84ª Recolha de Entrevista
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BI: Carlos Alberto do Carmo Almeida é presentemente um dos intérpretes de Fado mais reconhecidos em todo o mundo. Filho único da fadista Lucília do Carmo e do livreiro e empresário Alfredo Almeida, nasceu em Lisboa no mês de Dezembro do ano de 1939.
Nesta recolha de entrevista, de que disponibilizamos uma parte do registo áudio neste Arquivo online, o fadista lembra a importância primeira que as referências musicais que cultivou, fora do universo do Fado, tiveram para si e do mergulho dado posteriormente nas suas origens e nos fados tradicionais e nomes que a eles estavam ligados, quando toma o lugar do seu pai no ano de 1962, após a sua morte, como gerente da célebre Casa de Fados Faia, aberta pelos seus pais quando tinha apenas oito anos e onde a sua mãe foi a principal protagonista e por onde passaram praticamente todos os fadistas emergentes da sua época, reflecte também sobre a importância que a passagem pela Escola Alemã e o Curso Superior de Hotelaria na Suiça vieram a assumir não só nessa tarefa como mais tarde na facilidade com que, quando assumiu o seu percurso como fadista, se veio a expressar fluentemente em francês, inglês, alemão, italiano e espanhol pelos diversos palcos que percorreu pelo mundo a cantar. Mas, fala também do primeiro Fado que começou por cantar, o único que sabia na íntegra, "Loucura" da autoria de Júlio de Sousa, Fado esse que no ano de 1963, e pelo facto de ser elogiado ao cantá-lo e não comparado quando o fez à sua mãe («mas tu não cantas como a tua mãe» disseram-lhe quando o cantou pela primeira vez) que marcou a sua entrada no circuito de gravação, ao ser-lhe pedido para gravar essa faixa, editada num EP do seu amigo, figura bastante popular à época neste domínio, Mário Simões; explica a projecção que este Fado passou a ter na rádio, e que fruto dessa intensa e inesperada aceitação o levaram logo no ano seguinte à gravação de um EP em nome próprio (o fonograma «Carlos do Carmo com Orquestra de Joaquim Luiz Gomes»), mas reflecte também sobre outros lados do seu percurso como a passagem «acidental» pelo Festival RTP da Canção no ano de 1976 onde foi o intérprete escolhido para dar voz a alguns dos temas que ainda hoje canta nos palcos um pouco por todo o mundo (da autoria de, entre outros, José Luís Tinoco ou José Carlos Ary dos Santos), sobre as relações hostis geradas dentro de quadrantes políticos e intelectuais relativamente ao Fado, das interculturalidades que ele tem patenteado nas últimas décadas, da sua fraca relação com os novos dispositivos electrónicos de armazenamento e difusão da música que se faz, entre outros aspectos.
Carlos do Carmo continua a actuar, a gravar e a ser referenciado por um leque grande de músicos e autores da Música Popular no geral e do Fado em particular.
No ano de 1967 a Casa da Imprensa distinguiu-o com o prémio “Melhor Intérprete” e, em 1970, atribuiu-lhe o prémio Pozal Domingues para “Melhor Disco do Ano”, para o seu primeiro álbum, intitulado "O Fado de Carlos do Carmo", editado pela Alvorada em 1969.
Entre um número grandioso de EPs e LPs fazem parte do seu legado fonogramas indispensáveis para uma melhor compreensão da história do Fado como “O Fado em Duas Gerações, Carlos do Carmo e Lucília do Carmo”, “Por Morrer uma Andorinha” ou “Carlos do Carmo”, "Um Homem na Cidade", editado em 1977 pela etiqueta Trova, de que fala nesta conversa e onde o fadista interpreta poemas de José Carlos Ary dos Santos ligados a um grupo de criativas e intemporais composições, de vários autores como José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, António Vitorino de Almeida, Frederico de Brito, Joaquim Luís Gomes, Fernando Tordo, Moniz Pereira ou Martinho d’Assunção; "Um Homem no País" de 1984 que se destaca como a primeira edição em formato Compact Disc de um músico português.
Os seus espectáculos têm, nestes últimos 51 anos de actividade, sido regulares e além-fronteiras em espaços como: Olympia de Paris, Óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, Canecão do Rio de Janeiro, Savoy de Helsínquia, Auditório Nacional de Paris, Teatro da Rainha em Haia, Teatro de São Petersburgo, Place des Arts em Montréal, Tivoli de Copenhaga ou Memorial da América Latina em São Paulo e é no palco que continua a sentir-se vivo e em contacto com as pessoas que o gostam de ouvir e lhe seguem o caminho na música e no fado em especial.
Até ao final do ano de 1979, o fadista juntou à gestão do Faia o percurso artístico e passou a actuar com a sua mãe diariamente na sua casa de fados.
As primeiras digressões foram realizadas no início da década de 1970, com espectáculos em Angola, Estados Unidos e Canadá estreando-se no Brasil em 1973 onde cantou ao lado de Elis Regina, no Copacabana Palace do Rio de Janeiro.
A sua passagem pela televisão seria marcada no ano de 1972 por um programa semanal na RTP que produziria e apresentaria de nome "Convívio Musical" onde acolheu figuras reconhecidas do panorama musical português e internacional.
No ano em que representou Portugal no Festival da Eurovisão na Holanda ( ano de 1976) com a canção "Uma Flor de Verde Pinho", poema de Manuel Alegre com música de José Niza, Carlos do Carmo foi o único intérprete do Festival RTP da Canção desse ano, tendo posteriormente editado o fonograma "Uma Canção Para a Europa", onde se incluíam, para além da canção vencedora, temas como "Estrela da Tarde" (Ary dos Santos – Fernando Tordo), "No teu Poema"(José Luís Tinoco) ou "Lisboa, Menina e Moça"( Ary dos Santos e Joaquim Pessoa – Paulo de Carvalho e Fernando Tordo).
O fadista realizou espectáculos comemorativos, com forte impacte, dos aniversários da sua actividade nomeadamente nos 25, 30, 35, 40 e 50 anos de percurso.
Na comemoração dos seus 30 anos de actividade na música editaria com as Selecções do Reader's Digest a colecção "O Melhor de Carlos do Carmo", onde apresentava um depoimento sobre cada um dos seus discos.
Nos 35 anos de actividade de Carlos do Carmo como fadista edita um CD correspondente ao espectáculo ocorrido para marcar essa data no grande auditório do Centro Cultural de Belém, na soma de 40 anos de actividade o palco escolhido para a apresentação é o do Coliseu dos Recreios em Lisboa, com posterior lançamento de CD e DVD do espectáculo. O Museu do Fado aliou-se a esta celebração apresentando a exposição "Carlos do Carmo: Um Homem no Mundo".
Em 2013 Carlos do Carmo completou 50 anos de actividade e editou «Fado é Amor», fonograma para o qual convidou um conjunto de fadistas de gerações posteriores à sua, como Mafalda Arnauth, Camané, Mariza, Raquel Tavares, Ana Moura, Aldina Duarte, Marco Rodrigues ou Ricardo Ribeiro entre outros. Reuniu do seu vasto repertório onze fados e regravou-os, juntando às vozes escolhidas para o acompanhar de gerações mais recentes, a da sua mãe Lucília do Carmo através de uma antiga gravação procurando, desta forma, prestar-lhe uma homenagem.
As comemorações que assinalaram as cinco décadas de percurso do fadista foram festejadas com dois concertos esgotados no Centro Cultural de Belém, nos quais participou a Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Carlos do Carmo sofreu um acidente durante um espectáculo em Bordéus no início do ano de 1990, uma queda de uma altura equivalente a um andar, que obrigou o fadista a uma longa recuperação. Em Março de 1991 o seu regresso foi feito no Casino Estoril com um espectáculo intitulado "Vim Para o Fado e Fiquei". Nesse ano, a Casa da Imprensa, entrega-lhe o prémio “Prestígio”.
No dia 7 de Novembro de 2007, o fadista apresentou no Museu do Fado o fonograma "À Noite", que reúne textos inéditos de Nuno Júdice, Fernando Pinto do Amaral, Maria do Rosário Pedreira, Júlio Pomar, Luís Represas, José Luís Tinoco e José Manuel Mendes para as músicas de Fados tradicionais da autoria de Armandinho, Joaquim Campos e Alfredo Marceneiro. Um lançamento que seria acompanhado de uma pequena mostra descritiva em torno do álbum.
A participação como intérprete no filme de Carlos Saura valeu-lhe a atribuição, em 2008, do prémio Goya "Melhor Canção Original", para o tema "Fado da Saudade", distinção da Academia Espanhola das Artes Cinematográficas.
O seu sucesso é inquestionável e da História do Fado fazem parte alguns temas célebres popularizados na sua voz.
À data em que esta recolha é efectuada decorre a exposição dedicada à sua obra "Carlos do Carmo - 50 Anos". Exposição promovida pelo Museu do Fado patente desde dia 17 de Abril de 2014 até 28 de Setembro do mesmo ano na Cordoaria Nacional na cidade de Lisboa.
Na exposição, o diversificado percurso do fadista congrega um vasto acervo documental que engloba várias áreas, das artes plásticas aos filmes.
© 2014 Carlos do Carmo à conversa com Soraia Simões de Andrade, Perspectivas e Reflexões no Campo
Som, Pesquisa, Edição, Texto: Soraia Simões de Andrade
Fotografias: Helena Silva
Recolha efectuada em Lisboa na casa de Carlos do Carmo