Camané

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Camané

86ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00069 Europeana Sounds

 

Nesta conversa maior, da qual se disponibiliza uma parte no formato online deste Arquivo, explica que começou a cantar muito cedo, incentivado pelos pais, da sua primeira relação com as casas de fado e posteriormente com os palcos, os teatros musicais e o estúdio de gravação, reflecte sobre algumas características deste domínio musical e acerca das diferenças de relacionamento entre espaços sonoros distintos como o estúdio, o palco, a casa de fados, explicando também que a sua evolução como fadista, quer na escolha de repertórios como na perda paulatina da sua timidez em palco se deveu em grande parte à sua ligação ao Teatro da Comuna num período específico e ao conhecimento travado, que dura até hoje, com a actriz e letrista Manuela de Freitas e o músico-compositor José Mário Branco. entre outros. Aflora a importância dos contactos que foi mantendo com a engenharia de som, através de um dos mais reconhecidos engenheiros de som, Tó Pinheiro da Silva (que também fez parte de uma das Sessões de Conferência Mural Sonoro no Museu da Música ao lado de Fernando Abrantes para falar de ''Tecnologias da Produção Sonora e Musical em Portugal" e que se encontra registada neste arquivo) e expressa a sua ligação não linear com a gravação discográfica ao longo do seu caminho no Fado e de que modo isso o influencia.

Perspectivas e Reflexões no Campo
Fotografias: Helena Silva
Recolha efectuada no LARGO Residências, Lisboa

 

 

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Carlos do Carmo (intérprete de fado)

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Carlos do Carmo (intérprete de fado)

84ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00067

Europeana Sounds

 

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BI: Carlos Alberto do Carmo Almeida é presentemente um dos intérpretes de Fado mais reconhecidos em todo o mundo. Filho único da  fadista Lucília do Carmo e do livreiro e empresário Alfredo Almeida, nasceu em Lisboa no mês de Dezembro do ano de 1939.

 

Nesta recolha de entrevista, de que disponibilizamos uma parte do registo áudio neste Arquivo online, o fadista lembra a importância primeira que as referências musicais que cultivou, fora do universo do Fado, tiveram para si e do mergulho dado posteriormente nas suas origens e nos fados tradicionais e nomes que a eles estavam ligados, quando toma o lugar do seu pai no ano de 1962, após a sua morte, como gerente da célebre Casa de Fados Faia, aberta pelos seus pais quando tinha apenas oito anos e onde a sua mãe foi a principal protagonista e por onde passaram praticamente todos os fadistas emergentes da sua época, reflecte também sobre a importância que a passagem pela Escola Alemã e o Curso Superior de Hotelaria na Suiça vieram a assumir não só nessa tarefa como mais tarde na facilidade com que, quando assumiu o seu percurso como fadista, se veio a expressar fluentemente em francês, inglês, alemão, italiano e espanhol pelos diversos palcos que percorreu pelo mundo a cantar. Mas, fala também do primeiro Fado que começou por cantar, o único que sabia na íntegra, "Loucura" da autoria de Júlio de Sousa, Fado esse que no ano de 1963, e pelo facto de ser elogiado ao cantá-lo e não comparado quando o fez à sua mãe («mas tu não cantas como a tua mãe» disseram-lhe quando o cantou pela primeira vez) que marcou a sua entrada no circuito de gravação, ao ser-lhe pedido para gravar essa faixa, editada num EP do seu amigo, figura bastante popular à época neste domínio, Mário Simões; explica a projecção que este Fado passou a ter na rádio, e que fruto dessa intensa e inesperada aceitação o levaram logo no ano seguinte à gravação de um EP em nome próprio (o fonograma «Carlos do Carmo com Orquestra de Joaquim Luiz Gomes»), mas reflecte também sobre outros lados do seu percurso como a passagem «acidental» pelo Festival RTP da Canção no ano de 1976 onde foi o intérprete escolhido para dar voz a alguns dos temas que ainda hoje canta nos palcos um pouco por todo o mundo (da autoria de, entre outros, José Luís Tinoco ou José Carlos Ary dos Santos), sobre as relações hostis geradas dentro de quadrantes políticos e intelectuais relativamente ao Fado, das interculturalidades que ele tem patenteado nas últimas décadas, da sua fraca relação com os novos dispositivos electrónicos de armazenamento e difusão da música que se faz, entre outros aspectos.

Carlos do Carmo continua a actuar, a gravar e a ser referenciado por um leque grande de músicos e autores da Música Popular no geral e do Fado em particular.

No ano de 1967 a Casa da Imprensa distinguiu-o com o prémio “Melhor Intérprete” e, em 1970, atribuiu-lhe o prémio Pozal Domingues para “Melhor Disco do Ano”, para o seu primeiro álbum, intitulado "O Fado de Carlos do Carmo", editado pela Alvorada em 1969.

 

Entre um número grandioso de EPs e LPs fazem parte do seu legado  fonogramas indispensáveis para uma melhor compreensão da história do Fado como “O Fado em Duas Gerações, Carlos do Carmo e Lucília do Carmo”, “Por Morrer uma Andorinha” ou “Carlos do Carmo”, "Um Homem na Cidade", editado em 1977 pela etiqueta Trova,  de que fala nesta conversa e onde o fadista interpreta poemas de José Carlos Ary dos Santos ligados a um grupo de criativas e intemporais composições, de vários autores  como José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, António Vitorino de Almeida, Frederico de Brito, Joaquim Luís Gomes, Fernando Tordo, Moniz Pereira ou Martinho d’Assunção; "Um Homem no País" de 1984 que se destaca como a primeira edição em formato Compact Disc de um músico português.

Os seus espectáculos têm, nestes últimos 51 anos de actividade, sido regulares e além-fronteiras em espaços como: Olympia de Paris, Óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, Canecão do Rio de Janeiro, Savoy de Helsínquia, Auditório Nacional de Paris, Teatro da Rainha em Haia, Teatro de São Petersburgo, Place des Arts em Montréal, Tivoli de Copenhaga ou  Memorial da América Latina em São Paulo e é no palco que continua a sentir-se vivo e em contacto com as pessoas que o gostam de ouvir e lhe seguem o caminho na música e no fado em especial.

Até ao final do ano de 1979, o fadista juntou à gestão do Faia  o percurso artístico e passou a actuar com a sua mãe diariamente na sua casa de fados.  

As primeiras digressões foram realizadas no início da década de 1970, com espectáculos em Angola, Estados Unidos e Canadá estreando-se no Brasil em 1973 onde cantou ao lado de Elis Regina, no Copacabana Palace do Rio de Janeiro.

A sua passagem pela televisão seria marcada no ano de 1972 por um programa semanal na RTP que produziria e apresentaria de nome "Convívio Musical" onde acolheu figuras reconhecidas do panorama musical português e internacional.

No ano em que representou Portugal no Festival da Eurovisão na Holanda ( ano de 1976) com a canção "Uma Flor de Verde Pinho", poema de Manuel Alegre com música de José Niza, Carlos do Carmo foi o único intérprete do Festival RTP da Canção desse ano, tendo posteriormente editado o fonograma "Uma Canção Para a Europa", onde se incluíam, para além da canção vencedora, temas como "Estrela da Tarde" (Ary dos Santos – Fernando Tordo), "No teu Poema"(José Luís Tinoco) ou "Lisboa, Menina e Moça"( Ary dos Santos e Joaquim Pessoa – Paulo de Carvalho e Fernando Tordo).

O fadista realizou espectáculos comemorativos, com forte impacte, dos aniversários da sua actividade nomeadamente nos 25, 30, 35, 40 e 50 anos de percurso. 

Na comemoração dos seus 30 anos de actividade na música editaria com as Selecções do Reader's Digest a colecção "O Melhor de Carlos do Carmo", onde apresentava um depoimento sobre cada um dos seus discos.

Nos 35 anos de actividade de Carlos do Carmo como fadista edita um CD correspondente ao espectáculo ocorrido para marcar essa data no grande auditório do Centro Cultural de Belém, na soma de 40 anos de actividade o palco escolhido para a apresentação é o do Coliseu dos Recreios em Lisboa, com posterior lançamento de CD e DVD do espectáculo. O Museu do Fado aliou-se a esta celebração apresentando a exposição "Carlos do Carmo: Um Homem no Mundo".

Em 2013 Carlos do Carmo completou 50 anos de actividade e editou «Fado é Amor», fonograma para o qual convidou um conjunto de fadistas de gerações posteriores à sua, como Mafalda Arnauth, Camané, Mariza, Raquel Tavares, Ana Moura, Aldina Duarte, Marco Rodrigues ou Ricardo Ribeiro entre outros. Reuniu do seu vasto repertório onze fados e regravou-os, juntando às vozes escolhidas para o acompanhar de  gerações mais recentes, a da sua mãe Lucília do Carmo através de uma antiga gravação procurando, desta forma, prestar-lhe uma homenagem.

As comemorações que assinalaram as cinco décadas de percurso do fadista foram festejadas com dois concertos esgotados no Centro Cultural de Belém, nos quais participou a Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Carlos do Carmo sofreu um acidente durante um espectáculo em Bordéus no início do ano de 1990, uma queda de uma altura equivalente a um andar, que obrigou o fadista a uma longa recuperação. Em Março de 1991 o seu regresso foi feito no Casino Estoril com um espectáculo intitulado "Vim Para o Fado e Fiquei". Nesse  ano, a Casa da Imprensa, entrega-lhe o prémio “Prestígio”.

No dia 7 de Novembro de 2007,  o fadista apresentou no Museu do Fado o fonograma "À Noite", que reúne textos inéditos de Nuno Júdice, Fernando Pinto do Amaral, Maria do Rosário Pedreira, Júlio Pomar, Luís Represas, José Luís Tinoco e José Manuel Mendes para as músicas de Fados tradicionais da autoria de Armandinho, Joaquim Campos e Alfredo Marceneiro. Um lançamento que seria acompanhado de uma pequena mostra descritiva em torno do álbum.

A participação  como intérprete no filme de Carlos Saura  valeu-lhe a atribuição, em 2008, do prémio Goya "Melhor Canção Original", para o tema "Fado da Saudade", distinção da Academia Espanhola das Artes Cinematográficas.

O seu sucesso é inquestionável e da História do Fado fazem parte alguns temas célebres popularizados na sua voz. 

À data em que esta recolha é efectuada decorre a exposição dedicada à sua obra "Carlos do Carmo - 50 Anos". Exposição promovida pelo Museu do Fado patente desde dia 17 de Abril de 2014 até  28 de Setembro do mesmo ano na Cordoaria Nacional na cidade de Lisboa.

Na exposição, o diversificado percurso do fadista congrega um vasto acervo documental que engloba várias áreas, das artes plásticas aos filmes.

© 2014 Carlos do Carmo à conversa com Soraia Simões de Andrade, Perspectivas e Reflexões no Campo

Som, Pesquisa, Edição, Texto: Soraia Simões de Andrade

Fotografias: Helena Silva

Recolha efectuada em Lisboa na casa de Carlos do Carmo

 

 

 

 

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André Mehmari (músico, compositor brasileiro)

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André Mehmari (músico, compositor brasileiro)

83ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00052 Europeana Sounds

 

André Mehmari nasceu em Niterói no ano de 1977 é um músico, compositor, instrumentista e arranjador fluminense cujo instrumento primeiro é o piano, onde habitualmente compõe.

As suas obras foram executadas por vários agrupamentos e Orquestras Sinfónicas como, em exemplo, as Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo (OSESP), Orquestra Petrobras Sinfónica ou Orquestra Amazonas Filarmónica, entre outras.

A sua paixão e desenvolvimento no universo da «música clássica» não o fizeram distanciar-se da música e cultura popular brasileira, gravou discos com o bandolinista Hamilton de Holanda, a cantora Ná Ozzetti, compôs, produziu e escreveu para vários músicos, alguns próximo da sua geração, como Leandro Maia e Adriana Calcanhoto e colaborou com muitos mais como, entre outros, Ivan Lins ou Mário Laginha.

No dia 12 de Abril de 2014 André Mehmari daria um concerto em Lisboa para o qual convidou o músico Leandro Maia, do qual é produtor, para um público que encheu o auditório do Museu da Música, esta recolha de entrevista foi realizada um dia depois do concerto do músico em Lisboa antes do seu regresso ao Brasil. Na parte da recolha que disponibilizamos no arquivo online, expressa algumas das relações que sente existirem na actualidade entre os músicos e compositores brasileiros e a indústria cultural, algumas das dinâmicas do seu trabalho quer no estúdio como em palco, o apreço que nutre e desenvolveu na sua pesquisa pela engenharia de som, o registo sonoro e a gravação, bem como algumas considerações acerca da relação nem sempre pacífica, tanto de poder como de resistência, entre música e política local e cultural.

Em 2010, André Mehmari assinou contrato com uma das mais prestigiadas etiquetas italianas EGEA, que viria a representar o músico na Europa e para a qual lançaria cinco discos solo 4 . O primeiro deles ("Miramari") foi gravado no Oratorio Santa Cecilia, no centro histórico de Umbra (Itália) e lançado nesse país.

Foram também alguns já os reconhecimentos públicos do músico: Prémio Nascente (USP-Editora Abril) - categoria Música Popular-Composição (1995) e categoria Música Erudita-Composição (1997). 1° Prémio Visa de MPB Instrumental (1998) são disso exemplo.


Fotografias: Ana Carolina. Fotografia de capa, concerto com Leandro Maia no Museu da Música
Recolha de entrevista efectuada no Chiado, Lisboa, ao ar livre

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Música Popular e Cultura

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Música Popular e Cultura

Partindo da ideia «A música Comprometida com uma realidade social», abordada por José Mário Branco no decorrer de uma conversa registada  para este trabalho, juntou-se um ciclo de três debates  com agentes distintos para discutir respectivamente os temas: «Músico Profissional que Futuro?» (Fernando Girão, Tozé Brito, Carlos Barretto, Fevereiro de 2013), «Música e Sociedade» (José Mário Branco, Sebastião Antunes, Maio de 2013), «Música e Política» ( Ruben de Carvalho, Manuel Rocha, 24 de Maio de 2014) e uma palestra sob o título (em jeito de pergunta retórica) «Estará a Música Popular sempre comprometida com uma realidade social?».

Destas sessões de entrada livre registadas para o Arquivo, que justificaremos no fim do ciclo confinado a esta directriz de base, salientam-se para já as seguintes questões e noções levantadas:

A tentativa de explicar os discursos contidos em domínios musicais no âmbito da cultura popular, a forma como estes se organizam à luz de determinados  valores que enformam as suas práticas, se representam nas suas músicas e textos, abrem por si mesmo espaço para a discussão acerca da cultura em geral e da prática musical em concreto na sociedade portuguesa.

As relações quer de poder como de proximidade e distância impressas pelos grupos sociais no seio da Música Popular[0] revelam indícios sobre os valores a negociar e os elementos contrastantes com a ordem social. Como acontece, de um modo explícito, com as designadas «músicas de protesto» ou com o «rap» ou de um modo implícito com músicas onde o recurso à metáfora em períodos socialmente, economicamente e politicamente fracturantes é intenso.

 «Uma canção de amor pode ser uma canção de protesto (…)  a luta que faço é uma luta por amor ao meu povo, porque eu quero ver os meus amigos bem, os meus filhos a crescer num mundo melhor (…) na melhoria, na melhoria», diz o rapper Chullage[1].

 

Paulo de Carvalho celebrizou o tema que seria usado por João Paulo Diniz na rádio no momento em que a ‘’Revolução de Abril’’ acontecia «E depois do Adeus», com música de José Calvário e letra de José Niza, tema com o qual o intérprete ganharia no ano de 1974 o Festival RTP da Canção, apesar de para este músico, longe de imaginar «no uso que iria ser dado a esta cantiga», o «cantor da revolução ser José Afonso, eu se estou na história é por acaso», assevera numa das nossas longas conversas no decorrer do trabalho publicado a 18 de Outubro de 2012 [2], ainda que para si «Uma canção de amor pode ser de protesto». Tanto o seu trabalho de compositor como as interpretações a que ficou ligado acabam por clarificá-lo em, a título exemplificativo, «Com uma Arma e uma Flor», «Quando um Homem Quiser» que interpretou ou «Recado para o Chico» de 1977 que representa uma resposta sua à canção «Tanto Mar» de Chico Buarque de Hollanda escrita em homenagem à ‘’Revolução dos Cravos’’.

«A música nunca inventou a política, é a política que inventa a música» diz José Mário Branco[3]. Mas, estiveram as perspectivas «neoliberais», os discursos dominantes, os agentes de promoção e difusão da música que foi sendo feita em Portugal, especialmente na viragem da década de 1980 para a de 1990, receptivos para a apreensão de um discurso diferente, uma música que se distanciava de uma retórica monolítica, ou de uma música atenta e crítica ao panorama social? «Quando eu estive na Polygram e na BMG, na função de A&R, eu tinha de ter música que vendia senão fechava a companhia (…) mas naqueles anos 80 o facto de ter discos que vendiam davam-me obrigação moral de gravar outros que eu sabia que apesar de bons músicos não venderiam tanto comparativamente com outros que vendiam muitíssimo bem (…) eu sabendo que o António Pinho Vargas era o músico brilhante que era vendia muito pouco, mas tinha obrigação de o gravar», diz-me Tozé Brito[4]. O facto de ter alguns nomes nessa companhia discográfica que vendiam permitia que outros que não eram tão conhecidos pudessem ser lançados reflecte o seu comentário, mas será que esse papel agregador, assumido pela indústria fonográfica, das «minorias» que à partida não iam vender terá sido claro para outros autores? José Mário Branco, que teria os primeiros discos de autor apoiados em pré-venda pelos movimentos associativos de emigrantes em França refere-se ao facto de «quando mostrei o ‘Ser Solidário’[5] ao Tozé Brito ele disse-me que já lá tinha um Sérgio Godinho» o que deixa antever um outro aspecto: o de que com a velocidade que a música foi sendo gravada («porque tinhas de ter um produto sempre novo no dia seguinte» diz Paulo de Carvalho a respeito do papel da indústria fonográfica no seu percurso primeiro como intérprete e depois como intérprete e compositor)  e difundida nos anos de 1980 muita coisa terá ficado pelo caminho.  

As relações de contacto e afastamento, do contornar a indústria cultural num processo delimitador frequente que tem na sua essência a fixação primeira de interesses económicos e posteriormente culturais é também uma relação com os públicos e as sociedades[6]. Se o «modo pelo qual uma sociedade ensina a sua música é um factor de grande importância para o entendimento daquela música» (NETTL,1992: 3), o modo pelo qual a música explica a sua sociedade é de grande importância para o entendimento daquela sociedade.

As abordagens e estudos da música como cultura cingem-se a uma  não separação da música e sociedade. 

No universo académico e de investigação, se por um lado longe parecerá que está o tempo em que no contexto das músicas de cariz tradicional, entre países com ligações à Europa e ao resto do mundo o conceito de mudança representou uma ameaça para a Etnomusicologia, onde se imaginava que o papel da música não ocidental era estático e o papel do investigador era preservá-lo sem questionar as mudanças socais, atitude que negligenciou uma série de comportamentos e mudanças nas músicas de todo o mundo (na primeira metade do século XX, para vários investigadores antes dos anos de 1950,  na sua maioria oriundos de uma cultura que colocava a música erudita num patamar distante e superior olhava-se com desconfiança tanto para as suas origens como para as músicas cujos contextos de transmissão e mudança eram recentes, devido não só à presença das rádios e editoras discográficas como das próprias mudanças culturais e extensão de metrópoles pluriculturais [7]), por outro lado a partir da segunda metade dos anos de 1980 que cresceu o número de teses e abordagens sobre práticas culturais em contexto urbano oriundas de outros pontos geográficos. As redefinições do papel da cidade e da sua ligação a novas culturas passou a fazer parte dos currículos académicos a uma crescente velocidade, tal qual a mutabilidade dessas culturas e do contexto novo que as recebe, com políticas para a promoção da interculturalidade que têm sido tão aplaudidas como severamente criticadas.

No universo de disciplinas ou áreas de estudo como a sociologia, antropologia social, estudos sobre música popular em contexto migratório aspectos como «gentrificação urbana», «políticas interculturais», «relações de paridade no universo da ‘lusofonia’» e o próprio conceito de «lusofonia» têm gerado o mais diverso tipo de argumentos e controvérsias  assim como um leque variado de opiniões desiguais entre intervenientes da música, incluindo a actividade cultural relacionada com algumas práticas tradicionais de países diversos espalhados por cidades um pouco por todo o mundo, e o discurso veiculado pelos meios de comunicação convencionais de massas [8].

A abordagem dos acontecimentos políticos, culturais e de indústria considerados relevantes, das suas práticas e repertórios musicais num determinado período e espaço geográfico e dos seus agentes têm sido os assuntos abordados no decorrer destes encontros de entrada livre, que têm contado com a presença de investigadores, músicos e autores, produtores e agentes discográficos.

 

[0]«Música Popular» é um conceito alargado que congrega todos os domínios musicais num contexto urbano, de gravação, de espectáculo, com públicos. Grande parte da música que conhecemos é popular. A não ser que seja feita para não estar em cima de um palco, não passar no cinema, na rádio, nos fonogramas (EP, single, LP, CD), não ser veiculada em quaisquer plataformas a que os públicos, comunidades, sociedades diversos tenham acesso.

 

Os Popular Music Studies, para nós Estudos de Música Popular, têm maior força a partir da década de 1980, mas a Música Popular existe desde que existe gravação sonora. Embora ela também existisse e exista tanto escrita como ágrafa. Seja no «swing», «jazz», «rap», no «fado», no «pop-rock» ou qualquer outro domínio ou género. Assim, quando alguém no âmbito comunicacional exprime na ligação de uma ideia, que é comum aliás, «o 'jazz' e a música popular» ou «o fado e a música popular» não faz sentido, porque estes domínios são também populares. Todos estes domínios na verdade o são. As elites que os formam é que são tratadas pela recepção musical de modos diferentes. É o papel da recepção, não o do interveniente na música, que cria tal confusão. «A gravação sonora está para a Música Popular, em qualquer um dos domínios que conhecemos, como a partitura está para a erudita» é uma afirmação também discutível, porque a gravação sonora atravessou já os dois universos. Presentemente não faz, dita assim, sentido. Por outro lado, esta confusão que  considero propositada levar-nos-á sempre à interminável discussão de uma «alta» e «baixa» cultura e dos códigos assimilados superficialmente dessa discussão por alguma da recepção. A Música Popular, o conceito em si, passa a ser mais significativo com a gravação porque simplesmente é ela que 'multiplica' as obras, as leva às pessoas, até porque a partitura limitava quem não sabia ler música. Hoje, no campo da «música improvisada e contemporânea» são usados nos processos de aprendizagem tanto um como outro método: quer o disco, o suporte sonoro, como a pauta. Na entrevista feita ao músico e compositor Filipe Raposo (disponível em arquivo) isso fica patente. Se (ou) virmos as composições de José Luís Tinoco no âmbito de uma Música Popular e o seu discursar sobre eles, (em arquivo Mural Sonoro) atentaremos outro aspecto: ela tinha características de «música clássica»  muito embora ele não lesse música e se inspirasse incialmente nos discos de musicais americanos.

[1] Recolha de Entrevista, Julho de 2012, Arquivo Mural Sonoro, disponível online

[2] «Passado Presente. Uma Viagem ao Universo de Paulo de Carvalho», Simões, Soraia, Chiado Editora, 2012

[3] Recolha de Entrevista, Maio de 2013, Arquivo Mural Sonoro, disponível online

[4] Recolha de Entrevista, Outubro de 2012, Arquivo Mural Sonoro, disponível online

[5] Sessão de Debate «Música e Sociedade», Maio 2013, Museu da Música, disponível online, Secção ‘Iniciativas Mural Sonoro’, portal: muralsonoro.com

[6] Vargas, António Pinho, « A ausência da música portuguesa no contexto europeu: uma investigação em curso», Revista Crítica de Ciências Sociais, 2007

[7]  Edgar Morin, p.26. 24, Cultura de Massas no Seculo XX

[8] Cidade: palco de cultura e comunicação, espaço de reflexão sobre turismo, Denise da Costa Oliveira Siqueira - UERJ, Euler David de Siqueira - UFRJ

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Filipe Raposo (músico: pianista, compositor)

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Filipe Raposo (músico: pianista, compositor)

82ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00051 Europeana Sounds

 

Filipe Raposo é um pianista e compositor português. Actualmente vive em Estocolmo onde cursa o mestrado e faz investigação na área musical e artística.

Nesta recolha de conversa, de que se disponibiliza apenas umas parte online, fala dos seus primeiros contactos com a música. Recorda o piano vertical que tinha em casa e de tocar no piano da igreja todos os domingos, memórias de momentos determinantes proporcionados especialmente pela avó, das primeiras audições de prelúdios de Bach e do sentido que para um miúdo de 11/12 anos «aquilo» fez para si, até à ida para o Conservatório onde começa a ter contacto com a obra de Fernando Lopes-Graça, a ligação às melodias de cariz tradicional por ele escritas baseadas em repertórios e recolhas de transmissão oral, e com um professor que o marcaria de forma estruturante para o percurso que daí em diante acabou por traçar: o compositor Eurico Carrapatoso.

Os percursos quer académico como artístico/profissional de Filipe Raposo foram coexistindo, tal como os domínios musicais que abraçou (a 'música erudita', ' a improvisada' e 'contemporânea' ou a música popular  de influência tradicional) e que o levaram a colaborar com autores como  Amélia Muge, Janita Salomé,  Fausto Bordalo Dias, José Mário Branco ou Sérgio Godinho ao mesmo tempo que tocava, em exemplo, com músicos comoCarlos Bica (contrabaixo), Vicki (bateria), Hugo Fernandes (violoncelo), Yuri Daniel (baixo) e Carlos Miguel (bateria), entre outros.  

Filipe Raposo dedicou-se ainda, entre outros aspectos, à composição de filmes mudos como de Murnau, Griffith, Vertov, ou a banda sonora da peça 'Quem Tem Medo de Virgina Woolf?'. Tanto no teatro como no cinema tem aplicado parte daquilo que tem sido o seu trabalho.

À data em que esta conversa é registada Filipe Raposo tem dois registos fonográficos a solo, estando o terceiro pensado para o final/apresentação da sua tese de mestrado, que contará com um espectáculo ao vivo, além das várias colaborações ou participações em discos e espectáculos de outros autores e intérpretes como os atrás referenciados. A sua relação com o estúdio de gravação, os outros intérpretes e autores, a academia e os processos de produção e aceitação/divulgação da música que faz  são aspectos também aflorados nesta  conversa. 

Perspectivas e Reflexões no Campo
Fotografias de Helena Silva

Recolha no LARGO Residências

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Martinho de Assunção, o violista que marcou e se deixou marcar pelo Fado, por Soraia Simões

Martinho de Assunção, o violista que marcou e se deixou marcar pelo Fado, por Soraia Simões

por Soraia Simões de Andrade [*]

republicado no Portal do Fado

O mais referenciado violista de Fado durante anos. Nasceu no ano de 1914 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, e faleceria em 1992 na mesma cidade. Tocou vários cordofones: guitarra, violino, bandolim, mas foi à viola que acabou por se profissionalizar e ser reconhecido 'criando uma escola' e servindo de referência a muitos intérpretes de viola no domínio do Fado até aos dias de hoje. 

Conta o seu neto, Vital de Assunção[1], também violista e compositor de fados, «que executava guitarra clássica como nenhum outro influenciado por alguns dos maiores mestres de guitarra espanhóis como Andrés Segóvia, por quem nutria grande admiração e fascínio».

No seu espectáculo de estreia, que aconteceria com apenas doze anos de idade em Setúbal, Martinho da Assunção substituiria João da Mata Gonçalves, seu professor, sessão na qual acompanharia Armandinho.

Martinho da Assunção é hoje considerado pela grande maioria dos intérpretes de Fado «a maior referência na viola de Fado», como exprime também Joel Pina[2] (viola baixo, acompanhante de Amália Rodrigues, entre outros, até ao fim do percurso da fadista). Curiosamente, quer Martinho da Assunção como Joel Pina são chamados carinhosamente de «professores» entre as várias comunidades de prática do Fado em Lisboa.

Filho do 'cantador' e poeta Martinho d’ Assunção, que fora um socialista, um dos fundadores do Partido Comunista Português e delegado no seu Primeiro Congresso, chamado de «poeta vermelho», autor do poema ‘Fado Lenine’ e colaborador em várias publicações jornalísticas no universo da Música Popular e publicações do movimento operário, como: 'Canção de Portugal' e 'Guitarra de Portugal', 'Revolta', 'Bandeira Vermelha' ou 'Voz do Operário'.

Martinho de Assunção Júnior (Jr.), como era conhecido na comunidade do Fado, actuaria em vários espaços, Casas e Retiros fadistas. Bar Avenida, Salão Jansen, Café Mondego, Estribo, Luso, A Toca, Lisboa à Noite e O Faia, foram os mais frequentes no seu percurso como violista.

Deu espectáculos um pouco por todo o mundo e em circunstâncias diversas. Actuou nas ilhas da Madeira e Açores, com Ercília Costa e João da Mata, em Angola, Moçambique e ex Rodésia do Norte com Armandinho, Berta Cardoso, Madalena de Melo e João da Mata. Assim como espectáculos para militantes do partido ao qual pertenceu em Cuba e para refugiados, entre outros.

O célebre Quarteto Típico de Guitarras Martinho d’ Assunção seria um marco, não só no seu percurso como violista e compositor como no domínio quer do Fado como da Música Popular feita em Portugal de um modo transversal. Deste Quarteto faziam parte Francisco Carvalhinho, António Couto (guitarras), Martinho De Assunção (viola), Joel Pina (viola-baixo).

Reuniu e dirigiu, entre 1937 e 1938, outros intérpretes que inscreveriam o seu nome e marca individual na História do Fado, como José Duarte Costa (na viola), os guitarristas Francisco Carvalhinho, Constança Maria (na voz) e Fernando Freitas (este último sobejamente elogiado como «guitarrista de eleição» pelo estudioso e dinamizador do género José Pracana assim como, num plano quer afectivo quer profissional, pelo seu filho, também músico, Fernando Girão[3] em entrevista.

Comporia ainda músicas conhecidas[4] como ‘’Fado Faia’’ com letra de Linhares Barbosa, ‘’Bom Dia, Meu Amor’’ com letra de Vasco Lima Couto, ‘’Uma História’’ com letra de Aníbal Nazaré, ‘’Fado do Chiado’’ com letra de José Carlos Ary dos Santos ou ‘’Fado Corridinho’’ e ‘’Casinha de um Pobre’’ ambas com letras de Frederico de Brito.

Durante o seu percurso como violista de Fado foram vários os momentos em que a sua técnica e o seu estilo interpretativo o levaram a actuar como solista no universo da ‘música clássica’.

Sem dúvida que tanto para os seus alunos directos, quando se dedicou ao ensino da viola de fado, como para os alunos indirectos, no domínio do Fado Martinho de Assunção vincaria a ‘sua escola’ que o transformaram para a maioria dos fadistas, ainda hoje, volvido um século da sua existência, na grande influência pelo papel de destaque que conferiu à viola.

«Foi muito precoce na aprendizagem da viola de fado», conta o seu neto Vital d’ Assunção acrescentando que nos anos 20, com apenas doze anos de idade, as aulas com o espanhol Agustín Rebel Fernandez eram já regulares. «Sabes que naquela altura ele era, ainda hoje é, o mais elogiado dos violistas. Imagina tu que nessa altura já acompanhava o Armandinho». Martinho de Assunção acompanhara com uma notável mestria Armando Augusto Freire (mais conhecido por  Armandinho[5]). 

«O Armandinho rendeu-se logo à actuação do meu avô. E até é engraçado porque o meu avô tinha ido ao encontro dele acompanhado pelo meu bisavô ali perto da Avenida Luísa Tody em Setúbal, numa esplanada. O Armandinho achou que era uma brincadeira, pois faltavam poucas horas para o espectáculo começar e tinham-lhe trazido um miúdo de calções. Depois do meu avô actuar, ficou rendido».

Mas, não seria só Armandinho, outra figura/intérprete indissociável para uma História mais completa do Fado, que começou a tocar guitarra em 1914 influenciado pelo mais famoso guitarrista da sua época, Luís Petrolino, que se sentiria dominado pela presença e execução do jovem intérprete, como toda a assistência do Luísa Tody. «O Teatro Luísa Tody ia vindo abaixo com os aplausos do público que se pôs de pé para aplaudir o meu avô. Ele abria-se pouco, mas quando lhe pedia contava-me estas histórias. Ainda tenho uma ou duas fotografias para aí com ele de calçõezinhos  e meias brancas nesse espectáculo ao lado do Armandinho» volta a afirmar, na lembrança sob a importância da inscrição da história do seu avô no Fado, no decorrer de uma longa conversa para o meu trabalho no Mural Sonoro[6].

No ano em que se comemoram cem anos sobre a existência de Martinho De Assunção tudo o que possa sobre ele escrever, mesmo tendo como base fontes primárias da pesquisa de onde destaco o relato de quem com ele viveu, conviveu e actuou parecerá sempre muito pouco.

 

Vídeo 1: grupo Opus Fado, constituído por Chico Madureira (Voz), Arménio de Melo (Guitarra), Martinho d' Assunção e Vital d' Assunção (Violas), no Fado "8 de Março, Bom dia Mulher" com letra de Rui Manuel e música do sueco Torstein Bergmann, com arranjos de Vital d' Assunção. 

Vídeo 2: Tema «Nostalgia», Martinho d'Assunção na guitarra clássica.

Imagem/fotografia de um dos discos em que fez arranjos e direc.musical (''O Homem na Cidade'', Carlos do Carmo) com um agradecimento expresso na capa do fadista a Martinho D'Assunção.

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[*] texto integrado no centenário de Homenagem a Martinho D' Assunção, Portal do Fado

[1] Vital D’Assunção violista e compositor de fado em entrevista para Arquivo Mural Sonoro

[2] Joel Pina, viola-baixo, recolha de entrevista disponível online, com o número 76, em Arquivo (muralsonoro.com)

[3] Recolhas de Entrevistas para Arquivo Mural Sonoro

[4] Guinot, Maria, Ruben de Carvalho e José Manuel Osório (1999) "Histórias do Fado", Colecção "Um Século de Fado", Lisboa, Ediclube

[5]  Armandinho (11 Outubro, 1891 - 21 Dezembro, 1946), o seu percurso no Fado é traçado quando, em 1914, conhece o mais famoso guitarrista da época - Luis Carlos da Silva, conhecido por Luis Petrolino, e se torna seu discípulo. No ano de 1926 fez  a sua primeira gravação em Portugal com um microfone de bobine eléctrica móvel, através do qual gravaria seis composições, acompanhado à viola por Georgino de Sousa, para a His Mater's Voice , que em Portugal era vendida/divulgada/financiada pela Valentim de Carvalho.No ano de 1928, também acompanhado por Georgino de Sousa, gravaria em duas sessões no Teatro S. Luís, um conjunto de Fados, variações em tons diferentes uma marcha, editados também no formato de 78 rpm. Estas gravações serão reeditadas em CD pela editora Heritage no ano de 1994. Foi dos primeiros a realizar digressões artísticas fora de Portugal. Acompanhou as vozes tanto ao vivo em Casas de Fado e espectáculos como na gravação de fonogramas de, entre outros/as, Alberto Costa, Maria Vitória, Ângela Pinto, Adelina Ramos, Berta Cardoso, Madalena de Melo ou Ercília Costa.

Foi, com Raul Nery, José Marques Piscalareta, Jaime Santos, Carvalhinho ou Fontes Rocha dos intérpretes mais marcantes à guitarra portuguesa no domínio do Fado.

[6] «Fado (s): Escritas e Autorias» no Ciclo: Conversas à volta da Guitarra Portuguesa, Alfama, Muralha, 14 Dezembro de 2013, moderado por Soraia Simões

 

 

Viola Campaniça

Viola Campaniça

É uma das mais antigas violas populares ainda existentes. Típica da região do Baixo-Alentejo, durante algum tempo foi relativamente fácil encontrá-la desde a zona litoral até à raia e percorrendo ainda algumas franjas da região algarvia. Hoje, como reforça a conversa com o músico e divulgador Pedro Mestre, o mais comum e de um modo cada vez mais aceite é encontrá-la com grande dinamização, tanto do ponto de vista do ensino como  cultural, em Castro Verde.

Porém, a viola campaniça gozou outrora de satisfatória popularidade na animação de balhos (bailes cantados), despiques (nas tabernas), rodas e no acompanhamento de grupos corais (alguns deles mistos).

Cada tocador imprime o seu estilo interpretativo na execução, mas a afinação mais usada é: sol, mi, dó, fá, dó, embora também se possa usar outra mantendo contudo a afinação relativa entre cordas.

Este cordofone por norma arma com dez cordas de metal de cor amarela e aço em cinco ordens embora o cravelhal apresente doze cravelhas com a afinação já referida. Sobre a escala, rasa com o tampo, vêem-se dez pontos e dois ou três meio pontos suplementares sob as cordas agudas.

Na década de 1960 a viola campaniça entrou em desuso, voltando  na segunda metade da década de 1980 mas principamente nos anos de 1990/2000 a assumir o papel de destaque, especialmente em Castro Verde, que outrora tivera, como poderá mais tarde pesquisar no Colóquio-Sessão do Mural Sonoro que moderei em Março no Museu da Música com o Tema: «Cante Alentejano: a adaptação na Música Popular, o discurso sobre as identidades e o território» através dos testemunhos de José Francisco Colaço Guerreiro e Janita Salomé.

Ainda assim, durante a década de 1960 a viola conseguia manter alguma vitalidade entre um reduzido número de indivíduos que a tocavam na faixa ocidental da planície alentejana (zona do Alandroal).

Quanto aos materiais usados na sua construção habitualmente as suas ilhargas são feitas em madeira oriunda da Austrália, o seu tampo em pinho originário de Flandres, o seu braço em mogno e o seu interior em casquinha ou mesmo choupo enquanto a escala em pau-preto.

Pedro Mestre durante recolha de entrevista para Arquivo Mural Sonoro. Viola Campaniça construída por si no ano de 1999.

Pedro Mestre durante recolha de entrevista para Arquivo Mural Sonoro. Viola Campaniça construída por si no ano de 1999.

Pedro Mestre durante recolha de entrevista para Arquivo Mural Sonoro. «Carrilhões mecânicos» adaptados por si na construção da viola

Pedro Mestre durante recolha de entrevista para Arquivo Mural Sonoro. «Carrilhões mecânicos» adaptados por si na construção da viola

Fontes usadas na pesquisa: recolha de entrevista feita para Arquivo Mural Sonoro a Pedro Mestre; SARDINHA, José Alberto, Viola Campaniça - O Outro Alentejo.

Pedro Mestre (músico, tocador viola campaniça)

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Pedro Mestre (músico, tocador viola campaniça)

81ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00050 Europeana Sounds

Algumas das técnicas de execução da viola campaniça também as refere em conversa, no texto acerca da viola campaniça na área «Organologia» do Portal Mural Sonoro poderá conhecer melhor as características anatómicas, históricas, musicais deste instrumento, saliento contudo também aqui o facto deste cordofone possuir uma cintura muito pronunciada, ser composto por cinco ordens de cordas e de para alguns indivíduos a sua designação ser « viola de Beja» ou « viola típica do Alentejo» e ser tocado apenas com o polegar em movimento de vaivém («dedilhado»).


Recolha efectuada em Renovar a Mouraria
Fotografia de entrevista: Joana Rocha

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Entrevista Integral  para Suplemento Cultural ESCAPE  do Jornal 'La Rázon'

Entrevista Integral para Suplemento Cultural ESCAPE do Jornal 'La Rázon'

Entrevista integral traduzida para  português de Jairo Marcos para Suplemento Cultural do Jornal da Bolívia La Razón (Edición Impresa)

Jairo Marcos (La Razón)  Que é o fado? Ou seja, como é que se pode definir brevemente esta música a uma pessoa totalmente estranha? 

Soraia Simões (Mural Sonoro) Como qualquer prática musical de matriz urbana é complexo defini-la em parcas palavras, sobretudo devido à sua mutação, permeabilidade com novos intérpretes, criadores, poetas, guitarristas e letristas, mas para quem tem curiosidade em conhecê-lo o melhor é ouvi-lo. As definições a respeito da sua significância são por norma feitas numa perspectiva indutiva e afectiva por parte dos seus intervenientes: os fadistas. E dentro dos mais diversos discursos há quem a ele se refira, do ponto de vista poético-literário mas também emocional, como uma canção popular identificativa da cidade de Lisboa e usando na adjectivação a respeito deste domínio frequentemente as palavras ‘’saudade’’ e ‘’destino’’. Mas, qualquer comunidade de prática tem um conjunto variado de valores expressos nos discursos que lhe imprimem conotações variadas, pelo que a sua definição é sempre redutora. Os aspectos e nomes que o enformam são o que, quanto a mim, melhor caracterizam o género: os fados tradicionais (o ‘’corrido’’, o ‘’menor’’ e o ‘’Mouraria’’), os poetas, letristas, criadores, intérpretes vários que carregam a sua história e ajudam à sua identificação. Esses são impreteríveis conhecer, além da evidência para a maioria dos estrangeiros que é Amália Rodrigues, como sejam: Hermínia Silva, Fernanda Maria, Beatriz da Conceição, Maria Teresa de Noronha, Jaime Santos, Martinho de Assunção, Raul Nery, Armandinho, Joel Pina, Fontes Rocha, Alfredo Marceneiro, Fernando Maurício, Lucília do Carmo, Linhares Barbosa, Carlos do Carmo, poetas e compositores que lhe imprimiram outras nuances como: David-Mourão Ferreira, Alain Oulman, Pedro Homem de Mello, Frederico de Brito, José Carlos Ary dos Santos, etc e outros contemporâneos e que ora fizeram crescer o entendimento sobre o género ora levá-lo para um mar convulso cheio de influências variadas de outros campos da música popular, e até erudita em alguns casos particulares, e com outras esferas de ouvintes/públicos, que foi alargando o espectro da recepção musical como: Mafalda Arnauth, Mísia, Aldina Duarte, Cristina Branco, Camané, Pedro Moutinho, Herder Moutinho, Carminho, Ana Moura, Jorge Fernando, Raquel Tavares, Jaime Santos Jr, Ricardo Rocha, Marco Oliveira, Ricardo Ribeiro, e autores de poemas e letras como: Maria do Rosário Pedreira, Manuela de Freitas, Tiago Torres da Silva ou José Luís Gordo entre tantos outros. 

Jairo Marcos (La Razón) Quais são os elementos chave de um fado? Estou a pensar por exemplo se é suficiente com uma letra qualquer e um bom fadista. Ou é necessário também uma atmosfera concreta, sempre uma guitarra, etc.? 

Soraia Simões (Mural Sonoro) Bom, a resposta a esta questão está praticamente dada em alguns dos nomes que refiro atrás, na pergunta anterior, mas há na realidade determinadas características que são a história e vivência deste universo: ser tocado com uma guitarra portuguesa, uma viola e uma voz, ter na sua estrutura poético-literária quintilhas, sextilhas, redondilhas maiores e menores, um leque de poetas e letristas que o vão mantendo vivo e interessante dentro e fora da comunidade de prática. De qualquer modo, dada a sua transversalidade, temos exemplos de gente do fado que não obedece a estas características de um modo estaticista e mesmo assim fez ou faz fado. O caso de Rão Kyao que tocou saxofone e flauta em discos de fado ou, entre outros, o caso do piano usado neste universo musical como, entre outros no passado, o fez recentemente o pianista Júlio Resende de um modo bastante interessante. 

Jairo Marcos (La Razón) Reflecte o fado o caráter português? É a melancolia do fado mais uma projeção da forma de ser dos portugueses em geral? 

Soraia Simões (Mural Sonoro) Reflecte, como qualquer outra prática musical em Portugal, características dos indivíduos que o compõem e nele cooperam há um largo tempo. Mas, há fados mais melancólicos, outros mais alegres, outros jocosos, há até os reivindicativos. Como qualquer prática musical e cultural atenta sobre as vivências das pessoas que o habitam. E essas pessoas têm características sociais, humanas, estéticas e ideológicas que variam. O fado, como qualquer género, reflecte isso: essas vivências, essas emoções.

Jairo Marcos (La Razón) Falamos em todo caso de uma música de classes? Ou seja, é uma música hoje universal mas com origens populares, origens que continuam presentes atualmente nas suas letras? 

Soraia Simões (Mural Sonoro) Como qualquer música popular, dada a mutabilidade das sociedades, agentes e executantes que dela fazem parte, congrega todo o tipo de grupos sociais e isso reflecte-se nas letras e no modo de interpretar, tocar e até na gravação.

Jairo Marcos (La Razón) Como é que se define o momento actual do fado? Estou a pensar por exemplo na aposta de Ana Moura com ‘Desfado’. Significa que o fado está a evoluir e que também pode ser alegre?

Soraia Simões (Mural Sonoro) Mas, o fado, como disse há pouco, sempre foi tudo isso: alegre, triste, comovido, displicente, eloquente, telúrico, jocoso e mais adjectivos que lhe queiram colocar. Basta escutar alguns dos nomes que lhe referi na resposta às perguntas antecedentes para reparar que ele sempre teve tudo isso e muito mais. 

Jairo Marcos (La Razón) O fado foi declarado Património Imaterial da Humanidade. Quais são as consequências disto? Por quê é importante? 

Soraia Simões (Mural Sonoro) Acho que ele continuará vivo como sempre esteve, profissionalizante como sempre foi, a questão da candidatura veio especialmente permitir estudá-lo, contextualiza-lo e conseguir com que uma das práticas culturais e musicais mais expressivas em Portugal não fosse encarada num plano de secundarização. Veio, quanto a mim, apenas reforçar o seu interesse para a vida dessa comunidade (a artística e a da cidade de Lisboa sobretudo) tornando-a um objecto de interesse para a sociedade portuguesa e para a vida cultural dessas comunidades.

La Razón (Edición Impresa) / María Ángeles Fernández y Jairo Marcos, Reportagem, 06 de Abril de 2014

O Fado nas suas concomitâncias. Outros lados do Fado, por Soraia Simões

O Fado nas suas concomitâncias. Outros lados do Fado, por Soraia Simões

Primeira Parte: Fados em contexto de tertúlia

Durante muito tempo a literatura e documentação (televisiva, radiofónica) existente no domínio do fado foi assumindo uma dualidade que, embora hoje não tão presente, marcou profundamente a sua leitura na sociedade portuguesa: ou se era a favor do género e se enaltecia a paixão pelo mesmo ou se era contra e o repúdio ou o ódio faziam-se notar por todas as vias possíveis. Ainda hoje, ou se gosta muito ou se detesta, diz Nuno Siqueira advogado de formação, coleccionista, gravado em entrevista para o Arquivo Mural Sonoro e presença assídua nas Tertúlias de Fado e Guitarradas desde os anos de 1980 em várias Casas e Retiros, primeiramente no Arreda em Cascais, propriedade outrora de outro entusiasta, estudioso e dinamizador do género: José Pracana, também gravado para o Arquivo Mural Sonoro; e posteriormente Casa Cordeiro, também conhecida por ‘’Morangueiro’’, em São João do Estoril; Adega do Ribatejo no Bairro Alto; nos anos de 1990 por Colectividades como: Vendedores de Jornais Futebol Clube na Rua das Trinas; Santos Futebol ClubeComuna 2 em Alcântara; Luís Vaz de Camões à Rua dos Remédios; Senhor Fado, também na Rua dos Remédios, entre  2008 e 2013; ou desde 2013 no restaurante A Muralha-Tasca Típica numa tertúlia que tem atraído no último ano amadores e profissionais uma vez por semana, de várias idades e esferas sociais.

No âmbito recreativo e de espectáculo, um pouco por todo o mundo, a articulação entre este domínio local e o estrangeiro foi permitindo um maior alcance sobre a sua receptividade, apesar de, mesmo assim, como poderá verificar mais à frente deste texto, nele coexistir uma contínua resistência  durante quase todo o século XX, que só se diluiria a partir da década de 1980 com os estudos de Joaquim Pais de Brito no ISCTE (veja-se Fado, um Canto na Cidade em Etnologia I, ano de 1983, pp. 147-186) e o início dos trabalhos levados a cabo pelo Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos de Música e Dança da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (INET-MD), como seja a Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, dirigida por Salwa Castelo-Branco (Círculo de Leitores, Lisboa, 4 volumes, 2010) também gravada em entrevista para o Arquivo Mural Sonoro.

Ercília Costa, Maria Alice e mais tarde Amália Rodrigues, cuja primeira internacionalização se dava no ano de 1943 quando, a convite do Embaixador de Portugal Pedro Teotónio Pereira, actuou em Madrid, situando-se a segunda presença além-fronteiras nos anos de 1944 e 1945 no Brasil, este último ano onde gravaria, sob a etiqueta Continental, dezasseis temas, foram contribuindo para que um maior interesse pelo aprofundamento da reflexão crítica sobre o fado acontecesse, seja a partir de fontes poéticas tradicionais, pelo seu papel nem sempre bem visto num plano transnacional, seja pela ligação da lírica deste universo musical às problemáticas da esfera social e política que marcaria a existência diária do género dentro das comunidades populares, onde se criava e recriava no seio de uma outra dualidade: por um lado a sua vivência durante a ida para a guerra (1914-1918), por outro o seu não sucumbir face ao regime político posteriormente em vigor (1928).

Tanto no contexto de uma grande guerra, como no do movimento operário e até à sua intervenção política asfixiada pela censura do Estado Novo, a memória viva sobre este domínio é diversificada e patenteada especialmente através da recriação ou reinterpretação permanente das suas letras e poesias, que foram acompanhando a mobilidade das esferas sociais e o paulatino reconhecimento do género e ‘culminaria’ (no plano da aceitação e da receptividade) já com o seu reconhecimento na UNESCO ao integrar, em Novembro de 2011, a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Também nos processos de transmissão de saberes e de repertórios poéticos e musicais, nomeadamente através do surgimento dos meios de difusão, o relacionamento entre os meios rurais, o cosmopolita e o urbano tornam-se mais evidentes muito embora de alguma complexidade, dado à celeridade das transformações operadas internamente e aos processos de transmissão oral e escrita que passaram a conviver com o papel assumido pela rádio e televisão.

Desde as primeiras inscrições literárias ou documentadas acerca da prática do Fado em Lisboa que os testemunhos sobre as alterações sociais foram explorados, quer de um modo implícito como em alguns dos casos explícito. Na passagem para a década de 1830/1840 um conjunto de ‘’analistas’’ da prática do fado reflexionavam este domínio cultural e musical, à luz dos seus padrões socio-culturais, como tratando-se de uma expressão popular revestida de uma amoralidade, marginalidade ou pertencente a uma ‘’baixa cultura’’, perspectivas essas expressas habitualmente sem quaisquer rigores de investigação, a não ser meros relatos pessoais no modelo de crónicas de costumes. Mas, também no plano da investigação e da literatura o ambiente hostil relativamente a este domínio esteve explícito, quer nos trabalhos de Teófilo de Braga (História da Poesia Popular Portuguesa, Tipografia Lusitana, 1867) e Leite de Vasconcelos a respeito dos Estudos sobre Culturas Populares, como em alguns textos de Eça de Queirós, Fialho de Almeida ou Camilo Castelo-Branco, entre outros, para quem o Fado era sintomático de uma decadência cultural da sociedade oitocentista (Dançava o Fado à noite nas Tabernas, diz o poema ‘’Marialva’’ de Alexandre da Conceição incluído no Cancioneiro Alegre de Camilo Castelo-Branco). Rejeições relativas ao género que seriam perpetuadas no século XX por intelectuais de esferas político-sociais não coincidentes como Luís Moita (O Fado Canção dos Vencidos, Empresa do Anuário Comercial, 1936), António Arroio, Fernando Lopes-Graça ou António Osório. Se por um lado, para Luís Moita e António Arroio a permeabilidade do género face às interculturalidade e transnacionalização verificadas não permitiam afirmá-lo como género emblemático ou identificativo português e lisboeta; por outro lado as visões esquerditas de António Osório e Fernando Lopes-Graça viam no género um rosto de aparente fatalismo, tristeza, cinzentismo ou morbidez impossível de compatibilizar com as suas visões sociais progressistas que primavam pelas lutas frequentes numa mudança do panorama social vigente.

A designação de fados operários que fui por vezes escutando nesta viagem pelos ambientes amadoristas de tertúlia, que a espaços incluem alguns profissionais, da prática do Fado em Alfama levou-me ao registo de testemunhos baseados nas memórias descritivas dos («meus») interlocutores e a uma tentativa de compreensão das relações de alguns intérpretes de Fado com esta designação. Foi assim que, por sugestão do violista e compositor de Fado Vital de Assunção, figura pontual das Tertúlias em Alfama, encontrei e registei algumas letras dos seus avô e bisavô censuradas e a expressão de ‘’poeta vermelho’’ referente a um deles (Martinho de Assunção), bem como a alusão frequente durante as conversas que fui travando com Vital ao Fado Lenine da autoria do seu bisavô. A exaltação pontual desta designação pareceu-me igualmente importante, apesar da representatividade a respeito da temática em grande parte da literatura contemporânea no início da minha convivialidade com o Fado se me apresentar exígua.

com Vital D'Assunção

com Vital D'Assunção

À relação pessoal e frequente, iniciada no ano de 2013, com o ambiente em volta da tertúlia em Alfama e os seus participantes/executantes, juntaram-se as recentes conversas mantidas com Ruben de Carvalho (Historiador, autor de Um Século de Fado, Lisboa Ediclube, 1999; As Músicas do Fado, Clube das Letras, Colecção Campo da Música, 2005) ou o livro O Fado Operário no Alentejo da autoria de Paulo Lima, editado pela Tradisom em 2011, e cruzaram-se leituras sugeridas nestas conversas e onde pude comprovar o teor de uma agitação social e reflexão política que envolvia as suas obras no início do século XX, como A Triste Canção do Sul de Alberto Pimentel, editado pela Livraria Central Gomes de Carvalho no ano de 1904 e reeditado pela Dom Quixote no ano de 1989.

O ambiente de tertúlia, o qual visito de quinze em quinze dias, em Alfama foi o prenúncio que daria continuidade a um conjunto de constatações acerca deste vasto universo e de outras das suas particularidades, para lá dos palcos. A disponibilidade semanal de Nuno Siqueira em me abrir as portas da sua Colecção e Biblioteca foi-me permitindo apreender a existência de uma série de textos que reconfirmariam algumas das conversas que vamos mantendo entre os fados da Tertúlia semanal (para mim quinzenal).

A partir do repertório cantado nestas tertúlias  fui ao encontro dos textos escritos. Percebi, claramente, que havia partes distintas nestas tertúlias semanais e que elas continuam a ser não só uma extensão da vivência do Fado entre as camadas mais populares, com os seus modus operandi  de acordo com as suas aspirações, conhecimentos adquiridos e vivências, como entre as elites mais eruditas, mas ainda entre os ambientes amadorísticos e os profissionalizantes, que mesmo fora do ambiente de/desta Tertúlia em que esta primeira parte do texto se pretendeu focar, se relacionam. Por vezes com ambiente de grande intimidade, outras vezes de alguma demarcação territorial balizada fundamentalmente pela escolha dos repertórios.

Estas Tertúlias que têm em Nuno Siqueira o ‘meu anfitrião’ congregam um conjunto de pessoas de faixas etárias e esferas sociais e políticas impossíveis provavelmente de se encontrar ou conviver sem ser num ambiente destes. Uma fadista que tem discos gravados e trabalha num restaurante em Alfama (Susana Rodrigues), um engenheiro agrónomo que canta (Eduardo Falcão), um engenheiro civil que toca (José Burnay), uma jurista que canta (Maria da Luz Mesquitela), uma reformada que ali se junta para o mesmo (Maria Júlia), um profissional do fado que é sempre diferente, uma doutoranda oriunda de Nápoles com tese na área de Estudos Literários sobre o género que ali canta e ensaia (Martina Maffione), um advogado que toca guitarra, tem letras registadas no âmbito e é coleccionador (Nuno Siqueira) e os menos assíduos Vital D’ Assunção (violista e compositor de fado), José Pracana (estudioso, guitarrista e entusiasta do género) ou Daniel Gouveia (estudioso, letrista, intérprete e entusiasta) entre os e as que todas as semanas se vão juntando ao ambiente criado.

Carlos Albino (guitarras portuguesa), José Burnay (guitarra portuguesa), Maria da Luz Mesquitela (voz), Hugo Cação (viola)

Carlos Albino (guitarras portuguesa), José Burnay (guitarra portuguesa), Maria da Luz Mesquitela (voz), Hugo Cação (viola)

Nuno Siqueira (guitarra portuguesa), Maria Júlia (voz), Hugo Cação (viola)

Nuno Siqueira (guitarra portuguesa), Maria Júlia (voz), Hugo Cação (viola)

Grande parte das suas visões do mundo e do fado em particular ficam patentes no jantar antes dos fados e nos intervalos de cada actuação, não só nas observações que emitem como através da escolha dos seus repertórios. Passamos de um fado com conteúdo mais jocoso, humorístico a um intervencionista, ou a um fado com uma estrutura melódica mais tradicional. E também se discute política. Não esquecerei de uma das acérrimas discussões entre fados naquela mesa, que é desde 2013 a mesma com os mesmos lugares reservados mais os livres para os que se espera que venham, sobre a política actual, um debate aceso entre um defensor do regresso do regime monárquico e um marxista convicto, de quem não estou autorizada a revelar nome, que me acabaria entusiasmado por oferecer umas gravações dos programas de rádio que gravava na República da Guiné em 1970 às escondidas – emissões do PAIGC.  É o único espaço em que se calhar era possível eu conhecer e estar com estas pessoas. Não por nada de especial, mas porque as nossas vidas diárias ou profissionais não coincidem, nem mesmo o nosso modo de ver o mundo, só o fado para nos unir, diz no jantar que antecedeu uma das Tertúlias uma das figuras residentes, José Burnay, engenheiro civil de formação, que tal como Nuno Siqueira começou cedo a tocar de um modo amadorístico em espaços nocturnos onde foi conhecendo muita gente do fado. Dos anos de 1974 no Arreda, ao Viela do Sérgio Dâmaso ali para os lados do Príncipe Real, ao Solar da Hermínia, Forte do Rodrigo, Senhor Fado, eu sei láTambém tenho cadastro aqui, apesar de não fazer disto vida. É uma paixão. Uma paixão que nos une.

Curiosamente os repertórios cantados nestas tertúlias semanais em Lisboa, alguns deles, já os tinha escutado na infância em Coimbra. Numa reminiscência induzida pelas minhas histórias cheguei a lembrar e a comentar nesta ‘’nossa mesa semanal’’: eram fados que a minha avó Laura, oriunda dos arredores de Coimbra, Semide em Miranda do Corvo mais precisamente, cantava durante as tardes quando regressávamos da escola! E eram mesmo, com pequenas alterações é certo, à capela e sem guitarra, muitas vezes com uma marcação de palmas e até bater de pés, mas eram algumas das suas cantigas enquanto nos preparava, a mim e às minhas primas, o lanche. O que ela mais cantava era o Fado Menor do Porto disse um dia ao violista Vital De Assunção e, já fora deste circuito de tertúlia, ao violista (viola baixo) Joel Pina, que também gravaria para o Arquivo  Mural Sonoro. O que será explicado pelo facto de, como escrevi no início, a difusão e comunicação de massas, quer através da rádio como da televisão, ter possibilitado a um conjunto de pessoas de outras áreas geográficas, tanto no litoral como no interior, fora do meio cosmopolita lisboeta, a apreensão de alguns dos repertórios e os adaptassem algumas vezes no seu contexto rural. Ideia também reforçada por Joel Pina (viola baixo que acompanhou Amália Rodrigues até ao seu fim de percurso), oriundo da aldeia do Rosmaninhal, em conversa comigo. Em Idanha-a-Nova, no Rosmaninhal, comecei por ouvir a Maria Alice na grafonola de um vizinho e depois na rádio.

com José Pracana

com José Pracana

Sem dúvida que o modo como as melodias de cariz urbano foram apropriadas em contextos periféricos, afastados do centro (Lisboa) e se integraram no universo das práticas tradicionais expressivas de cada uma destas regiões se deveu em grande parte, na minha óptica, à presença da gravação sonora e sua comercialização, assim como da sua difusão através dos meios de comunicação de massas, que naturalmente amplificaram o Fado dentro e fora de Portugal. Tarefa conseguida a par, embora com maior eficácia, da aparentemente conseguida no regresso dos emigrantes portugueses, durante as férias festivas anuais, às suas vilas ou aldeias. Durante muito tempo no Luxemburgo e em Toronto as pessoas viviam um Portugal e um fado que já nem Portugal vive em si, dizia em Janeiro Eduardo Tereso, também engenheiro de formação, apaixonado pelo fado, ‘estudioso no oculto’ e figura habitual nas Tertúlias. A ideia mantida e perpetuada pelos emigrantes portugueses dentro das suas comunidades, talvez como forma de legitimarem a presença portuguesa através da impressão  da sua cultura no estrangeiro, entre Sociedades de Recreio, Colectividades e algumas Casas de Fado de imigrantes conterrâneos lá, especialmente entre os anos de 1970 e 1990, era a de um ‘’Portugal Musical’’, nomeadamente no domínio do fado, inalterado, que não se deixou acompanhar pelas mudanças estruturais da sociedade e da própria Música Popular, como o que aqui deixaram antes de partir, e há uns anos era dificílimo demovê-los dessa ideia (....) Já ninguém canta  ‘’É uma Casa Portuguesa’’, nem ninguém vive já amarrado a um xaile (…) agora há coisas que convém manter. Fazem parte do fado, refere Maria Júlia, aposentada mas figura habitual da tertúlia, numa das noites, ideia com a qual Susana Rodrigues, fadista e trabalhadora de uma casa de fados em Alfama que, entre furos e folgas, dá um salto à Muralha para acrescentar a sua interpretação na tertúlia e visitar o meu viola preferido, replica tantas vezes, quando é achada por lá. Hugo Cação, violista de fado que acompanha com regularidade Alice Pires (artista de revista e fadista), e é outra das figuras assíduas do encontro semanal.

Através da atmosfera de proximidade criada numa Tertúlia semanal com traços tão heterogéneos é possível perceber que o afastamento entre rural e urbano é tão presente quanto a sua aproximação, e que a analogia ao modo como estas melodias são incluídas no ambiente local fora do seu habitat e a transmissão geracional posterior que essa apropriação implicou faz todo o sentido pelos interesses e aspirações frequentes: a ideia de um meio interior que sonha com a capital e de uma capital que por vezes se vê representada através do interior.

Ao mesmo tempo, num ambiente fora deste de Tertúlia congregadora de dois universos à partida dissonantes, a apropriação local de um contexto urbano com o qual não se quis ou pôde conviver directamente, fez com que o impugnar sobre as suas características contextuais na cidade de Lisboa se perdessem na memória colectiva da maioria das pessoas. Para a minha avó, para mim e para as minhas primas, o Fado Menor do Porto era tão só  uma cantiga que a minha avó materna cantava e da nossa memória afectiva fez parte durante largos anos.

O interesse crescente por este domínio, potenciado pelos meios de comunicação e difusão, possibilitou um número grande de informações a seu respeito.

A tese sobre o enraizamento da guitarra portuguesa entre as camadas populares  antes do Fado assumir, pelo menos, este nome associando este instrumento musical inicialmente ao acompanhamento feito nos bailes em ambiente rural ao longo do país, mas especialmente na Estremadura (tese defendida por Rodney Gallop), bem como a utilização da guitarra servir para a bailação, fado em versão instrumental ou fado cantado à desgarrada, tese defendida por José Alberto Sardinha. que apresenta nas suas recolhas, situadas entre os anos de 1980 e 1990, alguns documentos do que designa de fados dançados alguns tocados com flauta e com um andamento vivo e apropriado para dançar, é quer uns queiram quer outros arranjem as mais estranhas explicações para justificar o contrário, a inquestionável presença de um modo geral de um género urbano não só na Cultura Popular urbana como no seio da Cultura Tradicional em contexto não urbano, que tanto apropriou, como em alguns dos casos adaptou uma cultura expressiva do centro e a fez coexistir com a sua local. Se pensarmos, fora desta esfera, com o aparecimento de pequenas orquestras e mais tarde, anos de 1970 e 1980, de conjuntos eléctricos fora de Lisboa percebemos que a natureza de um determinado domínio quando aponta um epicentro para as suas práticas e manifestações é porque ela já está, mesmo sem a ‘’intensidade’’ primeira que atingiu a superfície do solo, um pouco espalhada pelo resto das regiões fora dessa superfície ou centro.

Susana Rodrigues (fadista)

Susana Rodrigues (fadista)

Havia letras que eram já uma denúncia à exploração exercida sobre as classes trabalhadoras, e anteriores poemas de oposição à monarquia, entre outros e em Fevereiro de 2014 reparo num trabalho com algum tempo já de Rui Vieira Nery intitulado Propaganda pela Trova: Movimento Operário e Ideal Republicano no Fado de Lisboa até à Ditadura, que veio fortalecer ainda mais a ideia, que foi evoluindo de tertúlia para tertúlia, de que a expressão fados operários exaltada por uns e silenciada, aquando das minhas perguntas, por outros afinal estava aqui contextualizada, através de um levantamento de diversificadas fontes literárias e não só que demonstravam a lógica do seu uso.

Eu tenho muito cadastro no fado, disse numa das minhas visitas à sua Colecção Nuno Siqueira, quase contrastando com o anfitrião sempre cavalheiro que acompanha e elucida sobre algumas das histórias de dentro do género em cada tertúlia onde nos encontramos.

De facto, o cadastro que Nuno Siqueira a jeito de graça reclama, talvez nem esteja só confinado ao momento em que começa a ser presença assídua nas tertúlias e retiros de fado e a coleccionar objectos e documentação relacionados com o mesmo, talvez seja algo ainda mais longínquo e interiorizado dentro do ambiente familiar, já que Nuno Siqueira é primo direito de Teresa Siqueira Archer de Carvalho, mãe da fadista Teresa Siqueira e avó da fadista Carminho, sendo um paralelismo evidente a traçar entre a sua memória familiar e a expressividade de uma prática que abraçou desde muito jovem, mas que representa ou legitima uma série de comunidades populares sobretudo da cidade de Lisboa com as suas idiossincrasias embora simultaneamente inseparáveis quer do contexto global como da cultura popular tradicional.

Na descrição abrangente da primeira parte deste texto, mas que parte de questões que norteiam o meu trabalho de campo,  inserida no ambiente  de Tertúlia, resolvi destacar alguns dos repertórios tocados e interpretados

Eduardo Tereso

Eduardo Tereso

 Os oito registos no terreno aqui

Registo 1

‘’Variações em Ré’’ – Guitarrada

Nuno Siqueira, José Burnay, Carlos Albino (guitarras portuguesas)

Hugo Cação, Ricardo Caixado, José Infante (violas)

 Registo 2

Fado: ‘’Marcha do Alfredo Marceneiro’

Letra: João Ferreira-Rosa

Música: Alfredo Marceneiro

Tema: ‘’Fadista Velhinho’’

Intérprete: Eduardo Falcão

 Registo 3

Música: Joaquim Campos

Fado: ‘’Fado Tango’’

Letra: Nuno Siqueira

Tema: ‘’Rosa Vermelha’’

Intérprete: Eduardo Falcão

Registo 4

Música: José Marques

Fado: ‘’Fado Triplicado ’’

Letra: Maria Manuel Cid

Tema: ‘’Passeio à Mouraria’’

Intérprete: Maria Júlia

 Registo 5

Música: João Black

Fado: ‘’Fado Menor do Porto’’

(melodia tradicionalmente conferida a José Cavalheiro Jr e posteriormente atribuída ao fadista anarquista João Black)

Interpretação: Eduardo Tereso

 Registo 6

Música: Casimiro Ramos

Fado: ‘’Fado Alberto’’

Tema: ‘’Não Passes Com Ela à Minha Rua’’

Letra: Carlos Conde

Intérprete: Susana Rodrigues

 Registo 7

Música: Carlos da Maia

Fado: ‘’Fado Perseguição’’

Tema: ‘’ O Meu Rosário’’

Letra: Autor desconhecido

Intérprete: Maria da Luz Mesquitela

egisto 8

Música: Fernando Pinto Coelho

Tema: ‘’Verdes Campos’’

Letra: Maria Manuel Cid

Intérprete: Maria da Luz Mesquitela

 

 

referências biliográficas:  Alberto Pimentel, A Triste Canção do Sul, Livraria Central Gomes de Carvalho, 1904; António Arroio, O Canto Coral e a Sua Função Social, Coimbra/França Amado; 1909, Luís Moita, Canção dos Vencidos, Empresa do Anuário Comercial, 1936; Fernando Lopes-Graça, A Canção Popular Portuguesa, Public. Europa- América, 1953;  António Osório, A Mitologia Fadista, Livros Horizonte, 1974; Joaquim Pais de Brito, Fado Um Canto na Cidade, Etnologia I, 1983; Ruben de Carvalho, As Músicas do Fado, Campo das Letras; Salwa Castelo-Branco, Enciclopédia da Música em Portugal no Séc.XX, Círculo de Leitores, 2010;  Paulo Lima O Fado Operário no Alentejo, Tradisom 2011; Entrevistas: Vital D’Assunção, Joel Pina, Nuno Siqueira, José Pracana, Ruben de Carvalho, Arquivo Mural Sonoro

 

‘Cante alentejano’: a adaptação na música popular, o discurso sobre as identidades e o território

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‘Cante alentejano’: a adaptação na música popular, o discurso sobre as identidades e o território


Informação Museu da Música: A Sessão do mês de Março no Museu tem como tema: Cante alentejano: a adaptação na música popular, o discurso sobre as identidades e o território


Sessão de Março Mural Sonoro no Museu da Música 
Intervenientes: Janita Salomé José Francisco Colaço
Moderação da Sessão : Soraia Simões de Andrade

Fotografias: Helena Silva

Mais detalhes relativos à Sessão 

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Viola de boca redonda

Viola de boca redonda

No que respeito diz às violas predominantes no arquipélago dos Açores já aqui lhe falei escrevendo da viola de corações, mas há ainda três tipologias de violas de boca redonda pelas ilhas açorianas: a viola de cinco parcelas, que arma com doze cordas e integra dois ou três bordões, a viola de seis parcelas, que integra quinze cordas, distribuídas em três parcelas de duas cordas e três parcelas de três cordas e a viola de sete parcelas, que integra dezoito cordas e que apresenta dificuldades no que concerne à sua afinação, execução e funcionalidade para o tocador, o que talvez justifique a sua raridade e o seu desuso.

Se na viola de corações a escala é composta por vinte e um trastos, doze deles no braço e nove deles sobre o tampo, na viola de boca redonda o número de trastos é variável bem como a forma como eles são distribuídos: doze deles sobre o braço na viola de cinco parcelas e dez deles na viola de seis parcelas, sem esquecer que elas ainda se distinguem e diferenciam de violeiro para violeiro no número dos restantes trastos sobre os tampos.

A viola composta por quinze cordas e conhecida na ilha Terceira por viola de seis parcelas tem o braço mais curto e uma caixa de ressonância mais larga. Tem dez trastos sobre o braço e entre sete e nove sobre o tampo.

Consta que os violeiros da família do Lobão imprimiam uma flor no extremo da pá da viola, uma prática que era comum em vários países europeus em que se esculpia uma flor ou figura do sexo feminino.

Quanto à discussão sobre a sua origem, existem variadíssimas referências quanto à origem da viola de seis parcelas, pelo que dada a não consensualidade e até controvérsia em torno deste capítulo não o abordarei aqui, sem contudo deixar de referir que entre as variadas teses consta a de Francisco José Dias em Cantigas do Povo dos Açores que na página 53 reflecte sobre a possibilidade de influencia por parte da presença castelhana no arquipélago durante os séculos XVI e XVII respectivamente. Há ainda quem refira a proximidade com o violão e a possibilidade da viola de boca redonda se ter deixado influenciar por esse instrumento musical, pedindo de empréstimo a ele o bordão mais grave (nota ''mi'') e as dimensões maiores da caixa de ressonância.

Em O Baile Popular Terceirense, Machado Drumond que se dedicou ao estudo do folclore na ilha Terceira aborda a presença frequente  dos tocadores em quase todas as freguesias rurais da ilha ainda no início do século XX. Munidos da respectiva viola de cinco parcelas e de dezasseis pontos, suspensa do antebraço esquerdo pelas salientes cravelhas.

É  de salientar que também no encordoamento destas violas há uma variação consoante o tocador e a ilha em que são tocadas. Há uma abrangente variedade de métodos, de cordas e combinações, que lhe mostrarei num outro texto respectivo aos diferentes modelos, construtores, métodos de execução e aprendizagens.

A fotografia que destaco foi cedida por  Maria Antónia Fraga Esteves e pertencem à sua colecção.

São ambas violas  terceirenses. A primeira, do lado esquerdo, mais pequena (parece maior mas não é) foi construída por Ernesto da Costa, Vale Farto, Terceira; é uma viola de cinco parcelas e doze cordas. A segunda, do lado direito, foi construída, segundo dados de Maria Antónia, perto do ano de 1987 por José Augusto Lobão, Angra do Heroísmo, Terceira, e é uma viola de seis ordens e quinze cordas.

os direitos de todas estas fotos são reservados. Colecção de Maria Antónia Esteves

os direitos de todas estas fotos são reservados. Colecção de Maria Antónia Esteves

Fontes usadas na pesquisa: Cantigas do Povo dos Açores, Francisco José Dias, O Baile Popular Terceirense, Machado Drumond, conversa e troca de impressões com Maria Antónia Esteves.

 

 

Viola de corações

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Viola de corações

Há praticamente 100 anos o musicólogo português Michel' Angelo Lambertini (1852-1820) referenciava este instrumento musical no Catalogo Sumario do Primeiro Nucleo de um Museu Instrumental em Lisboa (ano de 1914).

Com uma caixa estreita e comprida, uma cintura pronunciada e uma boca em forma de dois corações unidos com as pontas de fora, é assim que imediatamente a maioria das pessoas descreve uma das violas portuguesas mais características.

 

A viola tem dez cordas

Juntamente dois bordões

E acima do cavalete

Também tem dois corações

(Quadra Popular, autor desconhecido)

 

Mas, há elementos de ordem concreta e técnica neste cordofone, como sejam a sua escala composta de vinte e um trastos, dos quais doze estão sobre o braço e nove sobre o tampo. O braço é comprido, numa escala até à boca e o seu tampo é distinguido pela diferença das madeiras.

Arma com doze cordas, dispostas em cinco parcelas: as três primeiras duplas e as duas seguintes triplas.

Com uma forte predominância, do ponto de vista geográfico, em todo o arquipélago dos Açores à excepção da ilha Terceira, ilha onde apesar de alguma presença não é tão predominante, esta viola apresenta aspectos diferenciados na sua construção, afinação e encordoamento consoante a ilha.

A sua expressão transnacional não surge só no século XXI com a crescente globalização, como nos comprova a exposição com o tema: Intstrumentos musicais e viagens dos portugueses organizada no ano de 1986/7 no Museu de Etnologia em Lisboa onde era apresentada uma viola na ilha de Maio (ilha que faz parte do grupo de Sotavento. A maior povoação desta ilha em Cabo Verde é a Vila do Maio) que se aproximava da viola de dois corações: cinco ordenamentos de cordas duplas, abertura sonora em forma de dois corações, escala rasa com o tampo, com doze trastos sobre o braço. Além disso, em Junho do ano de 2007 a RDP-África apresentou um programa acerca da ilha Brava (ilha de  Cabo Verde situada no Sotavento, a oeste da ilha do Fogo e que conta com cerca de 6800 habitantes) no qual um grupo musical que actuou apresentava uma viola com este tipo de abertura sonora.

Também no Brasil, Osvaldo Ferreira de Mello cuja investigação se centrou no ''Estudo das identidades da música catarinense com origens açorianas'', há referência da presença da quase inexistente viola de doze cordas na ilha de Santa Catarina (em  documentação da Universidade Federal de Santa Catarina encontram-se estes dados) e até de um só coração. Doralécio Soares, folclorista e presidente da Comissão Catarinense de Folclore também o afirmou em entrevistas.

A viola de corações é muitas vezes confundida com a amarantina na sua figura e por ter dez trastos, mas na realidade a viola que mais proximidades tem com esta viola açoriana é a viola toeira de que já aqui lhe falei, na medida em que possuem doze cordas em cinco parcelas e afinações semehantes, exceptuando a afinação mais usada nas ilhas do grupo oriental, já a amarantina tem os dez trastos sobre o braço, alguns meio trastos suplementares e dez cordas de afinação diferente e possui ainda ornamentos distintos. Talvez as diferenças mais visíveis entre estas violas sejam o género de abertura sonora mais comum em cada uma: abertura de boca oval deitada na viola toeira, abertura de boca redonda na ilha Terceira que aprofundarei num outro texto nesta área do Portal; dois corações encostados um ao outro com a frente virada para lados opostos nas outras ilhas.

Num outro texto exporei os tamanhos e moldes a que corresponde cada uma das designações da viola de corações, bem como alguns violeiros (construtores deste instrumento), especificamente: Adelino Vicente e João Barbosa da Silva.

 

Vídeos de demonstração de execução de Violas da Terra

Vídeo 1: Foi integrado num concerto que ocorreu em Abril de 2013 na Casa do Povo de São Mateus do Pico, nos Açores. "Trinando os Dois Corações" - Carinhosas é interpretado por dois tocadores, dinamizadores e formadores de violas da terra no arquipélago: Rafael Carvalho e Orlando Martins.

Vídeo 2: Uma transcrição e interpretação de Rafael Carvalho de ''Fado Velho'', um dos temas que integra o fonograma Preciosos Imprevistos de Miguel de Braga Pimentel.


Vídeo com ligação externa de uma actuação do Conjunto Cisa - Irmãos Unidos em Cabo Verde, onde aparece a viola de corações

 

Fontes usadas na Pesquisa: Instrumentos Musicais Populares dos Açores, Ernesto Veiga de Oliveira, Centro de Documentação Museu da Música, A viola de dois Corações, Manuel Ferreira - Ponta Delgada, 1990.

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Manuel Paulo (compositor, autor, pianista)

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Manuel Paulo (compositor, autor, pianista)

80ª Recolha de Entrevista

Quota MS_00049 Europeana Sounds

 

Manuel Paulo Manso Felgueiras e Sousa. É um músico, produtor, autor e compositor português, nascido na cidade de Lisboa, que conta, à data que esta recolha é feita, já com cerca de três décadas de percurso na música.

Colaborou como pianista com  músicos, outros autores e compositores, como com Jorge Palma (no disco Manuel Paulo toca todos os temas ao piano, à excepção de um, na medida em que Jorge Palma tocava guitarra aqui) e integrou a formação musical que acompanhou Rui Veloso a partir do ano de 1983, altura em que António Pinho Vargas saía da formação, até ao ano de 1994 ano em que se junta, por convite, a João Gil e João Monge para formar o grupo Ala dos Namorados.

Mas do percurso de Manuel Paulo fizeram ainda parte os projectos Rio Grande com quem tocou ao vivo, a Direcção musical de peças musicais como 'Cabeças no Ar' e o fonograma/banda sonora primeiro de originais fora do grupo Ala dos Namorados 'Assobio da Cobra' no qual se ouvem as vozes de Camané, Sérgio Godinho, Manuela Azevedo ou Filipa Pais, bem como a composição para bandas sonoras: dos filmes Serenidade em 1987 e Ilhéu de Contenda no ano de 1996  ou para séries de televisão: como Claxon em 1991 da qual saiu um fonograma, A Mulher do Senhor Ministro de 1994 e, entre outras, Bocage de 2006.  As suas colaborações com músicos de Cabo Verde também têm ocupado parte do seu caminho na música. Entre outros, primeiro com Dany Silva e depois com Nancy Vieira. 

Na parte disponível no Arquivo online desta conversa maior fala das suas referências musicais iniciais, da influência da música clássica que o pai escutava e do contacto desde muito cedo com o piano, instrumento que aperfeiçoaria e passaria a ser até hoje o seu principal instrumento musical de trabalho, das particularidades dos vários papéis assumidos na Música Popular: como compositor, director musical, produtor e executante, da necessidade de abraçar outros desafios que permitam não estar confinado a um só projecto musical, mas também de aspectos mais concretos, como: a sua ligação ao estúdio de gravação (o primeiro fonograma de Rui Veloso do qual faz parte, ''Guardador de Margens'', conta com a produção/mistura de António Pinheiro da Silva, assim como de José Carrapa e do próprio Rui Veloso. Disco aliás sobre o qual o engenheiro de som falaria na primeira Sessão do ano 2014 do Mural Sonoro no Museu da Música) das diferenças, especificidades e evoluções da voz do cantor Nuno Guerreiro, dos fados que a convite produziu para Mísia ou Ana Sofia Varela e onde dirigiu as gravações (a minha cultura não é de fado, mas se não houvesse fado eu não era o compositor que soudiz Manuel Paulo) ou, entre outros assuntos levantados, do projecto em que é só um executante  que toca repertório de um dos seus grupos de eleição: os Led Zeppelin (de nome Led On) e no qual tocam também Paulo Ramos, Mário Delgado , Zé Nabo e Alexandre Frazão. 

 

Recolha em Lisboa. Jardim do Centro Cultural de Belém

Fotografias de Helena Silva

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Coimbra: Canção e Guitarra  (a figura de Adriano Correia de Oliveira), opinião

Coimbra: Canção e Guitarra (a figura de Adriano Correia de Oliveira), opinião

por Soraia Simões [*]

O fado de Coimbra não é de direita nem de esquerda: é um depósito cultural, é um produto que tem a sua época e se justifica em determinado contexto coimbrão, José Afonso (25 de Novembro de 1981, Jornal Se7e)

 

Muito para além de quem se situava à esquerda ou à direita a Canção de Coimbra a partir da sua ‘nova fase’ no ano de 1978 foi progredindo quer no tempo como nas suas variantes. Como acontece a grande parte das práticas de cariz local, apesar das novas influências que apareceram, houve características que se mantiveram dando sentido  à manifestação cultural e musical viva que é, exposta também no seu ressurgimento e aparecimento de 'novos' letristas, poetas e executantes que atribuíram à canção um novo fôlego.

 

Coimbra menina e moça

Rouxinol de Bernardim

Não há terra como a nossa

Não há no mundo outra assim

 

Coimbra é de Portugal

Como a flor é do jardim

Como a estrela é do céu

Como a saudade é de mim

(Coimbra Menina e Moça, Fausto Frazão)

 

A cabra da velha torre

Meu amor chama por mim

Quando um estudante morre

Os sinos tocam assim

 

Ó quem me dera abraçar-te

Junto ao peito, assim, assim

Passar a morte e levar-te

Bem abraçadinha a mim

(A Cabra da Velha Torre) 

 

Ainda que a maioria das práticas musicais na cultura popular reclamem invariavelmente até si noções de ancestralidade e tradição, tantas vezes reforçando a sua componente de preservação, afirmando a partir daí a sua suposta ‘identidade’’, a realidade é que elas são mutáveis e como tal as retóricas que evidenciam esse imaginário de pertença e preservação são na sua franca maioria discursos públicos do foro promocional ou jornalístico.

Se observarmos, como exemplo, os textos que acompanham os fonogramas gravados na década de 60 neste domínio musical e cultural, nomeadamente os textos de Manuel Alegre e Artur Jorge Marinha no primeiro e segundo fonograma de Adriano Correia de Oliveira, notaremos que há já um pensamento contrário e uma reflexão crítica no que respeito dizia a esse passado romantizado e inscrito na história musical coimbrã, papel assumido sobretudo pelos meios de difusão dominantes.

A tradição pela tradição sem questionamento, a arte pela arte e o desapego e desvalorização a um foco que não estivesse ancorado na denúncia das fragilidades sociais que os atingia à época tornaram-se aspectos elucidados claramente em alguns dos seus textos, mas também das suas mensagens públicas (sejam orais ou escritas). Exemplo: O que tem havido sempre, através das gerações que passam por Coimbra, é a necessidade de cantar, e de exprimir cantando, os sentimentos próprios da juventude. Mas esses sentimentos são condicionados pelas circunstâncias históricas e sociais de cada geração (…) versa Manuel Alegre numa das partes do seu texto.

No segundo EP de Adriano Correia de Oliveira no tema ‘’Balada do Estudante’’ (depois ‘’Capa Negra Rosa Negra’’) de Manuel Alegre (as duas primeiras quadras) e António Aleixo (a terceira estrofe, apesar de algumas alterações) percebe-se de imediato o foco na situação que então se vivia no seio académico e cultural coimbrão:

Capa Negra rosa negra

Rosa negra sem roseira

Abre-te bem nos meus ombros

Como ao vento uma bandeira

 

 

 

Eu sou livre como as aves

E passo a vida a cantar

Coração que nasceu livre

Não se pode acorrentar

 

Quem canta por conta sua

Canta sempre com razão

Mais vale ser pardal na rua

Que rouxinol na prisão

 

Adriano Correia de Oliveira, figura  ímpar da história musical coimbrã, envolveu-se como estudante universitário de forma activa na vida académica (cívica, política e cultural) da AAC (Associação Académica de Coimbra). No ano de 1960 ficaria associado ao Grupo Universitário de Danças Regionais da AAC, no ano de 1961 seria subscritor do manifesto ‘’Protesto’’, que por sua vez fora atacado pela direita por altura da publicação de ‘’Carta a Uma Jovem Portuguesa’’ da autoria de Artur Jorge Mourinha de Campos numa das edições da revista Via Latina, no ano de 1964 Adriano integrava ainda o CITAC (Iniciação Teatral da Academia de Coimbra), no ano de 1965 foi mencionado pelo Conselho de Repúblicas para a Assembleia Geral da AAC (a substituta), mas seria sem sombra de dúvida a inscrição e militância no Partido Comunista Português no ano de 1964 que mais firmava a sua veemente oposição ao regime do Estado Novo. Tal actividade refectir-se-ia de modo natural no seu desempenho como intérprete e no cunho contestário que imprimiu e que ficaria para sempre ligado à história da Canção de Coimbra.

Acompanhado por António Portugal e Rui Pato, Adriano Correia de Oliveira gravaria, entre outros, estes quatro marcos no chamado ‘’Canto de Intervenção’’ associado à cidade do Mondego: ‘’Trova do Vento que Passa’’, ‘’ Pensamento’’, ‘’Capa Negra Rosa Negra’’ e ‘’Trova do Amor Lusíada’’, temas que compunham o EP Trova do Vento Que Passa.

Neste EP, decisivo na afirmação de Adriano C. de Oliveira no âmbito da Canção de Coimbra, ‘’Capa Negra Rosa Negra’’ deixa cair a quadra de António Aleixo e aparece como segunda estrofe uma nova quadra de Manuel Alegre: Abre-te bem nos meus ombros/Vira costas à saudade/ Capa negra rosa negra/ Bandeira de liberdade. Além de, como anteriormente referido, serem gravadas duas canções de explicita impressão política: ‘Pensamento’’ e ‘’Trova do Vento que Passa’’.

Pergunto ao Vento que passa

Notícias do meu país

E o vento cala desgraça

O vento nada me diz.

 

Mas há sempre uma candeia

Dentro da própria desgraça

Há sempre alguém que semeia

Canções no vento que passa.

 

Mesmo no tempo mais triste

Em tempo de servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não!

 

Trova do Vento que Passa (Manuel Alegre/António Portugal, Adriano C.de Oliveira)

 

Meu Pensamento

Partiu no Vento

Podem prendê-lo

Matá-lo não.

 

Meu pensamento

Quebrou amarras

Partiu no vento

Deixa  guitarras.

Meu pensamento

Por onde passas

Estátua de vento

Em cada praça.

 

Foi à conquista

Do novo mundo

Foi vagabundo

Contrabandista

 

Foi marinheiro

Maltês ganhão

Foi prisioneiro

Mas servo não.

 

E os reis mandaram

Fazer muralhas

Tecer as malhas

De negras leis.

 

Homens morreram

Chamas ao vento

Por ti morreram

Meu pensamento.

 

Pensamento (Manuel Alegre/António Portugal, Adriano C. de Oliveira)

 

A permeabilidade da Canção de Coimbra para os temas mais reaccionários contribuiu para que segmentos mais progressistas da vida académica ligados à guitarra e à canção depreendessem na Canção de Coimbra uma ‘’arma de natureza política’’ e a Canção de Coimbra passa a ser uma das partes fundamentais do combate associativo e da luta estudantil.

 

O designado de ‘’Movimento das Trovas e Baladas’’ sustentar-se-ia de um discurso político-ideológico pensado e estruturado. A poesia de  Artur José Marinha, José Carlos Vasconcelos, Manuel Alegre e a interpretação e postura de Adriano Correia de Oliveira deram origem a um novo capítulo na história musical da Canção de Coimbra, enquanto António Portugal  (co-fundador do ‘’Movimento das Trovas’’ e com trabalho gravado entre 1956 e 1958 com o grupo Coimbra Quintet) também se afirmava, distanciando-se da figura do segundo guitarra de A.Pinho Brojo.

A dimensão da Guitarra de Coimbra especialmente a partir destes acontecimentos passa a ter um impacto notável a um nível transnacional. Aspecto que desvendarei um pouco mais numa terceira parte destas considerações neste Portal e que fazem parte do trabalho maior  feito para o Documentário referenciado já na primeira parte destas  considerações online.

De salientar que no ano de 1969 Adriano Correia de Oliveira foi mencionado como um dos grandes protagonistas do movimento intervencionista associado à Canção em Coimbra no Programa Zip-Zip , inclusive por Luiz Goes que esteve presente, um programa onde muitos criticaram a ausência de José Afonso, que não marcaria a sua presença devido a uma imposição da sua não comparência, sob pena de represálias, dirigida ao programa em questão pela PIDE.

A crise académica de 1969 (a partir de Abril) seria mais profunda, como relata o Historiador e Cultor da Canção de Coimbra Jorge Cravo fundamentalmente no seu livro ‘’A Canção de Coimbra em Tempo de Lutas Estudantis’’, muito por força da falta de abertura de Américo Tomás, então Presidente da República, em dar voz ao Presidente da Direcção Geral da AAC no decorrer de uma cerimónia integrada na inauguração de um novo edifício na Universidade de Coimbra, no Edifício das Matemáticas.

[1] para citar esta opinião: Simões, Soraia «Coimbra: Canção e Guitarra (a figura de Adriano Correia de Oliveira), opinião» Breves Considerações, plataforma Mural Sonoro em 13 de Março de 2014.

Mais em filme A Guitarra de Coimbra, 2019, RTP2 de Soraia Simões e realização de José Ricardo Pinto .

Imagem usada na capa deste texto do livro ''Adriano Correira de Oliveira - Songbook'' de 2012, Chancela: Prime Books

Viola Beiroa

Viola Beiroa

Na região centro do país, região da Beira Baixa, nomeadamente na zona leste do distrito de Castelo Branco, há uma viola com afinações variadas  chamada ainda, especialmente pelos mais velhos da região (tocadores e não tocadores/simpatizantes da prática deste instrumento musical), de bandurra. Não consegui identificar, por ser uma informação mutável, ou seja: que varia consoante a bibliografia e o que referem os executantes, qual é o momento/data em que se começa a designar este cordofone de viola beiroa, contudo é assim que entre os organeiros, ou os que centram o seu estudo nos instrumentos musicais tradicionais em Portugal (da área da Conservação e Restauro inclusivé), ela é chamada.

Esta viola arma com dez cordas distribuídas por cinco parcelas e com duas cordas complementares (designadas de requintas) que se encontram presas a um cravelhal que se situa no fundo do braço da viola perto da sua caixa de ressonância.

 

Um dos pormenores mais singulares deste instrumento é a afinação. Entre as afinações variáveis a mais difundida no circuito de músicos e executantes é a que é utilizada em Idanha-a-Nova: ré, si, sol, ré, lá.

As duas cordas suplementares, as requintas, possuem um comprimento curto e uma sonoridade aguda. Tocam-se habitualmente soltas e são afinadas em ré.

Um dos mais influentes  tocadores desta viola foi Manuel Moreira (imagem referente a ele na capa deste texto), cuja técnica  consistia no uso da mão direita com utilização do polegar para os 'bordões de requintas' enquanto o dedo indicador em dedilhado (expressão cujo sentido já expliquei aqui) para as fundeiras, segundas e toeiras. Movimento, aliás, com que fraseava a melodia.

Entre os colectores e folcloristas dedicados ao registo e levantamento deste instrumento destaco: Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, enquanto no que toca à transcrição de algum deste repertório para este instrumento nesta região: Domingos Morais.

É ainda de salientar que uma das entidades que tem promovido este instrumento é a Associação Cultural e Recreativa As Palmeiras  através do seu Grupo de Danças e Cantares de Castelo Branco. 

Ao contrário de outras violas tem uma capacidade ilimitada de se entrosar noutros domínios que não só o da 'música tradicional', pelo que mostro duas interpretações do mesmo instrumento. Uma de Amadeu Magalhães e outra de um conjunto/orquestra de violas beiroas, que tem nos seus integrantes um dos dinamizadores activos desta viola: Miguel Carvalhinho, na interpretação de um tema tradicional assaz popular.

Biliografia usada na pesquisa: Música Popular Portuguesa, Armando Leça, Instrumentos Musicais Populares Portugueses, Ernesto Veiga de Oliveira, Transcrições de Domingos Morais, Recolhas de Benjamin Pereira

Viola Braguesa

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Viola Braguesa

As violas tradicionais de Portugal continental compreendem duas formas basilares: a viola das terras ocidentais com uma pequena cintura e a viola do leste com uma cintura mais acentuada.

Dentro da forma das violas das terras ocidentais encontramos a viola braguesa, a viola amarantina e a viola toeira acerca da qual já escrevi neste portal.

A viola braguesa, viola de Braga, ou simplesmente braguesa como se apelida mais frequentemente, é considerada uma das violas em Portugal com um maior número de simpatizantes e tocadores, o instrumento de destaque no Minho, Entre Douro e Minho. É bastante usada para tocar repertórios no domínio da 'música tradicional'  como rusgas, chulas ou desafios.

Na gíria, entre executantes, diz-se que ela se ''toca de rasgado'' (rasgueado), pelo facto de ser executada em passagens rápidas, para cima e para baixo, com auxílio das unhas, por norma na formação harmónica de tónica e dominante (Dicionário de Música, T.Borba e L.Graça, entrada ''rasgado'').

Como grande parte das violas continentais a viola braguesa tem uma escala rasa com o tampo e apresenta dez trastos sobre o braço da viola. À excepção de três dos seus bordões arma com dez cordas de aço de espessura fina tendo uma afinação semelhante à por norma usada na guitarra portuguesa (sol, ré, lá, sol, dó ou lá, mi, si, lá, ré) do agudo para o grave.

A abertura de som desta viola é oval, redonda ou, como também se diz na gíria, em ''boca de raia'', pois é caracterizada estética/visualmente como uma viola com dois olhos e uma boca que ri.

Notas:

A expressão ''Varejar as cordas'' significa que elas são tocadas com um dedo, já ''rasgar as cordas'' (rasgueado) significa que elas são tocadas com dois ou mais dedos. Na prática varejar e rasgar, dois dos termos mais usados entre os tocadores, significam dedilhar só que é possível fazê-lo com ambas as partes dos dedos: a parte de fora (unha) e a parte de dentro (polpa).

Viola braguesa por Amadeu Magalhães

Braguesa, disco de Júlio Pereira (1983)

 

Bibliografia/fontes usadas na pesquisa: Dicionário de Música, T.Borba e L.Graça, Instrumentos Musicais Populares Portugueses, Ernesto Veiga de Oliveira, Entrevista a Amadeu Magalhães para Arquivo

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Ruben de Carvalho (Programador Cultural, Jornalista, Historiador)

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Ruben de Carvalho (Programador Cultural, Jornalista, Historiador)

78ª Recolha de Entrevista

 

                                                                                                   

Quota MS_00047 Europeana Sounds

Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva  nasceu em Lisboa no ano de 1943.

 

É Jornalista desde 1963. Autor de diversas publicações no domínio do fado, bem como noutros universos da Música Popular, de programas de rádio (‘Crónicas da Idade Mídia, em exemplo, continua a fazer parte, à data em que esta recolha é feita, da grelha de programação da Antena 1 da RTP) e diversos artigos neste âmbito em Jornais e Revistas.

Foi chefe de redacção de ‘’Vida Mundial’’, redactor coordenador no ‘’O Século’’ e chefe de redacção do semanário ‘’Avante!’’ a partir do primeiro número da série legal, director da rádio local ‘’Telefonia de Lisboa’’, membro do Conselho de Opinião da RTP em 2002, responsável pelo ‘’Avante!’’ (órgão central do PCP) de Abril de 1974 a Junho de 1995.

A sua actividade política encontra-se em várias etapas do seu percurso profissional com a cultural, tal como se pode apreender na discussão de alguns dos assuntos levantados nesta conversa para o Arquivo Mural Sonoro de que se disponibiliza, mais uma vez, apenas uma parte, sendo a restante transcrita para trabalho escrito.

Foi membro do executivo da CDE de Lisboa, membro executivo da Comissão Executiva das Festas de Lisboa e da Comissão Municipal de Preparação de LISBOA 94 – Capital Europeia da Cultura (ano em que Amália Rodrigues dá o seu último espectáculo, no Coliseu em Lisboa, sob a programação de Ruben de Carvalho. Tal como refere Joel Pina), deputado à Assembleia da República eleito pelo distrito de Setúbal, Vereador da Câmara Municipal de Lisboa desde as autárquicas de 2005, membro do Executivo da Comissão Organizadora da Festa do «Avante!» desde 1976 e, entre um numeroso conjunto de dinamizações na música e cultura populares, um dos principais responsáveis pela actuação no ano de 1983 do músico, activista e compositor americano Pete Seeger no Pavilhão dos Desportos em Lisboa, que ficaria registado em fonograma acompanhado de um livro e folheto de fotografias.

Além de membro do Comité Central do Partido Comunista Português, foi também Vereador da Câmara Municipal de Lisboa desde as autárquicas de 2005 e responsável na Câmara Municipal de Lisboa  pelo Roteiro do Anti-fascismo.

Na parte disponível online desta conversa fala da sua ligação às várias linguagens disponíveis na comunicação (a crónica, a rádio, a televisão, o livro) e das suas limitações e contrariedades, do papel assumido pelos discursos utilizados em vários domínios musicais, de alguma da bibliografia do fado e do foco e presença no universo do fado de alguns dos autores/escritores com as suas convicções estéticas, políticas e ideológicas, da relevância da gravação sonora para a compreensão de determinados processos nas práticas da música e da cultura popular em sociedade, do contacto com a música por via indirecta (publicidade, cinema, arquitectura), etc.

 

Entre a variada bibliografia do fado contam-se trabalhos da autoria de Ruben de Carvalho, como são os casos de “As Músicas  do Fado” (Campo das Letras, 1994), “Histórias do Fado” (Ediclube, 1999) ou “Um Século de Fado” do mesmo ano e editora.

2014 Perspectivas e Reflexões no Campo

Recolha efectuada em casa de Ruben de Carvalho

Fotografias: Madalena Santos

 

 

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Viola Toeira

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Viola Toeira

A viola toeira é um instrumento musical  inicialmente predominante na região da Beira, onde acompanhou as danças e cantigas no contexto rural da população dessa região. Na cidade de Coimbra foi durante um largo período de tempo o instrumento predilecto dos estudantes da Academia. Foi usado em serenatas até ao aparecimento da guitarra que aconteceria por volta do ano de 1850 (pág 122, Música Popular Portuguesa, Armando Leça).

Característica do centro litoral e região de Coimbra esta viola diferencia-se da viola braguesa especialmente no seu encordoamento. Arma com doze cordas alinhadas em cinco ordenamentos: as três primeiras cordas duplas e as outras triplas. Ao contrário da viola braguesa que possui dez cordas. 

A viola toeira é, sem qualquer dúvida, um dos instrumentos musicais que melhor caracteriza a ''sonoridade coimbrã'' entre os séculos XVIII e meados do século XIX.

O seu papel é de tal relevância que tanto entre a comunidade académica coimbrã como nas áreas rurais da cidade marca presença.

É comum encontrarmos outras designações quando o assunto é este instrumento. Em variada documentação sobre cordofones que se tocavam na região centro litoral, que inclui quadras populares, mencionam  “viola” e “viola de arame” (de salientar que a viola de arame, típica no arquipélago dos Açores é, com a guitarra de Coimbra, dos primeiros instrumentos a entrar no ensino), também com mais recorrência encontramos o nome “banza” associado a este instrumento.

Armando Leça (1893-1977) adoptou a denominação, comum entre os violeiros de Coimbra e usada de igual modo por um escritor/cronista conimbricense de nome Octaviano de Sá no início do século XX, de ''viola toeira'' no livro “Música Popular Portuguesa”. Também no livro ''Instrumentos Populares Portugueses” do ano 1966 da autoria de Ernesto Veiga de Oliveira voltamos a encontrá-la sob esta designação.

A identificação pelo nome atribuído a este instrumento deixa de estar confinada ao circuito de executantes/à sua comunidade de prática - violeiros, cantadeiras e versejadores -, e passa a ser usada por um maior leque de indivíduos fora desse núcleo: nomeadamente folcloristas, cronistas e também jornalistas, historiadores e poetas/ensaístas.

Além das serenatas futricas e encontros de boémios, nas romarias e festas religiosas era comum encontrá-la, como os casos: da Festa do Espírito Santo em Santo António dos Olivais, Santo Amaro, (Lages), Senhor da Serra (Semide, Miranda do Corvo), São João da Figueira da Foz, Nossa Senhora da Encarnação (Buarcos), Santa Comba (Quinta dos Melros), arraiais de São João, São Martinho do Bispo e Fala (margem esquerda do Mondego), Rainha Santa Isabel, e até à beira-rio (Mondego) em encontros de fim de tarde.

A viola toeira marcou presença tanto no domínio plebeu como nos salões e teatros. Quer os mais clássicos repertórios como as melodias mais populares nela se tocaram.

Quanto ao alcance público da sua feitura/produção destacam-se versões patentes no Museu Nacional Machado de Castro (oficina dos Brunos) e no Museu da Música (Lisboa, Estação de Metropolitano do Alto dos Moinhos, ver exemplares de José Bruno e António Augusto dos Santos).

A publicação do método de Manuel da Paixão Ribeiro no ano de 1789, onde o cordofone é associado a um repertório de salão que remete para a fidalgia e burguesia (modinhas e minuetos), e o seu fabrico na oficina dos irmãos Brunos, no Paço do Conde, nas décadas de 1850 e 1860 dão-lhe ecos de uma preocupação e exigência no que concerne ao seu contexto, estudo e fabrico.

Também no apogeu do seu destaque no seio da recepção musical (entre os executantes) por volta de 1960, salientam-se entre essa exigência e foco na credibilidade de execução/produção continuadores como os construtores/executantes  António Augusto dos Santos e  Raul Simões. Este último, que acompanhava a cantadeira Estela Abrantes revelando notável mestria na execução dos rasgados, alternados com “pancadas” de tampo. Raul Simões é referenciado, por quem conviveu com ele na sua oficina no bairro de Santana, não só pelo seu papel na  construção de violas como na mestria com que percutia e ''rasgava'' o instrumento.

Actualmente, há músicos que retomam o som e musicalidade deste instrumento. Na recolha de entrevista no âmbito deste trabalho (História Oral, 29 de Abril de 2013) feita ao músico Amadeu Magalhães ele expressa algumas das características individuais das várias violas que toca, reflectindo que há uma proximidade entre a toeira e braguesa no modo de as executar.

 

Notas

Fotografias de Violas construídas por Raul Simões.

Vídeos de execução de viola toeira por Raul Simões e viola da terra e toeira por Rafael Carvalho e Amadeu Magalhães.

Bibliografia usada na pesquisa:  Nova Arte da Viola, 1789, Manuel da Paixão Ribeiro, Música Popular Portuguesa de Armando Leça, Instrumentos Populares Portugueses de Ernesto Veiga de Oliveira, Elementos para a abordagem da Tocata Tradicional Mondeguina, Blogue Guitarra de Coimbra, de António Manuel Nunes.

Tampo em pinho, ilhargas e costas em pau rosa

Tampo em pinho, ilhargas e costas em pau rosa

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Entrevista sobre Mural Sonoro para FCSH - Universidade Nova de Lisboa

Entrevista sobre Mural Sonoro para FCSH - Universidade Nova de Lisboa

A autora do projecto Mural Sonoro foi convidada pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa para um diálogo sobre este trabalho. O resultado da entrevista foi, entre outras redes desta universidade, publicado aqui.

1)Transcrição da entrevista do Blogue da FCSH-UNL/2)Transcrição para inglês de Luís Peres

O projecto “Mural Sonoro” da responsabilidade da nossa antiga aluna Soraia Simões da Pós-graduação em Estudos de Música Popular, tem por objectivo o estudo e divulgação das práticas musicais e manifestações culturais locais em Portugal, associadas à migração e à diáspora. Leia a entrevista realizada a Soraia Simões sobre este projecto:

Como surgiu a ideia de transpor um trabalho da pós-graduação para um projecto como o Mural Sonoro?

Este Projecto começou por ser um Blogue criado em 2009 e reunia sem qualquer linha de estudo à altura um considerável conjunto de entrevistas que fui pontualmente fazendo a músicos e compositores portugueses e estrangeiros para publicações locais com as quais colaborava desde 1999 em “part-time”.

 

Com o curso que fiz e os conhecimentos científicos teórico-práticos que adquiri acerca das práticas musicais, a teoria e método da etnomusicologia e os processos de produção e recepção musical transformei esse acervo inicial numa ferramenta de utilidade não só para o conhecimento dos processos de produção e recepção musical em Portugal, como para as comunidades de prática com que me tenho vindo a envolver no contexto da Música Popular dentro de universos musicais com características próprias, que se sentem valorizadas com esse cuidado e preocupação (os construtores de instrumentos, os detentores de espólios particulares inestimáveis, os autores, os compositores e intérpretes), mas também para a grande maioria dos públicos que raramente tem acesso, julgo que devido à fraca tradição musical, cultural e científica que o nosso país tem e ao desconhecimento sobre o estudo sobre músicas e cultura popular, e a meu ver poderia, dada a forma como ia expondo as recolhas de dados, de novas entrevistas que vim a fazer, as sessões mensais de conversa de entrada livre no Museu da Música (entidade parceira) sob temas abordados nessas entrevistas, contribuindo para o aproximar desses conhecimentos e numa última instância: colocar a comunidade no geral e a institucional que pode decidir a comprometer-se com a valorização da Música como se compromete com outras culturas em Portugal num plano de desenvolvimento educativo, social, económico e até político-ideológico.

 

Tendo eu noção, analisando as reuniões de trabalho que fui tendo nos últimos dois anos por causa deste trabalho, que os últimos três itens parecem quase impossíveis de conceber na cabeça de grande parte daqueles que decidem. Mas, é algo em que acredito. Tal como acredito que seja possível o Estado deixar de olhar para a ideia de ter um Arquivo Sonoro como se de uma Fonoteca se tratasse. Talvez seja fácil de entender porque é que há tantas ‘’Fonotecas’’ ao invés de um Arquivo, à excepção da de Coimbra, não é só por uma mera questão de “linguagem apelativa ou turística”.

 

 Que expectativas tinha para o trabalho que está a desenvolver e de que forma elas foram atingidas ou superadas?

Achei no início que as comunidades de prática (considerava isso no fado por exemplo. Agora sei que era uma ideia pré-concebida) se fechavam em si mesmas, que seria muito difícil eu dialogar com os seus agentes sem esbarrar em discursos formados e impenetráveis, que eu ia ser “a de fora” e que havia uma forte probabilidade de me verem, e se eu conseguisse gravar uma que fosse entrevista, como alguém que podia ser um veículo para a sua promoção, divulgação emitindo-me apenas o que lhes interessava dizer. Estava enganada. Andei quase um ano a conviver com os tocadores, as casas de fado, os músicos, ainda hoje fico até às tantas da manhã e nem registo nada, acho até que os momentos mais descritivos são aqueles que não vão ficar registados. Não só no fado. E acho que a envolvência que assumi, o facto de ficar muitas horas a digitalizar informação e a fazer-lhes perguntas me abriu a porta de um modo que nunca esperei quando finalmente disse que queria começar a recolher entrevistas com eles. Portanto, as minhas expectativas iniciais eram apenas de reunir informações, o máximo das que conseguisse, para mais tarde ter dados que eu mesma tinha recolhido, e não baseada apenas em bibliografia alheia, para fazer uma tese.

As minhas expectativas foram mais que superadas, aprendi que tínhamos afinal todos a mesma vontade: enriquecer, contextualizar e valorizar as suas práticas e as relações de proximidade e ambiente colaborativo e quase familiar começaram a sustentar este trabalho, mais até que as horas que ainda passo de bibliografia em bibliografia. O Mural Sonoro cada vez fez na minha cabeça e na vontade que assumi mais sentido.

- Considera que este é um trabalho que ainda não estava feito? Como pensa continuar a desenvolvê-lo e expandi-lo?

Considero, sim.

E explico-lhe melhor porquê: acho que existem trabalhos cujo enfoque pode ser o mesmo, o caso da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX sob a coordenação da professora Salwa Castelo-Branco, mas a forma como é abordado termina no momento em que a Obra é editada e publicada, no caso do Mural Sonoro há um trabalho que vive a cada dia, a cada etapa, onde há a disponibilização deste trabalho por temas que são assuntos recorrentemente levantados nas conversas gravadas, as recolhas de entrevistas gravadas e transcritas e as Sessões que ficarão na Fonoteca do Museu da Música para consultar, onde existirão publicações e registos documentais e sonoros no âmbito e onde existe uma base de dados que metodologicamente entrelaça o método etnográfico com a pesquisa bibliográfica e criação de uma nova leitura no âmbito. Estará em frequente actualização e poderá servir vários campos de acção: a investigação, as comunidades de prática, os estudantes, os autores e até os meios de difusão.

Expandir este trabalho prender-se-á com algo que desejo há muito. Ter um espaço onde situar todo o trabalho desenvolvido. Um Espaço físico que funcione como Centro de Documentação e Investigação que crie Parcerias com Universidades e Escolas do Ensino Preparatório e Secundário, além da que tenho desde o ano de 2013 com o Museu da Música onde as sessões mensais se realizam.

Um Espaço que na sua base tenha o Arquivo do Mural Sonoro com as entrevistas na íntegra, as transcrições, etc. e um auditório onde exposições de instrumentos que foram gravados, apresentações de construções de instrumentos, aulas com alguns dos músicos gravados, aulas de instrumentos específicos para crianças que não têm acesso ao ensino musical gratuitamente, congressos no âmbito, pequenos espectáculos e intercâmbios com músicos e investigadores estrangeiros possam acontecer.

Um objectivo que dependerá de conseguir ou não esse espaço na cidade de Lisboa. Uma Associação já temos. Foi feita esta semana e nela estão sócios sem vínculos e fundadores que formam o corpo de trabalho que vivem em Portugal e no estrangeiro (Brasil, Londres, Hong Kong) com os quais tenho colaborado e eles comigo.

- Qual tem sido o aspecto mais gratificante na elaboração do Mural Sonoro e na sua divulgação através de site e redes sociais?

O reconhecimento que o trabalho foi tendo, especialmente no meu campo de trabalho, e o facto de parte do trabalho, já que só parte é disponibilizado online, servir como uma das fontes sobre práticas musicais em Portugal, sobretudo as de cariz profissionalizante, para Investigadores, com os quais tenho trocado experiências, da Universidade de Campinas, em São Paulo.

Project 'Mural Sonoro' 

Published 17 February, 2014 by FCSH/NOVA

 

The  project  'Mural  Sonoro,' the responsibility  of  our  former  postgraduate student  in  Estudos  de  Música Popular [Studies  in  Popular Music]  Soraia  Simões,  aims  at studying  and  promoting musical  practices  and cultural expressions associated with migration and the diaspora. Read the interview with Soraia Simões about this project.  

 

‐ How did the idea of developing your post‐graduate work into a project like Mural Sonoro come about?   

This  Project started  out  as  a  blog  created  in  2009  and  it  comprised,  without  any  adequate  investigative approach, a considerable amount of interviews with Portuguese and foreign musicians and composers which were regularly conducted by me and were destined to local publications with which I had been in part‐time collaboration since 1999. 

Through  my  degree  and the  knowledge that  I  gained  – scientific, theoretical  and  practical  –  of  musical practices, the theory and method of ethnomusicology, and the processes of musical production and reception, I changed this initial collection into a user tool. My aim with this tool was beyond facilitating knowledge about the production and reception of musical processes in Portugal; I also wanted it to be used by the musical communities with whom I've been involved in the context of Popular Music within particular musical spheres, who feel  valued  by the  care  and  concern (the  instrument makers, the  holders  of  particular  heritages  of inestimable value, the authors, composers and interpreters). Additionally, it was also meant to be used by the great number of audiences who seldom have access to this kind of information – probably on account of the poor musical, cultural and scientific background in our country, as well as the lack of awareness regarding the study of music and popular culture. I believe they could gain this access through exposure to the data, the new interviews conducted by me, the monthly talks at the Museu da Música [Music Museum] (our partner entity) which  are free  of  charge,  on themes discussed  in those  interviews.  These  have been  contributing to the narrowing of the distance between the audiences and this knowledge, ultimately placing the community in general, and the professional, who may decide to commit themselves to valuing Music in the same way as they commit  to  other  cultures  in  Portugal,  within  an  educational,  social,  economic,  and  even  political  and ideological development strategy.  

I'm well aware, upon considering the work meetings attended in these last two years whilst working on this project, that the last three items seem almost impossible to take shape in the mind of the majority of those calling the shots. But this is something I believe in – as I also believe that it's possible for the government to start conceiving the idea of a Sound Archive as something more than an audio library. Perhaps it's not so difficult to understand why there are so many "audio archives" instead of an Archive, apart from the one in Coimbra. It's not merely an issue of 'catchy or touristic parlance.' 

‐ What were your expectations regarding the work you're doing and to what degree were they fulfilled or exceeded?   

In the beginning I had a preconceived idea that musical communities (I thought in this way about fado, for instance) tended to build a wall around themselves; that it would be quite difficult to engage in a dialogue with their agents without clashing against fixed and indecipherable discourses; that I would always be seen as 'the outsider' and that there was a strong probability of being seen ‐ and this even if I did manage to record a single interview  ‐ as someone who might be a useful vehicle for self‐promotion, with the result of being told only what was in their interest to divulge. I was wrong. I spent almost one year among instrument players, fado houses, and musicians – as I still do – often until the early hours in the morning, without making any records. I even think that the most illustrative moments are those which won't end up in the archive. And this didn’t only happen within the fado community. I also believe that by way of my commitment, by the fact that I've spent many hours digitising information and asking them questions, I had the door opened to an extent I never expected when I finally informed them of my plan to start gathering interviews. So, my initial expectations were only to gather information, as much as I could, so that later I could have my own data, instead of other people's bibliographies, to complete my thesis.    

I  far  exceeded  my  expectations.  I  discovered  that,  after  all,  we  entertained  the same  wish:  to  enrich, contextualize and value their practice. And the intimacy, as well as the collaborative and almost family spirit we achieved, began sustaining this work, even more than the hours I still spend jumping from one biography to another. As my ideas became clearer and my determination stronger, the project Mural Sonoro began to make ever more sense.   

‐ Do you consider this work to be absolutely innovative?  How are you planning to develop and expand it?  

Yes, I do.  Let me explain why: I believe that there is already work which may focus on the same, such as the Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX [Music Encyclopaedia in Portugal in the XX Century], overseen by Salwa Castelo‐Branco, but the effort stops after the work is published. It's different with Mural Sonoro where there is an ongoing  effort, step by step; where the recurrent subjects raised  in our recorded meetings  are made available, the  collection of interviews which are recorded and transcribed, and the Sessions which will be archived  and  available to the  public  in the  audio  library  at the  Museu  da  Música;  where there  will  be publications as well as audio and physical archives within that framework; and where you can find a database where the ethnographic method and the bibliographic research combine to produce a new take on this field.             

This will be  continuously updated and it may be useful for different fields of action: for research, for the practice communities, for students, for authors and even for media broadcasts.  

Expanding this work  is something  I've been wishing to do for  a  long time.  To have  a space where  I  can assemble all the work produced. A physical Space that works as a Documenting and Research Centre that allows me to create partnerships with Universities, Prep and Secondary Schools, beyond the work I've been doing with the Museu da Música since 2013 where the monthly sessions are held.    

A  Space based on the Archives of the Mural Sonoro, with all the interviews, transcriptions, etc., and anauditory where we could exhibitthe instrumentsrecorded, have workshops on constructing instruments, offerlessons by some of the musicians in the archive, as well as lessons on specific instruments for children who don't  have  access  to  free  musical  education,  conferences  within  the  field, small  performances,  and  an exchange programme with musicians and researchers from abroad.  

This is a goal dependent on whether I manage to get facilities in the city of Lisbon or not.  We already have an Association. It was created this week and its members include partners without contractual obligations and founder members living in Portugal and abroad (Brazil, London, Hong Kong) with whom I've collaborated.

‐ What was the most gratifying aspect so far of building and divulging Mural Sonoro via websites and social networks?  

The recognition thework has been receiving, especially in my field of work, and the fact that that part of the project, since only a part of it is available on‐line, is being used as one of the sources concerning musical practices in Portugal, particularly those of a professional nature, used by researchers with whom I've been exchanging experiences, from the Universidade de Campinas in São Paulo.  

Luís Peres, London Metropolitan University, trad.