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*Sou Brasileiro, de São Paulo, nasci num hospital da zona leste da capital.

Fui um dos pioneiros do hip hop no Brasil, fiz parte do conhecido grupo Funk Cia, ao lado de Nelson Triunfo no início da década de 1980.

Sou músico, compositor, dançarino, integrante do Projeto Preto Véio, um grupo musical que criei e que alberga vários ritmos brasileiros regionais, aliados a elementos musicais de cariz urbano como o rap

Nesse momento me encontro escrevendo um livro e preparando um Documentário sobre minha trajetória dentro da cultura hip hop no Brasil,  desde os ''bailes negros'' na cidade de São Paulo dos anos de 1970 até aos dias de hoje. 

De certo modo essa cultura mexeu com a auto-estima do jovem negro que vivia nas periferias da cidade, e buscava um meio de se integrar na juventude da sua época, encontrando o que dizemos hoje de 'identidade cultural' dentro de uma sociedade minada de preconceitos, e que vivia num regime de ditadura.

Segue aqui um pequeno trecho desse meu livro que em breve estarei lançando: 

Esta é a fase em que eu comecei a curtir os bailes mais nervosos de São Paulo. Chic Show no Palmeiras e Zimbabwe no Guilherme Giorgi eram os bailes que eu mais freqüentava. Vi inúmeros shows no Palmeiras. Foram muitos e inesquecíveis. 

 A Chic Show foi um verdadeiro império na produção de bailes e shows, no seguimento de Baile Black, aqui no Brasil. Realmente ela ditou uma tendência desde a sua criação nos anos 70. A princípio era apenas um hobby entre irmãos que curtiam dar bailes na casa dos amigos, e se tornou uma empresa de linha de frente. Trouxe para o Brasil alguns dos nomes do primeiro time da música negra norte americana: Jimmy “Bo” Horne, Cheryl Lynn, Chaka Khan, James Brown, Glória Gaynor, Roger Troutman, Koll Moe Dee, Kurtis Blown, Whodini, Cash Money, Too Short, só para citar alguns internacionais.

Seus DJ’s foram verdadeiras lendas e são lembrados, até hoje, com saudade e respeito. Kitão e Natanael Valêncio foram personagens que embalaram uma geração de amantes da música negra.  E tudo isso acontecia numa época em que o DJ ficava escondido - dentro da cabine. Ele tinha que ter um extremo bom gosto aliado a um alto conhecimento musical. Não fazia performances como hoje vemos. Ele era um ilustre desconhecido. Houve uma época anterior aos anos 80, na qual os DJs eram simples executores de músicas. Os mais famosos eram os que trabalhavam nas rádios como locutores. 

Com suas vozes bonitas entravam nos lares, e faziam a alegria das empregadas domésticas, dos taxistas, das donas de casa em seus afazeres ou simplesmente para as pessoas que ouviam os programas de rádios a fim de ouvir uma música que lhes agradasse o coração. Nos bailes o papel do DJ também era o de tocar as músicas, mas de uma forma que mantivesse o público animado com a seqüência musical, ou seja, a pista não poderia esvaziar. 

Hoje, a pista ainda tem que continuar cheia, mas o conceito de DJ mudou e muito. Atualmente o DJ é um show-man, uma celebridade. Ele se tornou uma atração a mais num baile, são mestres de cerimônia, verdadeiros especialistas na arte de manter a pista cheia, com suas exibições performáticas e equipamentos de última geração. Creio que seja por isso que esta dupla Kitão e Natanael Valencio são reverenciados até os dias atuais. 

O perfil da massa, que curtia esses bailes, era muito especial. Os bailes eram muito esperados, pois, aconteciam uma vez por mês. Tínhamos de ter uma roupa exclusiva. No dia do baile os salões de cabeleireiros afro da Rua 24 de Maio, (no centro de São Paulo), bem como os dos bairros, lotavam de clientes. À noite, os ônibus que vinham dos bairros em direção à Rua Turiassu, 1840 (endereço do Ginásio do Palmeiras) eram tomados especialmente por essa Massa Black, muito animada, com seus cabelos afro “redondinhos” e elegantemente trajada para uma noite de sonhos, de embalos e de conquistas. Todos com a auto-estima nas nuvens e embalados por timbres lindos, grooves fantásticos e puro soul (...)

Links disponíveis:

 Nélson Triunfo: do Sertão ao Hip-Hop

 

*Dom Billy é rapper, escritor, compositor e foi dançarino de break-dance. Vive em Itaquera, um dos bairros periféricos distrito da zona leste cidade de São Paulo, no Brasil.

 

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