Entrevista de Daniel Hagen, Tradução para português de Helena Perez. Integral
Public. online Website: Lissabon Insider
Lissabon Insider: Por favor fala-nos um pouco de ti. Por exemplo, como cresceste, onde e como começaste por estudar e onde vives hoje?
Soraia Simões: Nasci em Coimbra, no ano de 1976. Cresci até aos 13 anos numa zona periférica da cidade, com um avô pastor que chamava o rebanho com ocarinas e apitos que fazia e uma avó que fazia queijos frescos e os vendia, depois disso vivi na cidade de Coimbra até aos 29 anos de idade, tirando o ano 2000 em que estive uma temporada em Londres, toda a minha adolescência e início da vida adulta foi feita primeiro nos arredores de Coimbra e depois em Coimbra.
Passei por várias formações, mas a que melhor me identifica, e me fez descobrir a minha paixão, foi a pós-graduação que fiz em Estudos de Música Popular no Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, porque despertou em mim o gosto pelo trabalho de investigação e recolha de testemunhos numa área de que gosto especialmente, pela etnografia e etnomusicologia e pelas histórias orais e contemporâneas que enformam a cultura popular em Portugal.
Moro em Lisboa, numa área geográfica em que coexistem diferentes culturas, modos de expressão, religiões, ideologias: a Almirante Reis, mas o meu bairro, aquele onde um dia hei-de ter a minha casa com os meus livros e memórias de percurso e a minha família, é Alfama. Foi um bairro que sempre me acolheu muito bem, quando andei em trabalho de campo a entrevistar intérpretes e compositores da área do fado, mas onde também conheci aqueles que são os meus mais fiéis amigos na minha vinda de Coimbra para Lisboa.
Lissabon Insider: Como começou e o que é exactamente o «Mural Sonoro»?
Soraia Simões: O Projecto Mural Sonoro surgiu durante a frequência do curso de pós graduação em Estudos de Música Popular no Departamento de Ciências Musicais da FCSH, e a partir do ano de 2011 começou a ter por objectivo o estudo e divulgação das Práticas Musicais e Manifestações culturais locais em Portugal, as associadas à migração e as ligadas à diáspora. Em Fevereiro de 2014 foi constituída a Associação Mural Sonoro. Uma Organização sem fins lucrativos.
Ao longo do projecto fui estabelecendo diálogos entre músicos, compositores, directores musicais, pedagogos e construtores de instrumentos, através de debates, conferências e recolhas musicais com o enfoque nos campos da composição, concepção musical, pedagogia, organaria/construção de instrumentos e interpretação.
Em Agosto de 2014 este meu trabalho foi distinguido com o Prémio Megafone Sociedade Portuguesa de Autores.
Metodologicamente ele comporta o método etnográfico com a pesquisa documental, na produção bibliográfica e na constituição de um Arquivo que reúne documentos de ordem variada: entrevistas, colóquios, debates, encontros sobre Música Popular para memória presente e futura, que possa servir a aprendizagem, estudos, abordagem, nova leitura de todos os interessados.
Lissabon Insider: Segundo eu entendi o «Mural Sonoro» é uma plataforma da música portuguesa, uma espécie de de arquivo, com diversidade cultural e musical. Como podem pessoas que não estão familiarizadas com a língua portuguesa usufruir deste projecto?
Se me perguntasses isso há uns 5 anos eu diria que num contexto transnacional o português também tem de estar presente. Porque era muito radical em relação ao modo como defendia a expressão das várias culturas e das suas línguas num contexto global. Isto é: eu vou a Inglaterra ou aos EUA ver um trabalho de alguém que gosto e tenho de falar com ele inglês, mas um inglês se interessa pelo trabalho que eu, ou outro português, cabo-verdiano, angolano, brasileiro, faz espera que ele fale a língua dele, antigamente achava isto uma imposição da cultura anglo-saxónica ou anglo-americana no resto do mundo e queria combater isso. Hoje, acho de facto que o trabalho pode perfeitamente manter as suas características expressando-se numa língua de ampla circulação no mundo. Não há como combater isso. E então, essa lacuna será colmatada no próximo ano. O Mural Sonoro terá de estar disponível em inglês também.
Para já, o facto de eu ter sido convidada para estar como investigadora também no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e do projecto Mural Sonoro passar, a partir de Maio de 2015, a fazer parte do concórcio Europeana Sounds, onde as identificações alusivas às minhas recolhas de entrevistas em arquivo no Mural Sonoro, passarem a estar em inglês faz com que comecem a surgir essas transcrições deste trabalho para essa língua.
Lissabon Insider: Quais os sítios que recomendarias, uma vez que o Mural Sonoro situa o seu trabalho a partir da cidade de Lisboa, para os turistas poderem visitar? Alguns que não fossem muito comuns e que gostes.
Soraia Simões: Alguns dos meus sítios favoritos, onde passo algum tempo: o bairro de Alfama, o Museu do Fado, o Museu da Música, um sítio de amigos músicos chamado TascaBeat, a Mesa de Frades (um dos meus recantos fadistas favoritos), a Cinemateca, o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, uma viagem de barco ao Ginjal do outro lado do rio, o Arquivo Fotográfico que fica na Almirante Reis, a chegar ao Martim Moniz, a cafetaria da Associação Renovar a Mouraria, o Centro de Documentação e a Bibilioteca António Ramos Rosa na Cova da Moura, a livraria Ler Devagar ou um passeio de bicicleta pela Serra de Sintra. Se precisarem de uma estadia, aconselho os quartos que se podem alugar por noite da Cooperativa LARGO Residências no Intendente.
Lissabon Insider: E há alguns sítios turísticos “highlights”, qual a tua opinião sobre isso? O que não nos aconselharias visitar.
Soraia Simões: Isso depende do gosto de cada um, a única coisa que aconselhava mesmo é mais caminhadas a pé pela cidade e menos de TUK TUks e para usarem comboio e barco em vez de carro, que só causa stress e poluição em massa.
Lissabon Insider: Fado é um dos grandes tópicos dos nossos leitores. Que recomendações darias de sítios onde ver e ouvir fado e fadistas que gostes muito?
Soraia Simões: Os sítios onde mais gosto de estar a ouvir e falar com fadistas: Tasca do Chico, Mesa de Frades, Bela Petiscos em Alfama, Maria da Mouraria (que já se chamou Casa da Severa) e que pertence ao Hélder Moutinho, na Mouraria.
Fadistas preferidos vivos tenho vários, será sempre injusto dizer um ou outro nome porque me posso esquecer de alguém. Entrevistei vários para o Mural Sonoro.
Lissabon Insider: Qual o teu sítio preferido para comer em Lisboa?
Soraia Simões: Como não como carne há cerca de vinte anos, tenho sempre um ou dois sítios, quando não como em casa, onde gosto de ir quando posso: Paladar Zen, na Av. Barbosa du Bocage 107, os Tibetanos na Rua do Salitre ou o TAO na rua dos Correeiros. Quando como esporadicamente peixe gosto de ir ao Coura perto da Sé, quando se pode gastar um pouco mais ao Ramiro na Almirante Reis e quando tenho tempo a Almada e Setúbal comer peixe fresco e aí há um conjunto de restaurantes todos bons, é só escolher.
Lissabon Insider: Há alguma coisa que não se deva nunca dizer a um português? No caso dos turistas quando precisam de ajuda.
Soraia Simões: Acho que não. Tudo é possível, cada português é um português.
Lissabon Insider: O que esperas para o futuro de Portugal, quais os teus desejos, e para a cidade de Lisboa nomeadamente.
Soraia Simões: Para Portugal uma melhor distribuição da riqueza existente e um acabar com esta espécie de regime feudalista, para Lisboa em particular uma franca melhoria ao nível da distribuição dos apoios para a cultura e para o incentivo de tarefas necessárias ao desenvolvimento e contextualização do património existente, mas especialmente uma melhor e maior abertura para a questão da higiene nas ruas e o incentivo das ciclovias.
Lissabon Insider: Conseguirias descrever Lisboa numa palavra ou ideia apenas? Se isso é possível.
Soraia Simões: Para mim é muito fácil: o meu amor à primeira vista.
Publicação Original: Lissabon Insider
Fotografia: Alexandre Nobre