Primeira Parte: Fados em contexto de tertúlia
Durante muito tempo a literatura e documentação (televisiva, radiofónica) existente no domínio do fado foi assumindo uma dualidade que, embora hoje não tão presente, marcou profundamente a sua leitura na sociedade portuguesa: ou se era a favor do género e se enaltecia a paixão pelo mesmo ou se era contra e o repúdio ou o ódio faziam-se notar por todas as vias possíveis. Ainda hoje, ou se gosta muito ou se detesta, diz Nuno Siqueira advogado de formação, coleccionista, gravado em entrevista para o Arquivo Mural Sonoro e presença assídua nas Tertúlias de Fado e Guitarradas desde os anos de 1980 em várias Casas e Retiros, primeiramente no Arreda em Cascais, propriedade outrora de outro entusiasta, estudioso e dinamizador do género: José Pracana, também gravado para o Arquivo Mural Sonoro; e posteriormente Casa Cordeiro, também conhecida por ‘’Morangueiro’’, em São João do Estoril; Adega do Ribatejo no Bairro Alto; nos anos de 1990 por Colectividades como: Vendedores de Jornais Futebol Clube na Rua das Trinas; Santos Futebol Clube; Comuna 2 em Alcântara; Luís Vaz de Camões à Rua dos Remédios; Senhor Fado, também na Rua dos Remédios, entre 2008 e 2013; ou desde 2013 no restaurante A Muralha-Tasca Típica numa tertúlia que tem atraído no último ano amadores e profissionais uma vez por semana, de várias idades e esferas sociais.
No âmbito recreativo e de espectáculo, um pouco por todo o mundo, a articulação entre este domínio local e o estrangeiro foi permitindo um maior alcance sobre a sua receptividade, apesar de, mesmo assim, como poderá verificar mais à frente deste texto, nele coexistir uma contínua resistência durante quase todo o século XX, que só se diluiria a partir da década de 1980 com os estudos de Joaquim Pais de Brito no ISCTE (veja-se Fado, um Canto na Cidade em Etnologia I, ano de 1983, pp. 147-186) e o início dos trabalhos levados a cabo pelo Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos de Música e Dança da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (INET-MD), como seja a Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, dirigida por Salwa Castelo-Branco (Círculo de Leitores, Lisboa, 4 volumes, 2010) também gravada em entrevista para o Arquivo Mural Sonoro.
Ercília Costa, Maria Alice e mais tarde Amália Rodrigues, cuja primeira internacionalização se dava no ano de 1943 quando, a convite do Embaixador de Portugal Pedro Teotónio Pereira, actuou em Madrid, situando-se a segunda presença além-fronteiras nos anos de 1944 e 1945 no Brasil, este último ano onde gravaria, sob a etiqueta Continental, dezasseis temas, foram contribuindo para que um maior interesse pelo aprofundamento da reflexão crítica sobre o fado acontecesse, seja a partir de fontes poéticas tradicionais, pelo seu papel nem sempre bem visto num plano transnacional, seja pela ligação da lírica deste universo musical às problemáticas da esfera social e política que marcaria a existência diária do género dentro das comunidades populares, onde se criava e recriava no seio de uma outra dualidade: por um lado a sua vivência durante a ida para a guerra (1914-1918), por outro o seu não sucumbir face ao regime político posteriormente em vigor (1928).
Tanto no contexto de uma grande guerra, como no do movimento operário e até à sua intervenção política asfixiada pela censura do Estado Novo, a memória viva sobre este domínio é diversificada e patenteada especialmente através da recriação ou reinterpretação permanente das suas letras e poesias, que foram acompanhando a mobilidade das esferas sociais e o paulatino reconhecimento do género e ‘culminaria’ (no plano da aceitação e da receptividade) já com o seu reconhecimento na UNESCO ao integrar, em Novembro de 2011, a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Também nos processos de transmissão de saberes e de repertórios poéticos e musicais, nomeadamente através do surgimento dos meios de difusão, o relacionamento entre os meios rurais, o cosmopolita e o urbano tornam-se mais evidentes muito embora de alguma complexidade, dado à celeridade das transformações operadas internamente e aos processos de transmissão oral e escrita que passaram a conviver com o papel assumido pela rádio e televisão.
Desde as primeiras inscrições literárias ou documentadas acerca da prática do Fado em Lisboa que os testemunhos sobre as alterações sociais foram explorados, quer de um modo implícito como em alguns dos casos explícito. Na passagem para a década de 1830/1840 um conjunto de ‘’analistas’’ da prática do fado reflexionavam este domínio cultural e musical, à luz dos seus padrões socio-culturais, como tratando-se de uma expressão popular revestida de uma amoralidade, marginalidade ou pertencente a uma ‘’baixa cultura’’, perspectivas essas expressas habitualmente sem quaisquer rigores de investigação, a não ser meros relatos pessoais no modelo de crónicas de costumes. Mas, também no plano da investigação e da literatura o ambiente hostil relativamente a este domínio esteve explícito, quer nos trabalhos de Teófilo de Braga (História da Poesia Popular Portuguesa, Tipografia Lusitana, 1867) e Leite de Vasconcelos a respeito dos Estudos sobre Culturas Populares, como em alguns textos de Eça de Queirós, Fialho de Almeida ou Camilo Castelo-Branco, entre outros, para quem o Fado era sintomático de uma decadência cultural da sociedade oitocentista (Dançava o Fado à noite nas Tabernas, diz o poema ‘’Marialva’’ de Alexandre da Conceição incluído no Cancioneiro Alegre de Camilo Castelo-Branco). Rejeições relativas ao género que seriam perpetuadas no século XX por intelectuais de esferas político-sociais não coincidentes como Luís Moita (O Fado Canção dos Vencidos, Empresa do Anuário Comercial, 1936), António Arroio, Fernando Lopes-Graça ou António Osório. Se por um lado, para Luís Moita e António Arroio a permeabilidade do género face às interculturalidade e transnacionalização verificadas não permitiam afirmá-lo como género emblemático ou identificativo português e lisboeta; por outro lado as visões esquerditas de António Osório e Fernando Lopes-Graça viam no género um rosto de aparente fatalismo, tristeza, cinzentismo ou morbidez impossível de compatibilizar com as suas visões sociais progressistas que primavam pelas lutas frequentes numa mudança do panorama social vigente.
A designação de fados operários que fui por vezes escutando nesta viagem pelos ambientes amadoristas de tertúlia, que a espaços incluem alguns profissionais, da prática do Fado em Alfama levou-me ao registo de testemunhos baseados nas memórias descritivas dos («meus») interlocutores e a uma tentativa de compreensão das relações de alguns intérpretes de Fado com esta designação. Foi assim que, por sugestão do violista e compositor de Fado Vital de Assunção, figura pontual das Tertúlias em Alfama, encontrei e registei algumas letras dos seus avô e bisavô censuradas e a expressão de ‘’poeta vermelho’’ referente a um deles (Martinho de Assunção), bem como a alusão frequente durante as conversas que fui travando com Vital ao Fado Lenine da autoria do seu bisavô. A exaltação pontual desta designação pareceu-me igualmente importante, apesar da representatividade a respeito da temática em grande parte da literatura contemporânea no início da minha convivialidade com o Fado se me apresentar exígua.
À relação pessoal e frequente, iniciada no ano de 2013, com o ambiente em volta da tertúlia em Alfama e os seus participantes/executantes, juntaram-se as recentes conversas mantidas com Ruben de Carvalho (Historiador, autor de Um Século de Fado, Lisboa Ediclube, 1999; As Músicas do Fado, Clube das Letras, Colecção Campo da Música, 2005) ou o livro O Fado Operário no Alentejo da autoria de Paulo Lima, editado pela Tradisom em 2011, e cruzaram-se leituras sugeridas nestas conversas e onde pude comprovar o teor de uma agitação social e reflexão política que envolvia as suas obras no início do século XX, como A Triste Canção do Sul de Alberto Pimentel, editado pela Livraria Central Gomes de Carvalho no ano de 1904 e reeditado pela Dom Quixote no ano de 1989.
O ambiente de tertúlia, o qual visito de quinze em quinze dias, em Alfama foi o prenúncio que daria continuidade a um conjunto de constatações acerca deste vasto universo e de outras das suas particularidades, para lá dos palcos. A disponibilidade semanal de Nuno Siqueira em me abrir as portas da sua Colecção e Biblioteca foi-me permitindo apreender a existência de uma série de textos que reconfirmariam algumas das conversas que vamos mantendo entre os fados da Tertúlia semanal (para mim quinzenal).
A partir do repertório cantado nestas tertúlias fui ao encontro dos textos escritos. Percebi, claramente, que havia partes distintas nestas tertúlias semanais e que elas continuam a ser não só uma extensão da vivência do Fado entre as camadas mais populares, com os seus modus operandi de acordo com as suas aspirações, conhecimentos adquiridos e vivências, como entre as elites mais eruditas, mas ainda entre os ambientes amadorísticos e os profissionalizantes, que mesmo fora do ambiente de/desta Tertúlia em que esta primeira parte do texto se pretendeu focar, se relacionam. Por vezes com ambiente de grande intimidade, outras vezes de alguma demarcação territorial balizada fundamentalmente pela escolha dos repertórios.
Estas Tertúlias que têm em Nuno Siqueira o ‘meu anfitrião’ congregam um conjunto de pessoas de faixas etárias e esferas sociais e políticas impossíveis provavelmente de se encontrar ou conviver sem ser num ambiente destes. Uma fadista que tem discos gravados e trabalha num restaurante em Alfama (Susana Rodrigues), um engenheiro agrónomo que canta (Eduardo Falcão), um engenheiro civil que toca (José Burnay), uma jurista que canta (Maria da Luz Mesquitela), uma reformada que ali se junta para o mesmo (Maria Júlia), um profissional do fado que é sempre diferente, uma doutoranda oriunda de Nápoles com tese na área de Estudos Literários sobre o género que ali canta e ensaia (Martina Maffione), um advogado que toca guitarra, tem letras registadas no âmbito e é coleccionador (Nuno Siqueira) e os menos assíduos Vital D’ Assunção (violista e compositor de fado), José Pracana (estudioso, guitarrista e entusiasta do género) ou Daniel Gouveia (estudioso, letrista, intérprete e entusiasta) entre os e as que todas as semanas se vão juntando ao ambiente criado.
Grande parte das suas visões do mundo e do fado em particular ficam patentes no jantar antes dos fados e nos intervalos de cada actuação, não só nas observações que emitem como através da escolha dos seus repertórios. Passamos de um fado com conteúdo mais jocoso, humorístico a um intervencionista, ou a um fado com uma estrutura melódica mais tradicional. E também se discute política. Não esquecerei de uma das acérrimas discussões entre fados naquela mesa, que é desde 2013 a mesma com os mesmos lugares reservados mais os livres para os que se espera que venham, sobre a política actual, um debate aceso entre um defensor do regresso do regime monárquico e um marxista convicto, de quem não estou autorizada a revelar nome, que me acabaria entusiasmado por oferecer umas gravações dos programas de rádio que gravava na República da Guiné em 1970 às escondidas – emissões do PAIGC. É o único espaço em que se calhar era possível eu conhecer e estar com estas pessoas. Não por nada de especial, mas porque as nossas vidas diárias ou profissionais não coincidem, nem mesmo o nosso modo de ver o mundo, só o fado para nos unir, diz no jantar que antecedeu uma das Tertúlias uma das figuras residentes, José Burnay, engenheiro civil de formação, que tal como Nuno Siqueira começou cedo a tocar de um modo amadorístico em espaços nocturnos onde foi conhecendo muita gente do fado. Dos anos de 1974 no Arreda, ao Viela do Sérgio Dâmaso ali para os lados do Príncipe Real, ao Solar da Hermínia, Forte do Rodrigo, Senhor Fado, eu sei lá. Também tenho cadastro aqui, apesar de não fazer disto vida. É uma paixão. Uma paixão que nos une.
Curiosamente os repertórios cantados nestas tertúlias semanais em Lisboa, alguns deles, já os tinha escutado na infância em Coimbra. Numa reminiscência induzida pelas minhas histórias cheguei a lembrar e a comentar nesta ‘’nossa mesa semanal’’: eram fados que a minha avó Laura, oriunda dos arredores de Coimbra, Semide em Miranda do Corvo mais precisamente, cantava durante as tardes quando regressávamos da escola! E eram mesmo, com pequenas alterações é certo, à capela e sem guitarra, muitas vezes com uma marcação de palmas e até bater de pés, mas eram algumas das suas cantigas enquanto nos preparava, a mim e às minhas primas, o lanche. O que ela mais cantava era o Fado Menor do Porto disse um dia ao violista Vital De Assunção e, já fora deste circuito de tertúlia, ao violista (viola baixo) Joel Pina, que também gravaria para o Arquivo Mural Sonoro. O que será explicado pelo facto de, como escrevi no início, a difusão e comunicação de massas, quer através da rádio como da televisão, ter possibilitado a um conjunto de pessoas de outras áreas geográficas, tanto no litoral como no interior, fora do meio cosmopolita lisboeta, a apreensão de alguns dos repertórios e os adaptassem algumas vezes no seu contexto rural. Ideia também reforçada por Joel Pina (viola baixo que acompanhou Amália Rodrigues até ao seu fim de percurso), oriundo da aldeia do Rosmaninhal, em conversa comigo. Em Idanha-a-Nova, no Rosmaninhal, comecei por ouvir a Maria Alice na grafonola de um vizinho e depois na rádio.
Sem dúvida que o modo como as melodias de cariz urbano foram apropriadas em contextos periféricos, afastados do centro (Lisboa) e se integraram no universo das práticas tradicionais expressivas de cada uma destas regiões se deveu em grande parte, na minha óptica, à presença da gravação sonora e sua comercialização, assim como da sua difusão através dos meios de comunicação de massas, que naturalmente amplificaram o Fado dentro e fora de Portugal. Tarefa conseguida a par, embora com maior eficácia, da aparentemente conseguida no regresso dos emigrantes portugueses, durante as férias festivas anuais, às suas vilas ou aldeias. Durante muito tempo no Luxemburgo e em Toronto as pessoas viviam um Portugal e um fado que já nem Portugal vive em si, dizia em Janeiro Eduardo Tereso, também engenheiro de formação, apaixonado pelo fado, ‘estudioso no oculto’ e figura habitual nas Tertúlias. A ideia mantida e perpetuada pelos emigrantes portugueses dentro das suas comunidades, talvez como forma de legitimarem a presença portuguesa através da impressão da sua cultura no estrangeiro, entre Sociedades de Recreio, Colectividades e algumas Casas de Fado de imigrantes conterrâneos lá, especialmente entre os anos de 1970 e 1990, era a de um ‘’Portugal Musical’’, nomeadamente no domínio do fado, inalterado, que não se deixou acompanhar pelas mudanças estruturais da sociedade e da própria Música Popular, como o que aqui deixaram antes de partir, e há uns anos era dificílimo demovê-los dessa ideia (....) Já ninguém canta ‘’É uma Casa Portuguesa’’, nem ninguém vive já amarrado a um xaile (…) agora há coisas que convém manter. Fazem parte do fado, refere Maria Júlia, aposentada mas figura habitual da tertúlia, numa das noites, ideia com a qual Susana Rodrigues, fadista e trabalhadora de uma casa de fados em Alfama que, entre furos e folgas, dá um salto à Muralha para acrescentar a sua interpretação na tertúlia e visitar o meu viola preferido, replica tantas vezes, quando é achada por lá. Hugo Cação, violista de fado que acompanha com regularidade Alice Pires (artista de revista e fadista), e é outra das figuras assíduas do encontro semanal.
Através da atmosfera de proximidade criada numa Tertúlia semanal com traços tão heterogéneos é possível perceber que o afastamento entre rural e urbano é tão presente quanto a sua aproximação, e que a analogia ao modo como estas melodias são incluídas no ambiente local fora do seu habitat e a transmissão geracional posterior que essa apropriação implicou faz todo o sentido pelos interesses e aspirações frequentes: a ideia de um meio interior que sonha com a capital e de uma capital que por vezes se vê representada através do interior.
Ao mesmo tempo, num ambiente fora deste de Tertúlia congregadora de dois universos à partida dissonantes, a apropriação local de um contexto urbano com o qual não se quis ou pôde conviver directamente, fez com que o impugnar sobre as suas características contextuais na cidade de Lisboa se perdessem na memória colectiva da maioria das pessoas. Para a minha avó, para mim e para as minhas primas, o Fado Menor do Porto era tão só uma cantiga que a minha avó materna cantava e da nossa memória afectiva fez parte durante largos anos.
O interesse crescente por este domínio, potenciado pelos meios de comunicação e difusão, possibilitou um número grande de informações a seu respeito.
A tese sobre o enraizamento da guitarra portuguesa entre as camadas populares antes do Fado assumir, pelo menos, este nome associando este instrumento musical inicialmente ao acompanhamento feito nos bailes em ambiente rural ao longo do país, mas especialmente na Estremadura (tese defendida por Rodney Gallop), bem como a utilização da guitarra servir para a bailação, fado em versão instrumental ou fado cantado à desgarrada, tese defendida por José Alberto Sardinha. que apresenta nas suas recolhas, situadas entre os anos de 1980 e 1990, alguns documentos do que designa de fados dançados alguns tocados com flauta e com um andamento vivo e apropriado para dançar, é quer uns queiram quer outros arranjem as mais estranhas explicações para justificar o contrário, a inquestionável presença de um modo geral de um género urbano não só na Cultura Popular urbana como no seio da Cultura Tradicional em contexto não urbano, que tanto apropriou, como em alguns dos casos adaptou uma cultura expressiva do centro e a fez coexistir com a sua local. Se pensarmos, fora desta esfera, com o aparecimento de pequenas orquestras e mais tarde, anos de 1970 e 1980, de conjuntos eléctricos fora de Lisboa percebemos que a natureza de um determinado domínio quando aponta um epicentro para as suas práticas e manifestações é porque ela já está, mesmo sem a ‘’intensidade’’ primeira que atingiu a superfície do solo, um pouco espalhada pelo resto das regiões fora dessa superfície ou centro.
Havia letras que eram já uma denúncia à exploração exercida sobre as classes trabalhadoras, e anteriores poemas de oposição à monarquia, entre outros e em Fevereiro de 2014 reparo num trabalho com algum tempo já de Rui Vieira Nery intitulado Propaganda pela Trova: Movimento Operário e Ideal Republicano no Fado de Lisboa até à Ditadura, que veio fortalecer ainda mais a ideia, que foi evoluindo de tertúlia para tertúlia, de que a expressão fados operários exaltada por uns e silenciada, aquando das minhas perguntas, por outros afinal estava aqui contextualizada, através de um levantamento de diversificadas fontes literárias e não só que demonstravam a lógica do seu uso.
Eu tenho muito cadastro no fado, disse numa das minhas visitas à sua Colecção Nuno Siqueira, quase contrastando com o anfitrião sempre cavalheiro que acompanha e elucida sobre algumas das histórias de dentro do género em cada tertúlia onde nos encontramos.
De facto, o cadastro que Nuno Siqueira a jeito de graça reclama, talvez nem esteja só confinado ao momento em que começa a ser presença assídua nas tertúlias e retiros de fado e a coleccionar objectos e documentação relacionados com o mesmo, talvez seja algo ainda mais longínquo e interiorizado dentro do ambiente familiar, já que Nuno Siqueira é primo direito de Teresa Siqueira Archer de Carvalho, mãe da fadista Teresa Siqueira e avó da fadista Carminho, sendo um paralelismo evidente a traçar entre a sua memória familiar e a expressividade de uma prática que abraçou desde muito jovem, mas que representa ou legitima uma série de comunidades populares sobretudo da cidade de Lisboa com as suas idiossincrasias embora simultaneamente inseparáveis quer do contexto global como da cultura popular tradicional.
Na descrição abrangente da primeira parte deste texto, mas que parte de questões que norteiam o meu trabalho de campo, inserida no ambiente de Tertúlia, resolvi destacar alguns dos repertórios tocados e interpretados
Os oito registos no terreno aqui
Registo 1
‘’Variações em Ré’’ – Guitarrada
Nuno Siqueira, José Burnay, Carlos Albino (guitarras portuguesas)
Hugo Cação, Ricardo Caixado, José Infante (violas)
Registo 2
Fado: ‘’Marcha do Alfredo Marceneiro’
Letra: João Ferreira-Rosa
Música: Alfredo Marceneiro
Tema: ‘’Fadista Velhinho’’
Intérprete: Eduardo Falcão
Registo 3
Música: Joaquim Campos
Fado: ‘’Fado Tango’’
Letra: Nuno Siqueira
Tema: ‘’Rosa Vermelha’’
Intérprete: Eduardo Falcão
Registo 4
Música: José Marques
Fado: ‘’Fado Triplicado ’’
Letra: Maria Manuel Cid
Tema: ‘’Passeio à Mouraria’’
Intérprete: Maria Júlia
Registo 5
Música: João Black
Fado: ‘’Fado Menor do Porto’’
(melodia tradicionalmente conferida a José Cavalheiro Jr e posteriormente atribuída ao fadista anarquista João Black)
Interpretação: Eduardo Tereso
Registo 6
Música: Casimiro Ramos
Fado: ‘’Fado Alberto’’
Tema: ‘’Não Passes Com Ela à Minha Rua’’
Letra: Carlos Conde
Intérprete: Susana Rodrigues
Registo 7
Música: Carlos da Maia
Fado: ‘’Fado Perseguição’’
Tema: ‘’ O Meu Rosário’’
Letra: Autor desconhecido
Intérprete: Maria da Luz Mesquitela
egisto 8
Música: Fernando Pinto Coelho
Tema: ‘’Verdes Campos’’
Letra: Maria Manuel Cid
Intérprete: Maria da Luz Mesquitela
referências biliográficas: Alberto Pimentel, A Triste Canção do Sul, Livraria Central Gomes de Carvalho, 1904; António Arroio, O Canto Coral e a Sua Função Social, Coimbra/França Amado; 1909, Luís Moita, Canção dos Vencidos, Empresa do Anuário Comercial, 1936; Fernando Lopes-Graça, A Canção Popular Portuguesa, Public. Europa- América, 1953; António Osório, A Mitologia Fadista, Livros Horizonte, 1974; Joaquim Pais de Brito, Fado Um Canto na Cidade, Etnologia I, 1983; Ruben de Carvalho, As Músicas do Fado, Campo das Letras; Salwa Castelo-Branco, Enciclopédia da Música em Portugal no Séc.XX, Círculo de Leitores, 2010; Paulo Lima O Fado Operário no Alentejo, Tradisom 2011; Entrevistas: Vital D’Assunção, Joel Pina, Nuno Siqueira, José Pracana, Ruben de Carvalho, Arquivo Mural Sonoro