Dossier RAProduções de memória, cultura popular, sociedade
EDGAR PÊRA
Resumo
Esta conversa faz parte de um conjunto de outras realizadas no seio do trabalho de pesquisa.
Edgar Pêra realizou os primeiros telediscos de Djamal e Black Company. Acompanhou também parte do quotidiano de um conjunto de rappers da Arrentela durante a primeira metade da década de 1990, sendo autor de um número de cine-diários cedidos para esta investigação, alguns projectados durante um dos debates do projecto RAPortugal (DGArtes'15/16) e que abriria a sessão realizada na FCSH NOVA, também com a presença de X-Sista aka Alexandrina/Xana Matos (Djamal)[1].
O principal objectivo ao partilhar estas entrevistas e estes testemunhos reunidos durante o trabalho de campo realizado (entre 2012 e 2016) no seio de uma investigação académica é o de reflectir conjuntamente com alguns dos protagonistas deste campo sobre estes anos relacionando-os com questões que pautaram a sua existência como produtores e intérpretes: a memória da descolonização, da vida social e cultural num determinado período e território, os discursos que mudaram na viagem do RAP do bairro até ao estúdio de gravação aliados a novos modelos de produção e recepção sonoros e musicais, os primeiros repertórios e falas destes jovens (não dissociáveis em alguns dos seus reportórios de luta), como a memória colonial por via dos seus progenitores passou para as suas rimas no bairro primeiramente e posteriormente para as suas canções gravadas, como se afirmaram social e culturalmente numa indústria, situada num contexto histórico especial (o período cavaquista), com a qual foram aprendendo a dialogar ora usando o RAP e as prosa e poesia ditas na rua de um modo letal, ora a foram domesticando face ao interesse crescente da indústria de gravação de discos, e dos mass media, no início da década de 1990. Alternando entre os seus desejos de aceitação na indústria fonográfica e a tentativa de (re)afirmação permanente do discurso dos «fracos» e «subalternos». Estas conversas procuram também anotar uma espécie de «malsucedido sucesso» desta vertente do movimento hip-hop (a poesia e músicas RAP) nos primeiros anos da sua existência e apresentação às indústrias de publicação, ao mesmo tempo, ao constatar uma invisibilização nas literaturas dos domínios científico e cultural dos assuntos por estas levantados durante a pesquisa (a violência doméstica, os machismo e sexismo), estas conversas procuram um lugar de fala para os dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em contexto português (Djamal e Divine) e para o seu trajecto, de modo a compreendermos as desigualdades de género inerentes aos primeiros grupos de RAP femininos em contexto português, que a tese (no prelo) apresenta num dos capítulos como elemento fundamental para a compreensão das desigualdades baseadas no género inerentes tanto aos primeiros grupos de praticantes como áqueles com que hoje nos deparamos noutros territórios geográficos e domínios culturais.
[1] O Impacto do RAP no Cinema de Autor, Outub, 2016, RAPortugal Ciclo de Debates, DGArtes'15/16, FCSH NOVA.
Nota: O tema «Abreu» faz parte do primeiro disco de estúdio de Black Company (Geração Rasca: 1995), depois de terem entrado na colectânea RAPública (1994). É editado igualmente pela Sony Music.