[1] por Regina Guimarães
Este poema foi escrito na primavera de 2014, quando um pequeno grupo de cidadãos (anteriormente envolvido na luta contra a entrega do teatro municipal à gestão privada, conhecida como RIVOLIÇÃO) do qual eu fazia parte, tentou organizar uma discussão pública acerca do devir dos equipamentos Rivoli e Campo Alegre. Apesar de termos reunido mais de quinhentos apoiantes dessa iniciativa de mais quinhentas pessoas, por meio de um texto posto a circular, a vereação da cultura recusou-se não apenas a acolher esse debate nas salas municipais como a participar nele. O debate acabou por realizar-se no passeio frente à porta principal do Rivoli, com pouco conforto físico para os participantes apesar das cadeiras que na altura arranjámos. Começara a era da cidade líquida e dos seus modos de lavagem.
IDOS E CALENDAS
no tempo em que muitos artistas
eram quase indefinidamente menores e mestres
eles batiam à porta do templo e do palácio
beijavam a mão do prelado
ou o pé do príncipe
na esperança de encontrar uma brecha
onde a liberdade coubesse encolhida
mas depois se dilatasse
fazendo explodir a obra
doravante
o artista amiúde aspira a ser fiel freguês
ou alegre cortesão
a emagrecer a sua liberdade
até ela ser tão-só fissura
nos bastidores
nos corredores
nas sacristias
nas escadarias do poder
para conseguir colmatá-la
graças ao corpo da obra
por vezes obra do corpo
por obra na vez do corpo
esperando obra da vez
[1] poetisa, dramaturga, letrista, cineasta e professora universitária
fotografia preto e branco de Renato Roque