocorridas no mundo colonial durante este período foram notórias. O universo colonial começou a transformar-se de modo célere na segunda metade dos anos cinquenta. A guerra da Argélia, a Conferência de Bandung, as primeiras independências africanas, ressoaram inevitavelmente em (naquilo que este contexto político definiu como) territórios ultramarinos.

Em Dezembro de 1955 Portugal foi recebido na Organização das Nações Unidas, que veio a atribuir ao regime de  Oliveira Salazar alguma atenção do exterior. Se até à data a política colonial exercida pelo Estado Novo passou desapercebida, a partir da sua admissão na ONU as luzes acenderam-se, incidiram sobre nós, e fizeram ricochete em fóruns de destaque internacionais, passando Salazar a um dos alvos preferidos dos críticos do colonialismo [12].

O investimento económico do Governo de Lisboa nas colónias (Planos de Fomento 1953 – 1959 e 1959 – 1964), orientado não só para apoiar a colonização branca como para a exploração dos recursos naturais e para dirigir equipamentos e infra-estruturas, no caso de Angola concretizou-se no melhoramento e expansão da rede rodoviária e de caminhos-de-ferro e em melhoramentos portuários, tendo em vista o fortalecimento das políticas coloniais, na medida em que a modernização destes sectores teve como finalidade criar uma industrialização mais saliente nas colónias, por via da deslocalização da indústria têxtil algodeira, entre outras, apesar da mesma nunca se ter verificado, nem na escala nem nos moldes ambicionados.

A este factor acresceu, por um lado, a colaboração dos norte-americanos no sector agrícola no âmbito do Plano Marshall [13], por outro lado, o facto de o Estado Novo ter alguma resistência em envolver capital estrangeiro nas colónias.

Em Luanda o caso do petróleo foi elucidativo no pós-guerra, quando os excedentes do capital desapareceram e o regime apostou naquelas que eram as principais potências do mundo ocidental na exploração económica do império. Oliveira Salazar concedeu à Compagnie Belge des Pétroles, que intercedia no capital da Petrofina, e no ano 1955 a Gulf Oil teve a concessão do Estado português para dar azo às suas pesquisas em Cabinda.

Mas, não foi apenas o interesse do colonizador quanto a África desde 1945 e as paixões decorridas nas relações luso-britânicas, com Oliveira Salazar no governo até 1975 ou com os trabalhistas na capital inglesa a tentar interceder na descolonização, que vemos destacadas neste período da história (‘oficial’) recente de Angola e do colonialismo português. Incorporando o interesse crescente da Europa, do interesse pelos recursos naturais, Portugal ajudou inquestionavelmente ao crescimento do processo de escravatura, ao tráfico de escravos e, por conseguinte, à resistência africana que se pôs em cena no âmbito de campanhas militares de ocupação neste longo processo histórico. 

A Música Popular em Angola foi uma extensão da sua História, do seu passado pré-colonial e colonial, e dos massacres de 1961 no norte de Angola [15]. Assim como a evolução política e económica ocorrida até à independência não se dissociou nem da História de Portugal, nem da do Brasil colonial, nem da História dos Impérios Ultramarinos ou da corrida europeia pela partilha de África e da nova ordem mundial do pós II Grande Guerra Mundial (1939 - 1945), com a extensão da designada Guerra Fria aos territórios africanos.

A colonização em Angola, que cresceu com o início do povoamento branco por força da Conferência de Berlim, deixou claro que foi colonialismo o que antecedeu esse período, e que o que veio a seguir foi colonialismo e colonização (esta a partir de finais do século XIX com especial enfoque em algumas zonas do território).

A formação de uma corrente patriotista em Angola no século vinte – com os seus movimentos e organizações partidárias, os presos e exilados políticos, vítimas da tortura, do autoritarismo e da censura do colonialismo português –, esteve presente em vários grupos culturais, com particular interesse na música.

O ano 1974 assinalaria um período de escape e de maior fomento a essa liberdade de criação e de composição, que viria a permitir que um conjunto de autores, que passaram a ser relevantes na cultura e na sociedade angolanas, tivessem um maior teor contestatário nas suas práticas.

Às canções que remontavam às sociedades africanas mais tradicionais de Angola que com um pendor satírico, por vezes disfarçado pela componente instrumental baseada no ritmo e às quais se juntou a dança, já visavam a crítica social juntar-se-ia a música de carácter político, ora explícito ora velado. No período de maior emancipação da cultura popular angolana, vários tipos de canções desempenharam um papel de destaque. As que se assumiram na demonstração de aprovação entusiástica ou de louvor a determinados partidos políticos, por exemplo, atingiam o seu auge em 1974 com o advento do grupo Kissanguela.

«Cantos de Resistência», o passado no presente e as redes

Viva, viva, viva, viva

viva o MPLA

Quando a revolução vingar

E a reforma se impuser

Proletário, povo de Angola

Avante, avante

Cultivar café e algodão

De Cabinda ao Kuneme,

Revolver montanhas, florestas

(Kissanguela) [16]

Ao estabelecer a canção como afirmação do seu combate, tendo o texto da canção e os elementos culturais como objecto, face à política do Estado Novo que não reconhecia a existência de uma guerra, estes autores transformar-se-iam de igual modo, para a população angolana, protagonistas da luta na independência do seu país.

Os assuntos expressos nos seus discursos tendo como canal a canção estiveram presentes em vários momentos importantes da História de Angola. Em exemplo, durante a guerra popular revolucionária de longa duração, no governo presidido por Agostinho Neto [17] (ele que também fora um actor cultural de relevo através da sua poesia) que se generalizaria a toda a extensão do território angolano envolvendo aldeias, também mobilizadas para o trabalho clandestino tomadas na última fase da guerra, as suas músicas ecoaram.

Estes quatro intérpretes e compositores expressaram, no recorte temporal aqui apresentado, o modo como as suas práticas chamaram a atenção da censura, mesmo nos momentos em que a metáfora difundida por via de línguas locais, como o quimbundo [18], procurou disfarçar a incisão perante o mapeamento imperialista a que se sentiam sujeitos, ou as suas vozes passaram a despertar desconfianças em discursos não cantados.

Às práticas culturais, aos costumes e memórias angolanas, juntar-se-ia o discurso político que viria, com a passagem de alguns destes actores pela Casa dos Estudantes do Império em Lisboa e pela Universidade de Coimbra, a firmar a presença da cultura angolana junto dos sectores intelectuais em Portugal antes da independência e o seu crescente reconhecimento após a independência na sociedade portuguesa.

As entrevistas realizadas em Luanda para este documentário foram feitas de modo indutivo e assumiram desde logo um carácter explanatório por parte dos interlocutores, nas suas análises acerca das canções e dos movimentos políticos em que se inseriram. A análise do corpo das canções feita com os mesmos, a interpretação do corpus das entrevistas realizadas com os quatro, indicariam o porquê das linhas de orientação político-partidária e ideológica distintas em que estes protagonistas [19] da canção se inscreveram.

O modo como o conteúdo literário da canção neste período se assumiu, independentemente do quadrante político, face ao imperialismo português permitiu ainda constatar que, ainda hoje, os assuntos levantados nas canções são objecto de identificação do povo angolano espalhado pela Europa, mas também de circulação entre várias comunidades e discussão em redes sociais [20].

A Música Popular enquadrada na luta de libertação de Angola teve um papel de afirmação, mobilização e confrontação com o antigo regime.

A música desenvolvida nesta altura, ao utilizar línguas autóctones, o quimbundo, umbundo, quicongo, bem como os papéis assumidos pela  língua oficial e por Liceu Vieira Dias ou N´Gola Ritmos, a evolução técnica e musical a partir das músicas tradicionais foram fundamentais para a afirmação de uma «canção de resistência» em Angola nesta época.

Os intérpretes e músicos com maior expressão em Angola eram militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), isso deveu-se à forte influência de propaganda herdada pela então União Soviética.

Ruy Mingas, militante do MPLA, teve o trabalho largamente produzido, como afirmou na entrevista ‘‘na metrópole’’. Começou por ser difundido a partir da cidade sendo posteriormente veiculado através de rádios clandestinas em Angola. Foi ele também um do compositores e o letrista do Hino nacional da República Popular de Angola [21], emitido pela primeira vez na Rádio Nacional de Angola no dia 11 de Novembro de 1975, ao ser proclamada a independência.

Bandeira Nacional de Angola

Ó Pátria, nunca mais esqueceremos

Os heróis do 4 de Fevereiro

Ó Pátria nós saudamos os teus filhos

Tombados pela nossa Independência.

Honrámos o passado e a nossa História,

Construindo no trabalho um homem novo,

Honrámos o passado e a nossa História,

Construindo no trabalho um homem novo.

Angola, avante!

Revolução, pelo Poder Popular!

Pátria Unida, Liberdade,

Um só Povo, uma só Nação!

Angola, avante!

Revolução, pelo Poder Popular!

Pátria Unida, Liberdade,

Um só Povo, uma só Nação!

O músico e compositor Carlos Lamartine, que sempre expressou a política na sua música em território angolano, a partir do musseque, em bailes e festas populares, nunca tendo saído de território angolano, era clandestinamente afecto ao mesmo movimento em que Ruy Mingas militava.

A recolha de testemunho de Carlos Lamartine foi realizada no edifício da Liga Nacional Africana, criada em 1947 no município das Ingombotas.

Nos anos de 1950 este edifício foi edificado com a ajuda da administração colonial portuguesa, «para que os africanos tivessem um local para a sua concentração e a sua relação entre os diferentes associados».

Carlos Lamartine lembrou que «todos os africanos beneficiavam do apoio desta instituição, desde que fossem residentes em Luanda».

O espaço escolhido por Carlos Lamartine para este encontro foi simbólico. Por essa estrutura passaram muitos estudantes, muitos professores, muitos elementos que se tornaram afectos ao processo de luta de libertação nacional. Foram os casos de Afonso Van-Dunem Ubinda, Brito Sozinho, do professor Matias Miguéis de Lopes Nascimento, de Quim Jorge ou de Armando Correia de Azevedo. Para Lamartine foram «muitos dos camaradas que emprestaram a sua alegria para que a liga se tornasse de facto um grande monumento ligado à educação e à nossa cultura».

Foram vários os cantores, enquadrados na luta pela independência, que lá protagonizaram as primeiras actuações e discursos. Foram o casos de Zé Maria Quiavolanga, com o seu grupo Kissange, Quim Jorge, o célebre Cabacele, Sofia Rosa, Ilda Rosa, entre muitos outros intérpretes.

À semelhança dos intérpretes e compositores portugueses que se inseriam numa linha marxista-leninista-maoísta, como foi o caso de José Mário Branco no período que assinalou a edição discográfica dos fonogramas referenciados mais à frente, muitas das suas influências culturais vinham dos movimentos de esquerda associados à canção em França e Carlos Lamartine, que passou por esta instituição durante a sua infância e início de adolescência, além de escutar músicas brasileiras e americanas, tentava imitar alguns cantores franceses, em especial Charles Aznavour. Para Carlos Lamartine «imitando cantores franceses adquiria uma certa qualidade de canto, mas depois adquiri a vontade de ser um cantor de línguas nacionais e passei a identificar-me com a cultura musical que fazia no sentido da música de intervenção».

Vários problemas com a administração colonial, devido às suas canções, se verificaram. Os casos de perseguição, encarceramento, massacre e assassínio foram uma constante relembrada por estes intérpretes durante a recolha das suas memórias. Carlos Lamartine recordou que foi isso que «fez com que eu adquirisse essa personalidade para a música de intervenção: cantando no sentido de contribuir para sensibilizar, chamar a atenção às pessoas que nós tínhamos problemas muito mais sérios para ver. E então comecei por compor músicas em quimbundo como Zambi Zambi» [22].

Quando Lamartine cantou «Pobre aves do céu, penetrou na prisão, e lhe ofereci, as migalhas de pão. Simplesmente poisou, e comeu nesta mão, que um dia matou, e hoje implora perdão» já exprimia no centro de Kilamba a fase de prisões frequentes e silenciamento a que foram sujeitos. A circulação de saberes e práticas, mesmo sob a censura militar, já estava presente em Angola desde a expansão marítima, desaguando numa manifestação da globalização em território africano até à data em que é proclamada independência. Lamartine tentava passar a sua letra colando-se à forma de cantar de outros que escutava como o caso de Francisco Virgílio, um cantor brasileiro com projecção na altura. Mas, depressa percebeu que a utilização de culturas locais e elementos da tradição angolana nas suas canções poderiam ser afirmados como uma eficaz forma de combate ao imperialismo português.

A importância e a preocupação de vários escritores, poetas, intérpretes e compositores angolanos em recuperar a tradição oral do passado foi em si a tentativa de incrementar uma visão nacional da cultura como método de contorno à imposição e à censura. Recuperar o património cultural africano, numa altura em que este esteve condicionado pelas autoridades coloniais ao esquecimento, foi um dos modos encontrados. «Em Luanda não há sembas, só há choros e lágrimas» cantou.

No centro de Kilamba, cidade situada na província de Luanda, aconteceram algumas das mais significativas transformações. Todo o centro foi reconstituído para que ganhasse uma nova dimensão social e cultural, a atribuição do nome do primeiro presidente, Agostinho Neto, para estes actores figura máxima da independência nacional, complementava-se com a ideia daquele que foi o local onde existiu o centro folclórico de Maria Escrequenha: Uma dançarina e organizadora da rebita, que por sua vez seria uma das responsáveis a que esta dança não se perdesse no tempo e no espaço durante o período da administração colonial.

No ano 1958 o Centro Maria Escrequenha constituiu-se como um centro recreativo, onde muitos destes «cantores de resistência» deram vários espectáculos e proferiram discursos de sensibilização contra a Guerra Colonial e a favor da Independência em Angola.

Foi uma altura de grande emancipação da cultura popular angolana e de abertura de espaços que apoiavam esses encontros e sessões. O Os Onze Perdidos Futebol Club foi mais um desses baluartes. Era um clube desportivo que além de uma secção recreativa, que tratava da cultura para a comunidade do Bairro Popular, se juntava às discussões políticas e ideológicas de muitos destes jovens músicos e activistas que por lá passaram e deram a sua contribuição ao provir de uma música popular comprometida politicamente com raízes em Angola. Conjuntos como Kiezos, Negoleiros do Ritmo, Musangola, Dibangola, Africa Show, Jovens do Prenda, Urbano de Castro, David Zé, Artur Nunes, Santocas, ou Kalabeto lá se apresentaram e motivaram o pensamento sobre a cultura popular como forma de legitimação e combate simultâneos. Este clube deixaria cair a sua primeira designação para O Centro Cultural e Recreativo Os perdidos.

As bombas caíram

e tinjiram o chão de vermelho

As bombas cairam

e tinjiram o chão de vermelho

Atiraram os homens em valas comuns.

Mas Kassinga vermelha

(Kassinga Não Morreu) [23]

Teta Lando, que morreu um ano depois da recolha do seu testemunho para este documentário, exilou-se cedo em Paris, onde produziu e editou grande parte do seu trabalho. Exprimia-se em kikongo, dialecto da sua região de origem, onde a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) tinha maior visibilidade no combate anti-colonialista. A sua militância na FNLA criaria cisões entre o grupo de intérpretes cuja linha de luta pela independência estava mais próxima do MPLA, mas o seu exílio em Paris e o contacto com outros músicos a partir de França permitia-lhe, de igual modo, ter uma participação na elevação dos elementos culturais locais do seu país e de os usar em proveito da sua luta pela independência.

Apesar de tudo, Teta Lando tornou-se a figura de representação institucional de muitos destes intérpretes e compositores ao ser eleito Presidente da União Nacional de Artistas e Compositores (UNAC), e as saudades de Angola foram expressas em vários momentos no seu repertório, sendo a mais ilustrativa a canção «Eu Vou Voltar» por si celebrizada.

Bonga, autor, intérprete e compositor, passou pela Casa dos Estudantes do Império, como estudante universitário e atleta. O facto de ser um atleta de alta competição levou-o à Holanda e foi aí que começou a fazer música. As suas músicas foram, tal como os outros, introduzindo uma mensagem política.

Este autor deixou a Holanda logo depois do 25 de Abril de 1974 e nunca regressou a Angola. Muitos dos militantes do MPLA, consideravam-no ligado ao seu opositor UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).

Apesar de as crispações políticas que o levaram ao afastamento do seu país, Bonga foi o expoente máximo da difusão entre a cultura de massas que levou a uma aproximação da Europa, nomeadamente de Portugal, às práticas musicais e culturais angolanas.

Muitos dos aspectos territoriais, organizativos e de infra-estruturas angolanos foram reflectidos no seu trabalho. Bonga contou na gravação para o Dipanda’75 que «os musseques de Angola, tirando o lado pejorativo de quem vinha para condenar porque se vivia em casas de madeira ou em casas de pau a pique, teve aspectos positivos que suplantaram essa visão. Em exemplo, eles permitiram a criação de famílias respeitáveis com a sua organização e no interior dessas mesmas casas, aspectos como a educação, os princípios, a ética e principalmente o Velho que era chamado o tronco da família. Nós dávamos muitas lições aos europeus, a partir desta vivência do outro tempo».

Nas canções de Bonga que remontam ao início do seu percurso o musseque assume essa configuração de poder face aos valores da sociedade angolana, onde a água do Murinde ou da Sanga foram também pontos de encontro e socialização de quem ali passava para se refrescar, ao mesmo tempo que para enaltecer valores como os de entreajuda e de organização interna.

A auto-organização no período de colonização e a emancipação de valores intrínsecos à cultura angolana foram amplamente defendidos na trajectória de Bonga: «não precisávamos da ideologia de outro país. Era uma vivência, onde por exemplo, os produtos vindos daquilo a que se chamava o mato, eu diria do interior, das províncias, do Bengo: a taquiquanga, ou os cacusos, a mandioca, a carne seca, a carne de caça, os peixes do rio eram trazidos por pessoas que tinham familiares nesses sítios e os dividiam com aquela gente. Portanto havia uma solidariedade. E depois havia a educação do cubículo e a educação da rua», lembrou.

Dos quatro músicos entrevistados, Bonga foi o que melhor personificou a articulação da cultura tradicional e sociedade angolanas com a sociedade. Além da música, aproveitou o seu estatuto de atleta recordista para veicular mensagens entre conterrâneos ou compatriotas que lutavam pela independência em Angola. Foram aliás os problemas com a PIDE em Portugal que o levaram à ida para Holanda.

O seu primeiro registo fonográfico foi feito aí, Angola 72. Neste disco, ouve-se o ‘‘amor à pátria’’ e as palavras de luta fizeram ressonância na sociedade europeia mais crítica ao colonialismo português e despertaram a atenção dos que não a reconheciam como uma «música civilizada» ou «actuante», remetendo-a sempre para o campo da sexualidade e do analfabetismo.

A sua consciência do imperativo da libertação, ‘‘do povo e da pátria’’, tornou-o o rosto de uma angolanidade no mundo. As suas convicções a favor das ex-colónias portuguesas e contra o colonialismo expressas no seu disco Angola 72 levaram à proibição da sua entrada quer em Portugal como em Angola.

Após o 25 de Abril de 1974 Bonga lançou Angola 74, este disco assinalou as sucessivas conquistas de independência das então colónias.

«Quem é que não viveu no musseque?», perguntou durante esta recolha de entrevista o célebre músico. De facto, praticamente todos os angolanos desta geração por lá passaram e talvez por isso muita da documentação oficial recolhida tanto na TPA (Televisão Popular de Angola) como na RNA (Rádio Nacional de Angola) em 2007 reflicta isso mesmo, especialmente no teor de contestação expresso nos títulos dos fonogramas que lá encontrámos e na imagem impressa nos mesmos [24] .

Longa fila de carregadores domina a estrada com os passos rápidos/ Sobre o dorso levam pesadas cargas/ Vão olhares longínquos corações medrosos braços fortes/ sorrisos profundos como águas profundas [...] escreveu Agostinho Neto em A Vitória é Certa [25], disco que se encontra no espólio da RNA..

Quer a falta de um conhecimento profundo,por parte dos colonos das línguas tradicionais faladas em Angola como do sentido não literal que algumas expressões encerravam permitiu que estas canções, a jeito de reivindicação, passassem. Um dos exemplos disto mesmo é a expressão «Feiticeiros», para se referir aos colonos, de Teta Lando.

As mensagens enviadas, tendo como veículo as músicas, não só não eram de apreensão fácil para os colonos pela questão linguística, como pelo facto de nas suas composições musicais permanecerem elementos rítmicos e uma estética musical que remetia para um ambiente festivo que incentivava à dança, que os desvalorizava no plano das «canções comprometidas». Com a introdução de instrumentos locais como o dikanza e as misturas com outros como o piano e violão, depreciavam-se as representações que essas músicas continham, algumas vezes, e deixavam-nas passar longe da censura.

O tema “Muxima” foi, ainda hoje é, conotado pelo povo angolano como uma espécie de hino, cantado em quimbundo. Teta Lando explicou que na sua opinião «é como se ele, mesmo sem se entender na íntegra, ''falasse ao coração''».


«Sons da Revolução» entre Portugal e Angola


Dos anos sessenta até ao 11 de Novembro de 1975, estes intérpretes e compositores mantiveram um contacto com a militância política quer em Angola como em Portugal. Através da comunidade artística envolvida na denúncia da Guerra Colonial e resistente ao processo de ditadura e censura, mantinham estreitos laços sobretudo com as cidades de Coimbra, através da sua universidade, e Lisboa.

Houve uma aproximação dos pontos de vista intelectual, cultural e político ao trabalho discográfico realizado por músicos que faziam das canções bandeira de insurgimento face às políticas exercidas sob as populações nativas das então colónias na «semi-clandestinidade» em Portugal, como José Afonso (fonogramas Cantares de Andarilho de 1968 e Cantigas do Maio de 1971), José Jorge Letria (fonograma Até ao Pescoço de 1971), Adriano Correia de Oliveira (fonograma O Canto e as Armas de 1969) ou Manuel Freire (Pedra Filosofal de 1970), seja com os que comummente apelidados de «desertores» ou «refractários» o faziam no exílio em Paris, como os casos de José Mário Branco (fonograma Margem de Certa Maneira de 1972), Tino Flores ou o angolano, que sairia do Huambo com 17 anos para estudar na Casa dos Estudantes do Império e daí para Paris, Luís Cilia (fonogramas Portugal Angola de 1964 ou Portugal Resiste de 1965). De facto, este grupo de músicos e autores angolanos revia algum do «corpo das suas canções» na leitura feita por este grupo de músicos e activistas portugueses, que imprimia quer nas letras e composições das suas canções como no âmbito das suas performances o mesmo teor de participação: a discussão relativa à censura e guerra colonial.

A dimensão do imperialismo europeu e as causas do colonialismo português em África entre 1922 e 1975, são apresentadas na bibliografia consultada como resultado de motivos de natureza económica ou financeira numa fase inicial, a dimensão do imperialismo na Europa foi também um modo de reflectir acerca da dimensão política que o enformou. Schumpeter expressava a relevância dos acontecimentos passados na explicação do imperialismo do século XIX, numa óptica diferente da que surgiu na historiografia oficial portuguesa. Para Schumpeter [26] o imperialismo tinha um valor quase exclusivamente negativo. Segundo ele, o imperialismo «provém das relações de produção do passado, e não do presente, e procura a expansão pela expansão, sendo desprovido de objecto e atávico na sua natureza».

De certa forma conseguiu-se identificar o pensamento de Shumpeter na recolha de memórias sobre este período com alguns destes protagonistas da canção. Ruy Mingas, deixaria antever uma linha de reflexão sobre este contexto histórico, no qual «a canção, recorrendo à ironia, assume uma transmissão de condutas e valores através da qual os reprodutores deste regime comunicariam aos seus descendentes/sucessores qualidades ou defeitos que lhes eram particulares».

A representação do localismo em palcos maiores, através das práticas discursivas e musicais de Ruy Mingas, Bonga, Teta Lando e Carlos Lamartine até ao 11 de Novembro de 1975 posicionou não só os elementos culturais do território angolano como as diferentes visões políticas, que descreveram distintas linhas de orientação dos movimentos de libertação, na História cultural e social de Angola inscrita na designada Guerra do Ultramar (designação oficial atribuída pelo regime do Estado Novo), Guerra Colonial (designação atribuída pelos partidos da oposição durante o Estado Novo) ou Guerra de Libertação (designação atribuída pelos movimentos independentistas africanos)[27].

As linhas de orientação político-partidária e ideológica diferentes em que se inseriram [28], a tentativa de explanar o modo como o conteúdo literário da canção neste período se assumiu, de acordo com o quadrante político, como mais uma arma de combate ao imperialismo português permitiu também verificar, através de fontes coevas, em blogues relacionados com música em Angola, que as canções realizadas neste período ainda hoje são objecto de circulação e discussão.

A introdução dos elementos das suas culturas locais, foi a mesma ligação que procuraram realizar alguns dos protagonistas da canção em Portugal (em analogia: como as percussões em discos de José Afonso, nomeadamente os tambores e os adufes) que se insurgiram no quadro de guerra colonial, quer através da literatura do seu país como das culturas locais: com as línguas e/ou expressões angolanas ou instrumentos musicais que as acompanhavam como o dikanza [29].

Ruy Mingas contou neste encontro que «houve uma música de intervenção que era necessária, que se impunha mesmo na época da colonização e do fascismo. Portanto, que ninguém poderia estar indiferente a uma acção que pudesse provocar impactos junto de uma população desejosa de ser alertada para as injustiças, para todo um conjunto de factores que marcavam negativamente o comportamento da nossa população. E este é o período que marca até 1975. Depois de 75 a 'música de intervenção' é já uma música marcada por várias definições e várias opções. É mais ou menos como aquilo que nós dizíamos, eu dizia em Portugal. Porque eu conheci muita gente que estava contra o fascismo, mas quando chegou a altura de opção de classes, uns apareceram no socialismo, outros na social democracia. Portanto, os momentos marcam comportamentos. Eu fiz 'música de intervenção' tocando e cantando os poetas proibidos do nosso país. Daí para a frente já não tenho mais nada a dizer».

A observação de Ruy Mingas sobre um enquadramento dessas canções numa historicidade particular contrastou, todavia, com a de Carlos Lamartine para quem «estas canções ainda hoje interessam ao povo angolano e há um crescente interesse na história contemporânea do país por parte de angolanos e não angolanos mais jovens a partir das mesmas».

No contexto de guerra este foi um período em que democratas da esquerda portuguesa se mostravam solidários com a independência de Angola e nela participaram. Ruy Mingas contou que «Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira eram bons companheiros. Eles vieram cá comigo integrados numa acção do Movimento das Forças Armadas e nós cantámos por essa Angola inteira. E aí eu cantei o 'Monangambé', e tudo o resto, em Cabinda, no Huige, no Moxico, no Huambo, ali onde havia grande concentração de tropas e onde era mais significativo cantar para as pessoas».

As redes na expansão do império vs as redes na partilha da historiografia existente sobre o império

Palpo o pó da terra

e em meus dedos

só sinto

o receio de pisar

terrenos proibidos

Agostinho Neto (1975 - 1979) [30].

As práticas culturais foram elas de igual modo resultado da denominada expansão portuguesa. Não podemos esquecer que a expansão portuguesa gerou trocas comerciais e negócios, mas também incentivou, do outro lado, a circulação de novas ideias, culturas, práticas e saberes, ela foi, e é, indissociável da própria História de Portugal. Se pensarmos que Portugal se encontra localizado na periferia da Europa, verificamos, como reflectem os historiadores Pedro Aires Oliveira, João Paulo Rodrigues Oliveira e José Damião[31] numa obra recente fundamental na compreensão do processo expansionista português no império que «ele encontrou no mar um espaço favorável para traçar a sua configuração definitiva e para se projectar pelo mundo, procurando no exterior o que lhe faltava no território peninsular», do mesmo modo poderemos entender que esse mar que foi um ‘terreno fértil por desbravar’, é hoje um dos assuntos que fomenta a crescente troca comercial, encontrando novas trocas e determinando-se nessa partilha. Aquilo que a investigadora Agata Bloch chamou de social networking é o reajustamento desse conceito de «rede social» que continua a favorecer essas trocas, fomentando hoje a amplificação do conhecimento a respeito do imperialismo e colonialismo europeu e das práticas culturais existentes nesse longo processo expansionista. Por via desta ideia, ou representação de troca, na qual existe uma consciência política de criação e organização de relações fortes e duráveis no Império português do século XVIII. Desde as negociações comerciais estabelecidas durante a Guerra Colonial até ao aparecimento do «social networking» [32] defendido pela historiadora polaca Agata Bloch, que a mercantilidade no âmbito social e económico tem sido estudada, debatida e partilhada entre historiadores das mais diversas linhas de orientação.

Nos primeiros, de seis, séculos da expansão [33], Portugal estendeu o horizonte dos europeus e procurou a globalização. Todavia, ao longo dos séculos, o império sofreu alterações, a perspectiva do imperialismo marítimo que dominara num primeiro momento passou, no império português, a tornar-se especificamente territorial. No último terço do século vinte, o fim da soberania portuguesa em África decorreu em circunstâncias dramáticas, num processo de descolonização que deixou marcas profundas na política e sociedade portuguesas e que inevitavelmente se reflectiu no domínio cultural e musical.

Ruy Mingas lembrou que depois do 25 de Abril de 1974 a esperança na melhoria das condições de vida dos angolanos se encontrava de modo regular quer nos discursos associativos para as massas, como na literatura e nos intérpretes associados ao «canto livre» e aos grupos de acção cultural. O músico lembrou que «no 25 de Abril, eu não me esqueço de ter estado com Zeca Afonso. E disse-lhe: “Agora vou gravar tudo o que andava escondido, que tu me dizias que eu devia cantar nos nossos festivais. Então pus-me a gravar o primeiro tema que eu gravei que incluía o 'Monangambé' e os outros temas do Agostinho Neto».

A canção foi das práticas artísticas que mais conseguiu incutir a esperança numa melhoria das condições sociais do povo angolano após o longo processo de colonialismo e colonização, bem como a luta pelo seu direito à educação.

A palavra escrita chegava, naquela época, a uma parcela ínfima da população de Angola, o índice de analfabetismo foi muito gritante nas colónias. De acordo com o Anuário Estatístico de Angola de 1958, o número de analfabetos (entre negros e mestiços) representava quase 97% da população total do país.

Ruy Mingas, após o 25 de Abril de 1974, também por força do seu crescente contacto com os músicos portugueses que partilhavam das mesmas lutas procurou introduzir alguns poetas angolanos nas suas canções, fomentando uma prática frequente em vários poetas da «Geração 50» que procuravam, deste modo, que os seus textos chegassem, suportados por música que congregava instrumentos tradicionais, directamente à população não alfabetizada.

Conclusão

A palavra na canção em Angola entre 1961 e 1975 foi incorporando significâncias distintas entre este grupo de músicos.

O sentido que retiraram de algumas das mensagens de agrupamentos referenciais no seu crescimento, como David Zé, Santos Junior, Sofia Rosa ou N'Gola Ritmos, entre outros, permitiu-lhes que quando chegassem a Lisboa no final dos anos cinquenta (como o caso de Ruy Mingas), ou ao exílio em França ou Holanda (como os casos de Teta Lando ou Bonga) sentissem ainda mais a influência dos mais velhos que na altura existiam. Um exemplo disso foi a chegada de alguns deles à Casa dos Estudantes do Império que exercia uma pressão com os recém-chegados no sentido de se integrarem naquilo que eram já as manifestações de natureza politica e ideológica nessa instituição.

Quer o cruzamento de canções eminentemente tradicionais de Angola com outras de teor crítico e a ligação dos elementos locais: como os vários dialectos, as roupas (no caso de Bonga), os instrumentos musicais locais e a dança, como a ligação das características culturais, visuais e sonoras que enformavam o tecido urbano de Angola nos anos 60 e 70: onde o cariz dialogante entre a história de Angola desde a expansão marítima, passando pelo colonialismo, a colonização até chegar à independência se manifestou, à história de Portugal permitiu entender o uso da palavra na canção em Angola entre 1961 e 1975 não só como uma forma de resistência e combate no período ditatorial como de consolidação da cultura popular angolana no resto do mundo.

O assunto do papel da cultura angolana e das suas políticas no mundo, sobretudo no continente europeu, está longe de se esgotar, sendo um dos principais assuntos de discussão em redes e fóruns científicos, sociais e culturais.

 

Recolha de memórias em Luanda no ano 2007

  • Entrevista a Carlos Lamartine

  • Entrevista a Ruy Mingas

  • Entrevista a Teta Lando

  • Entrevista a Bonga

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com Carlos Lamartine
recolha efectuada em Kiamba, Sambizanga
Fotografias: Alexandre Nobre

 

com Ruy Mingas
Local: Universidade dos Lusíadas
Cidade de Luanda
Fotografias: Alexandre Nobre
Ano: 2007

(Músico e Compositor), UNAC (Mutamba)
Com Teta Lando (M’Banza Kongo: 2/6/1948, Paris: 14/7/2008)
Recolha realizada na Sede da União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC)
Fotografia: Alexandre Nobre
Ano: 2008

com Bonga

recolha realizada no Cacém em sua casa

Fotografia: Alexandre Nobre

Ano: 2008

 

* fragmentos de investigação para argumento Dipanda’75

[1] OLIVEIRA, Pedro Aires de, Os despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a questão colonial portuguesa 1946-1975, Tinta da China, Lisboa, 2007.

[2] ALVES, Amanda Palomo. Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950-1980). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, jul./dez. 2013. p. 373 – 396.

[3] Registo fotográfico e digitalização de imagens de arquivo, entrevistas e de arquivos estatais fonográficos da Rádio Nacional de Angola (RNA) e Televisão Popular de Angola (TPA), Luanda, 2007.

[4] NOBRE Alexandre; Autoria, Fotografia, Realização, SIMÕES Soraia; argumento do filme que abrange o período que antecede a data da independência de Angola. Foca a música popular de carácter intervencionista. Num período que vai da década de quarenta até à independência de Angola. No ano de 2007, na cidade de Luanda, recolheram-se dezenas de depoimentos (de músicos e compositores a historiadores e diplomatas angolanos que marcaram de modo explícito este período), registos de imagens de arquivo, de arquivos pessoais e estatais fonográficos (Rádio Nacional de Angola), dos lugares que marcaram esta história (Muxima, musseques, entre outros).

[5] ALVES, Amanda Palomo. Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950-1980). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, Jul./Dez. 2013. p. 373 – 396.

[6] FORTUNATO Jomo, 20 Anos de Um Percurso Agridoce, «A música tradicional na consolidação do semba», Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde, Jacques Arlindo dos Santos, João Armando Neves Caxinde Edições, 2009.

[7] MOORMAN J Marissa, Intonations, A Social History of Music and Nation in Luanda, Angola, from 1945 to Recent Times.

[8] SILVA Mário Rui, “Chants d’Angola pour demain” (Cantos de Angola para Amanhã), 1994, “Luanda 50/60 ANGOLA”, 1997, “Luanda 1940 Angola” de 2002.

[9] Amkoullel l’enfant peul (Mémoires I, 1991) e Oui mon commandant! (Mémoires II, 1994).

[10] Ao longo da História de Angola, sobretudo a partir dos anos 50, a prática do semba foi, além de uma prática cultural insertiva do ponto de vista social, uma prática onde as músicas, suportadas especialmente por «ritmos percussivos» mesmo com a introdução de instrumentos eléctricos como a guitarra, pelo modo como os músicos a tocavam, que apresentou narrativas de situações do quotidiano angolano. Segundo Jomo Fortunato, o semba, para protagonistas como José Maria e Nino Ndongo, «veio a ser absorvido por importantes guitarristas posteriores como José Keno, do grupo Jovens do Prenda, influenciado pela generalidade da música do grupo Ngola Ritmos».

[11] BLACKING John, Music, Culture, and Experience: Selected Papers of John Blacking, pp. 40 pp.57, University of Chicago Press, 1995.

[12] OLIVEIRA, Pedro Aires de, Os despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a questão colonial portuguesa 1946-1975, Tinta da China, Lisboa, 2007. (pp. 178-184).

[13] Envio de grupos especializados/técnicos, aproveitamento hidroagrícola dos rios, investigações sobre águas subterrâneas, entre outros.

[15] VICENTE Filipa Lowndes coord., O Império da Visão/Fotografia no Contexto Colonial Português (1860-1960), Instituto de Ciências Sociais.

[16] Kissanguela, agrupamento musical de grande força e expressão política, composto por militares das FAPLA, que após o 25 de Abril de 1974 acompanhava Agostinho Neto nos seus comícios e intervenções políticas em Angola e também durante as suas deslocações ao estrangeiro.

[17] no movimento. Na sua grande maioria os intérpretes tiveram maior expressão por parte do MPLA, devido à forte influência de propaganda herdada pela então União Soviética.

[18] Quimbundo, kikongo, umbundo (dialectos angolanos).

[19] Estes músicos inserem-se em quatro movimentos de libertação com expressão nacional anticolonialista e um movimento com expressão regional.

[20] BLOCH Agata, A criação de “social networking” no Império Português no século XVII, XXVIII Simpósio Nacional de História, Florianópolis.

[21] Angola Avante! é o hino nacional de Angola. Foi adaptado em 1975 depois de Angola se tornar independente de Portugal. Tem letra de Manuel Rui Monteiro e música de Rui (Ruy) Vieira Dias Mingas.

[22] Zambi Zambi, significa «Deus Deus», esta canção fez parte do fonograma editado em 1975 com o mesmo nome.

[23] Agrupamento Kissanguela, 1978.

[24] ver anexos (imagens de fonogramas, como o que serviu de ilustração neste artigo).

[25] NETO Agostinho (Catete, Ícolo e Bengo, 17 de Setembro de 1922 — Moscovo, 10 de Setembro de 1979), médico angolano, tirou a sua formação nas Universidades de Coimbra e de Lisboa. No ano de 1975 tornou-se o primeiro presidente de Angola, posição que assumiu até 1979 como presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). No ano 1975-1976 foi distinguido com o «Prémio Lenine da Paz».

[26] VECCHI Benedetto Vecchi, DISCHINGER Benno, “O Imperialismo de Joseph Shumpeter e classes sociais no terceiro mundo”, tradução publicada no jornal Il Manifesto, 25-03-2009.

[27] as três designações  utilizadas para descrever este período, tomando ao longo deste trabalho a de «Guerra Colonial».

[28] Estes músicos inserem-se em dois movimentos de libertação com expressão nacional anticolonialista e um movimento com expressão regional.

[29] instrumento musical que se insere na categoria dos idiofones de raspagem, feito com uma cana de bordão ou bambu, também chamado reco-reco africano ou raspador, e que assumiu uma influência notável na música popular feita em Angola e em práticas sociais e culturais como a rebita.

[30] NETO António Agostinho, A Renúncia Impossível - Poemas Inéditos, editados no sexagésimo aniversário do nascimento de António Agostinho Neto (1922 – 1982).

[31] OLIVEIRA Pedro Aires, OLIVEIRA, João Paulo, RODRIGUES José Damião, A História da Expansão e do Império Português, Esfera dos Livros, Novembro, 2014.

[32] No âmbito do XXVIII Simpósio Nacional de História Agata Bloch apresentou o trabalho «A criação de ‘’social networking’’ no Império Português no século XVIII.

[33] O Império português abrangeu praticamente seis séculos. Desde a conquista de Ceuta no ano 1415 até ao ano 1999, em que Macau deixou de estar sob a administração portuguesa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O impacto do RAP no cinema - Visualização 'Cine - Dários' de Edgar Pêra - conversa

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O impacto do RAP no cinema - Visualização 'Cine - Dários' de Edgar Pêra - conversa

A quarta sessão do Ciclo de Conferências e Debates do projecto RAPortugal 1986 - 1999 aconteceu no dia 28 de Outubro 2016 – sexta-feira pelas 18.00 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa na sala multiusos 2.

A sessão teve como mote o impacto do  RAP no cinema de autor e contou com a visualização de vários pequenos filmes realizados por Edgar Pêra aqui mostrados de um modo público pela primeira vez. São registos que fazem também parte da minha bibliografia de enquadramento no trabalho escrito.  Com Edgar Pêra esteve também X-Sista, uma das integrantes do primeiro grupo RAP feminino a gravar em Portugal, Djamal, que foi filmado por Edgar Pêra durante década de 90.

A reportagem fotográfica é de Pedro Gomes de Almeida.

Soraia Simões

 

 

mais de duas dezenas de fontes orais realizadas durante trabalho de pesquisa usadas, com fontes documentais de época, no livro ''RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986 - 1996'' (no prelo)

espólio de Djamal (c) direitos reservados cedidos para trabalho de investigação, créditos: Djamal

espólio de Djamal (c) direitos reservados cedidos para trabalho de investigação, créditos: Djamal

Reportagem fotográfica

 

 

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