Luiz Caracol (músico, compositor)

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Luiz Caracol (músico, compositor)

111ª Recolha de Entrevista
Quota MS_00094


Luiz Caracol é um músico e compositor português nascido em 1976.

Faz parte de um conjunto de outros músicos e autores cujos percursos profissionais iniciaram na primeira metade dos anos de 1990, no seu caso especialmente ao lado de Sara Tavares, com quem trabalhou durante oito anos. O seu primeiro instrumento musical foi a viola, que passou a funcionar, principalmente, como acompanhamento das suas composições musicais.  Ao longo de cerca de duas décadas foi colaborando com um leque variado de outros músicos e compositores (Uxia, Zeca Baleiro, Jorge Palma, Tito Paris, entre outros) e integrou um agrupamento (Luiz e a Lata) que também deixaria dois discos, porém o seu primeiro registo discográfico a solo surge só em 2013 (Devagar) ao qual junta Metade e Meia (2017) — uma edição que contou com o apoio do fundo cultural da Sociedade Portuguesa de Autores. É da edição discográfica a solo tardia que parte esta conversa, das razões para tal, para depois se centrar em parte do seu processo de escrita musical, da composição, do modo como os percursos biográficos da sua família, vinda de Angola em 1975, se entrecruzam com a sua produção musical, os repertórios em concreto, etc.


Fotografias: José Fernandes
2018 Perspectivas e Reflexões no campo

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RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade: Maze (Dealema)

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RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade: Maze (Dealema)

Dossier RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade

[conversa com Maze 1 e 2]

 

O momento em que a prática do RAP deu os primeiros passos em Portugal foi também o momento de afirmação de outras manifestações do «movimento hip-hop» como a dança (breakdance) e a pintura de murais (grafitti, muralismo). Foi ainda o momento em que esta prática assumiu uma missão na cultura popular que outras práticas musicais não haviam representado até então: a de fazer a reportagem das ruas e dos bairros (denominada pelos protagonistas de RAPortagem) alertando para aquilo que era um conjunto de problemas distintivos de uma primeira geração de filhos de imigrantes ou de afrodescendentes nascidos em Portugal, como o do racismo, da exclusão social, da pobreza, da xenofobia. Mas, este primeiro momento de afirmação foi também marcado por um conjunto de outras desigualdades, como as relacionadas com a condição feminina, também aqui exercidas, o que deu azo a uma desvalorização e/ou falta de atenção para os  assuntos relatados nos repertórios e discursos falados das primeiras rappers, como a violência com base no género e o sexismo.
Apesar de tudo, por colocarem no centro, no corpo poético-literário de uma grande parte das suas criações, grupos de população invisibilizados do meio social, os agrupamentos RAP das décadas de 1980 e 1990 constituem hoje um património interessantíssimo para analisar uma parte da história contemporânea portuguesa do período pós-colonial.

O RAP constituiu ainda um relevante objecto de análise às lógicas de actividade verificadas entre os grupos culturais mais vulneráveis no âmbito discográfico e de entretenimento, especialmente aos seus paradoxismos. O  modo como estes actores e estas actrizes despontaram e como, apesar da crítica expressa nos seus discursos falados à conjuntura social e ao modelo de funcionamento das indústrias da música dialogaram e dependeram delas permitiu reforçar um questionamento mais lato sobre uma retórica por demais «romantizada» acerca deste pioneirismo.

Maze, foi um dos integrantes de Dealema — um dos primeiros grupos de RAP que nasceram nas cidades de Gaia e do Porto —, a faixa usada neste excerto de uma conversa maior, realizada no âmbito desta investigação, faz parte do primeiro fonograma gravado, com o título O Expresso do Submundo (1996).

Dealema seria fruto da junção dos colectivos Factor X (Mundo e Dj Guze) e Fullashit (Fuse e Expeão) aos quais se juntaria Maze e deixariam seis registos discográficos.

Nesta conversa informal fala-se, entre outros assuntos, de secundarizações, retóricas visíveis e invisíveis que têm orientado e difundido a primeira década de gravação sonora deste domínio sonoro e cultural em Portugal.

Fotografias

Helena Silva

Notas

Simões, Soraia 2018. « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 7, No 1 | -1, 97-114. Brasil.

Simões, Soraia. 2018. RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril. As margens, o centro, paradoxos e contradições do RAP em Portugal. Esquerda.net.

Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

1) RAPublicar. Editora Caleidoscópio 2017

1) RAPublicar. Editora Caleidoscópio 2017

2) Fixar o (in) visível, Editora Caleidoscópio 2019

2) Fixar o (in) visível, Editora Caleidoscópio 2019

 

Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

Ler por aí…

 

 

 

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Liberdade e luta ideológica na revista Mundo da Canção, por João Vasconcelos e Sousa

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Liberdade e luta ideológica na revista Mundo da Canção, por João Vasconcelos e Sousa


por João Vasconcelos e Sousa [1]


O Mundo da Canção (MC) foi a primeira revista portuguesa exclusivamente dedicada à música popular. Fundada no Porto em 1969, e de periodicidade mensal, foi mantida por jovens estudantes que tinham em comum o gosto pelas sonoridades pop e uma visão crítica do Estado Novo. Como tal, desprezavam o “fatalismo” do fado e o “mau gosto” do chamado “nacional-cançonetismo”, estilos que conotavam com o regime. Em oposição, deram a conhecer à juventude do país os chamados «baladeiros» ou «cantores de intervenção», onde se incluíam nomes como José Afonso, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira ou Sérgio Godinho. O MC também divulgava as últimas «tendências» da pop estrangeira, como os Beatles, os Rolling Stones ou os Pink Floyd, e esteve nas primeiras edições do festival de Vilar de Mouros e do festival de Jazz de Cascais, ambas em 1971. Dois anos mais tarde, um número inteiro da revista foi apreendido pela PIDE e impedido de ir para as bancas. Este artigo aborda os dois primeiros números após o 25 de Abril de 1974, data que marca o início da liberdade de expressão em Portugal mas, também, o começo de disputas políticas insanáveis no MC.

 

Aquelas palavras com que poluíamos o papel eram sempre palavras cruzadas. Passavam bastante ao largo da verdade directa mas não mentiam. […] Quem servíamos? A verdade, ainda que camuflada. E só nós sentíamos como era duro combater com «armas» tão distantes do alvo que visávamos.

É desta forma que a revista Mundo da Canção (doravante MC) se refere, no primeiro número depois da queda do Estado Novo, às limitações até aí impostas pela Censura. Nesse artigo de Maio de 1974, assinado por Mário Correia, também se exalta o facto de ter passado a ser possível escrever “com uma liberdade desconhecida mas desejada”. Assim se celebrava, na publicação portuense fundada em Dezembro de 1969 por Avelino Tavares, a queda da ditadura de António de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano.


Mas a conquista da liberdade de expressão também trouxe uma mudança de fundo na orientação da revista: até aí conotada com uma oposição apartidária, o MC radicaliza o discurso, na linha do momento político que se vivia na sociedade portuguesa, e passa a advogar a defesa do socialismo, propondo-se “construir uma revista popular”. É esse, aliás, o título do editorial do número 39, o primeiro escrito após a queda do regime, que abre com o então director António José Fonseca a citar Mao Tsé-Tung. Em forma de autocrítica, o jornalista declara que o MC “foi sempre uma revista reaccionária”, “onde uns poucos intelectuais pequeno-burgueses davam largas à sua imaginação provocatória”. Realçando que “a arte serve sempre uma determinada classe”, António José Fonseca considera que “é preciso subordiná-la a uma política justa” para “iniciar a construção de uma nova revista finalmente ao serviço dos interesses revolucionários da classe operária e das massas trabalhadoras suas aliadas”.


Esta nova orientação do MC foi, naturalmente, impulsionada pelo fim da censura, que “determinou a transformação radical do sistema de comunicação social” e abriu caminho a que o jornalismo passasse a estar, uma vez liberto das amarras do regime, “em conformidade com a orientação dos diferentes projectos políticos que se foram erguendo na sociedade”. As mudanças de fundo fizeram-se notar, antes de mais, logo na capa da revista, que já não trazia a habitual fotografia de um cantor ou grupo pop, mas sim um comunicado do recém-formado Colectivo de Acção Cultural, composto por nomes como José Afonso, José Jorge Letria, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira ou Luís Cília, e que advogava a paz imediata nas colónias, a “terra a quem a trabalha”, a luta “contra o imperialismo internacional” e a garantia de liberdade.


Talvez devido à azáfama dos dias pós-Revolução, o número 39 traz apenas quatro textos originais, sendo todos os restantes retirados de outras publicações. Ainda assim, um dos artigos produzidos pela redacção da publicação portuense dá bem conta da sensação de se poder escrever, pela primeira vez na vida, sem o sentimento de coacção imposto pela sombra da censura. Mais aliviado do que propriamente eufórico, o jornalista Mário Correia deixa um desabafo no texto com que se abre este artigo: ainda que não mentissem, as palavras do MC pré-Revolução “passavam bastante ao lado da verdade directa”, fazendo com que fosse “duro combater com «armas» tão distantes do alvo que visávamos”.

Número 39: cedido por Avelino Tavares durante o trabalho de pesquisa

Número 39: cedido por Avelino Tavares durante o trabalho de pesquisa


De resto, e apesar de, à primeira vista, a antologia de artigos de outras publicações, que o MC resolveu incluir neste primeiro número em liberdade, parecer limitar um pouco a percepção do que foi a revista durante este período, na verdade ela dá-nos uma ideia bastante precisa da realidade do jornalismo português durante estes dias iniciais do PREC. Desde logo, a vontade, expressa pelo jornal República - e partilhada pelo MC através da publicação do texto – de sanear os meios de comunicação social, e particularmente a rádio, acusados de colaborar com “um regime que acorrentou a informação”.


Entrado numa fase de grande destaque dado aos temas políticos, e marcado “por uma escrita adjectivada, por uma linguagem ideologizada” e, por vezes, “maniqueísta”, é sem surpresa que o MC inclui um texto, desta vez do Jornal de Notícias, que conota Amália Rodrigues com o fascismo. Até então, a revista tinha-se constituído como clara opositora do fado, mas esta era a primeira vez que estabelecia uma ligação explícita entre a mais famosa intérprete deste estilo musical e o regime do Estado Novo. Embora o artigo do JN ressalve que, segundo um porta-voz das Forças Armadas, Amália “não teve jamais qualquer ligação com a PIDE ou a DGS”, não deixa de a classificar como intérprete da “obra-prima do masoquismo nacional” – uma vez que, segundo o musicólogo Rui Vieira Nery, o fado tinha sido apropriado pelo regime e passado a exaltar frequentemente valores como “o nacionalismo e o bairrismo primários” ou os “méritos espirituais da pobreza”. O artigo reproduzido pelo MC lembra que Amália tinha dito, antes do 25 de Abril, que “não há ninguém mais português do que eu! Cheiro a sardinha…”, e conclui chamando-lhe oportunista e atirando: “Cheira a sardinha, D. Amália? Ou cheira a outra coisa?”. Ainda que, num contexto de mudança de regime, se entenda a reacção popular contra o fado, José Mário Branco, um dos mais proeminentes cantores de intervenção, já não pensa assim. À distância de mais de quatro décadas, o músico aprendeu a apreciar este género musical e justifica, numa entrevista feita no âmbito da tese de mestrado que originou este artigo: “no fado, como em tudo, há o bom, há o mau e há o assim-assim. Só que a ditadura, em geral, só nos mostrava o mau”.


Voltando a 1974 e ao MC, a revista contrapõe ao desprezo pelo fado a aclamação da chamada música de intervenção. Através da publicação de um artigo do República sobre o I Encontro Livre da Canção Popular, ocorrido no Pavilhão dos Desportos do Porto a 6 de Maio de 1974, a redacção mostra apoio incondicional a cantores como José Afonso, José Jorge Letria, Francisco Fanhais, Manuel Freire, ou os exilados políticos recém-regressados José Mário Branco e Luís Cília. Agarrando finalmente a oportunidade de poder exaltar a canção de teor político, que sempre protegera e divulgara nos tempos do Estado Novo, o MC cita um texto onde se fala de um público portuense em apoteose, “de punho cerrado no ar”, e a exibir “uma gigantesca bandeira do Partido Comunista Português” que “percorreu várias partes do pavilhão” e que se tornou, assim, prova física “de uma liberdade recentemente conquistada”. Na linha da “refundação cognitiva” que fez a imprensa do pós-Estado Novo recorrer frequentemente “ao clássico pastone, que mistura opinião e informação no mesmo texto”, é importante notar que o artigo não se limita a descrever os acontecimentos e toma um partido claro – por exemplo, ao declarar que o actor Vasco Morgado e o cantor Paco Bandeira, presentes no pavilhão, foram recebidos “como mereciam: com vaias e apupos”, por supostamente terem colaborado com o fascismo.


Crescem as tensões ideológicas na revista


No entanto, apesar de todos os jornalistas do MC partilharem os sentimentos de alegria motivados pelo fim do regime, o ambiente na redacção estava longe de ser harmonioso. A conquista da liberdade de expressão e de associação também contribuiu, no seio da sociedade portuguesa, para um extremar de posições relativamente aos diferentes projectos políticos defendidos para o país, e ao qual a revista também não foi alheia. No caso do MC, a disputa interna deu-se devido a divergências sobre qual o modelo de socialismo a defender, e colocou em conflito partidários do PCP e do MRPP. O número 39 já deixava antever algum mal-estar entre a redacção – por exemplo, quando António José Fonseca escreveu, no editorial já aqui citado, que ocupa “uma posição isolada” na revista, fruto “dos profundos antagonismos que me separam do restante corpo redactorial”, ou quando António Vieira da Silva declarou estar confinado à secção de correspondência da revista, e que a única razão que o fez não abandonar o MC foi o gosto de dialogar com os leitores. Mas, no número seguinte, a situação de ruptura tornou-se ainda mais evidente: em pleno período revolucionário, destacou-se um artigo de três páginas com o título “Mário Correia: Um miserável provocador”. O texto, assinado por António José Fonseca e Octávio Silva, coloca a dupla maoísta em confronto com Correia, militante do PCP, e dá bem conta da realidade vivida nas redacções – e na do MC em particular - durante este período histórico.


A situação que precipitou esta troca de acusações pública foi uma reunião, ocorrida em Agosto de 1974, em que participaram os cinco redactores de então e onde se discutiu o novo rumo da revista. Apenas surgiu uma proposta, vinda dos maoístas, que caracterizava o MC como uma revista feita por “ideólogos pequeno-burgueses” que traíam a luta de classes porque “exaltavam ideais neutros como o pacifismo, a lucidez [ou] a honestidade”, ignorando “a demarcação entre reaccionários […] e progressistas”. Também se acusava a publicação de desprezar o povo, ao desdenhar “dogmaticamente as suas manifestações de arte”, e de produzir textos onde sobressaía a “utilização de linguagem complicada”, que impedia a revista de “viver no seio das massas”. Perante este cenário, dois dos jornalistas – António José Campos e António Vieira da Silva - alegaram “falta de convicção” ideológica para fazer parte do novo MC e abandonaram o projecto.


Sobrou, portanto, Mário Correia, que num primeiro momento aceitou as condições. Tudo se alterou, contudo, no início de Setembro, quando o jornalista explicou ao director Avelino Tavares, por carta, que tinha reflectido e decidido, também ele, abandonar o MC, justificando com as “profundas e iniludíveis desavenças” que o separavam da dupla Fonseca/Silva. Pedindo ao director para informar os colegas da decisão, Correia acusava-os de terem adoptado uma “fachada revolucionária” quando, na verdade, não eram mais do que pequeno-burgueses e “farsantes a fingir fazer história”. Ironizando acerca da proximidade de António José Fonseca e de Octávio Silva ao MRPP ao chamar-lhes “marxistas achinesados”, Mário Correia considerava que a dupla vivia no conforto e que, por isso, não podia ter pretensões de falar pelo povo. Nesse sentido, concluiu com aquilo que considerava ser o quotidiano dos seus antagonistas: “fazer a revolução, sair para as ruas defender o povo e retirar para o conforto do lar burguês, recompondo-se da luta com marisco! Bonito!”.


Se, à distância de mais de quatro décadas, as acusações de Mário Correia podem parecer inauditas e até cómicas, a resposta de António José Fonseca e Octávio Silva não o é menos. Ambos reagem às acusações de forma crispada e classificam Correia como “provocador”, “racista”, “burguês” e “extremamente reaccionário”, considerando que o militante do PCP quer “apoderar-se do controle da revista” e “manter erguida a rota bandeira da opressão, do analfabetismo [e] da cultura podre da burguesia”. Apelando aos leitores para demonstrarem “o seu vivo repúdio perante as manobras contra-revolucionárias” do jornalista em causa, António José Fonseca e Octávio Silva concluem o artigo de três páginas em apoteose: “OS REACCIONÁRIOS DEVEM SER CASTIGADOS! APOIEMOS A IMPRENSA PROGRESSISTA! CALEMOS A VOZ AO MISERÁVEL MÁRIO CORREIA E A TODOS OS LACAIOS DA BURGUESIA! A LUTA CONTINUA! [sic]”.

Número 40. Cedido por Avelino Tavares. Luís Cilia na capa.

Número 40. Cedido por Avelino Tavares. Luís Cilia na capa.


Tendo em conta o tempo que nos separa do período histórico em que tudo isto se passou, é compreensível que a primeira reacção de quem lê esta discussão em 2018 se situe entre a incredulidade e, como já dissemos, até um certo divertimento. Contudo, estes números 39 e 40 do MC, ambos publicados em 1974, são um testemunho precioso acerca dos tempos do PREC, no sentido em que recordam aquilo que estava em causa no pós-Revolução dos Cravos. E a verdade é que, em Portugal, que Salazar descreveu como sendo um país de “brandos costumes”, discutia-se, escassos meses após a queda do Estado Novo, se o caminho era manter o modo de produção capitalista ou abraçar o socialismo – e, como o caso do MC tão bem demonstra, havia até debate ideológico sobre qual a melhor forma de construir a sociedade sem classes. As posições estavam tão extremadas que, por estes dias, o MC deixava a música para segundo plano e transformava-se num espaço de disputa política entre gente que, até bem pouco tempo antes, era camarada de redacção – e, é bom não esquecer, com um passado comum de oposição ao fascismo.


Batalha ideológica: se houve vencidos, também teve de haver vencedores


Todo este cenário aconteceu devido às “décadas de desinformação política, ideológica e cultural” durante o Estado Novo, antítese total da realidade que o 25 de Abril de 1974 inaugurou. Muito antes de se conhecer o desfecho do PREC, com a derrota das facções à esquerda do PS e a emergência da chamada “normalização política”, já a população – incluindo, como se constata, os jornalistas do MC – entrava num período de intensa luta ideológica, tantas vezes simplista e incoerente, fruto do estado de quase “virgindade cívica” que imperava em Portugal e de que fala o historiador António Reis, mas que abalou e pôs em causa os pilares da sociedade.


Não se nega, bem pelo contrário, que boa parte dos textos publicados no MC após o 25 de Abril são, como se viu, precipitados, maniqueístas, intolerantes e profundamente sectários – na linha, de resto, da “manifesta disposição psicológica de jornalistas e intelectuais no sentido de se distanciarem do passado recente”. Contudo, se é ponto assente que a revista era, por estes dias, um projecto marcadamente ideológico – e não se defende, neste artigo, que jornalismo e ideologia tenham de ser conceitos necessariamente separados – julgamos oportuno e até necessário colocar algumas questões.


Com o fim do PREC e a promulgação da Constituição de 1976, o MC continuou a ser uma revista com uma linha editorial marcadamente posicionada à esquerda, por oposição a publicações entretanto surgidas como o Musicalíssimo, o Música & Som, o Se7e ou, um pouco mais tarde, o Blitz (jornal). Num país que tinha encontrado na adesão à Comunidade Económica Europeia a grande razão de ser da sua existência pós-revolucionária, e que queria enterrar em definitivo o ano e meio conturbado em que se falou de socialismo, nacionalizações, ocupações e reforma agrária, a canção de intervenção foi deixando de ter espaço nas rádios, jornais e revistas. Uma das poucas excepções foi precisamente o MC que, até à extinção, em 1985, continuou a dar espaço a nomes como José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho. Nesse sentido, lança-se a pergunta: não terá essa progressiva exclusão dos “baladeiros” do espaço mediático sido também motivada por questões ideológicas? A este respeito, José Barata-Moura declarou, em 1978, que “o facto de a canção política […] não ter o lugar que merece na rádio e na TV é uma lacuna cultural extremamente grave e que tem muito a ver […] com a luta de classes”. E dois anos antes, em 1976, indagava:


A que horas podemos ser de ‘esquerda’? Pergunta do novo ‘marketing’ que se chama ‘pluralismo’ na rádio. Às horas mortas […] pode-se ser um pouco mais de esquerda, mas não muito. Assim, às quatro da matina, põe-se um pouco de José Afonso, Sérgio Godinho, Adriano, Letria […] e daí não vem mal ao ‘pluralismo’. Pelo contrário, ficamos bem vistos, com ‘dados concretos’ para apresentar em contestação, tal e qual como diz a técnica do ‘marketing’.


De igual modo, José Mário Branco também considerou – mais recentemente, em 2016 - existir uma “’macdonaldização’ da expressão artística”, no sentido em que as vozes críticas na música começaram, no pós-PREC, a ser substituídas pelo “diktat da produção disfarçado pela aparência de possibilidade de escolha”. Já José Afonso reagiu desta forma, ao ver o seu álbum Cantigas do Maio ser distinguido pelo Se7e, em 1978, como o melhor de sempre da música portuguesa:


A marginalização do canto de intervenção, que nem o fascismo conseguiu ou teve a coragem de impor, era o fim pretendido. Queriam, no meu caso, colocar-me na prateleira do museu. Mas de uma forma bonita e que sossegasse a consciência desses críticos cor-de-rosa, aliás, sociais-democratas. A forma encontrada foi a de prestarem um culto aparente a um indivíduo cuja actividade antes e depois do 25 de Abril eles próprios propositadamente ignoraram. […] Querem-me fazer uma festa de despedida onde, para gáudio deles, eu teria de dar voltas à pista, agradecer e, para maior prazer da assistência, retirar-me.


Conclui-se, portanto, lançando novas questões: se é verdade que o MC foi um projecto marcada e assumidamente ideológico, sobretudo durante o PREC, não terá sido também ideológica e premeditada a decisão de afastar dos media os cantores de intervenção a partir da segunda metade dos anos 1970? Não terá sido a chamada “normalização política” de 1975/76, no fim de contas, também o triunfo de uma determinada concepção ideológica, neste caso avessa áquilo que muitos dos chamados ''cantores de intervenção'' defendiam nas suas músicas e vida pública?


Mais do que dar resposta a estas interrogações, julgamos pertinente sobretudo formulá-las, no sentido de lançar o debate sobre se a escalada ideológica inaugurada em 1974 foi exclusiva dos sectores posicionados mais à esquerda, tal como diz a narrativa dominante, ou se, por outro lado, não terão existido dois pólos opostos, cada um com uma determinada concepção do panorama cultural e artístico, e ambos a disputarem o mesmo palco. Um deles saiu vencedor, e não foi o pólo em que se situava o MC. No entanto, o legado que a revista deixa é da maior importância para quem quiser compreender como a primeira publicação portuguesa especializada em música viveu aquela que é, ainda hoje, a última Revolução da Europa Ocidental.

 

 

* [1] para citar este artigo: Sousa, João Vasconcelos e, «Liberdade e luta ideológica na revista Mundo da Canção», plataforma Mural Sonoro https://www.muralsonoro.com/recepcao, 9 de Março de 2018.

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RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril: As margens, o centro, paradoxos e contradições (O Independente, Jornal Blitz), por Soraia Simões (parte II)

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RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril: As margens, o centro, paradoxos e contradições (O Independente, Jornal Blitz), por Soraia Simões (parte II)

 

RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril, parte II, por Soraia Simões de Andrade

[publicado originalmente no Esquerda Net]
 

A história do início do hip-hop em Portugal consolidou-se em tópicos que realçaram a sua racialização, a sua estigmatização social e a sua etnicidade. Neste período este enquadramento foi especialmente usado nas condições de exclusão  mencionadas na primeira parte deste artigo. Isso permitiu reforçar mecanismos de identidade que viriam a dar um maior enquadramento aos percursos biográficos da maioria dos/a pioneiros/a.

A notoriedade atribuída pelo hip-hop a um conjunto de realidades vividas no bairro foi dando sentido à causa e ao modo de viver próprios de uma juventude fortemente estigmatizada pela sociedade dominante (Campos: 2007) quer nos EUA como em Portugal. No entanto, quando o RAP deu os primeiros passos no seio editorial, de gravação e de espectáculos iniciou-se também uma retroalimentação com a cultura do centro, alguma de direita, ambivalente, que se tornou a cultura dominante nesses anos (Araújo: 2014), como tal a que difundiu o género com um alcance maior entre a comunidade jovem.

   

Pese embora o facto da contestação estar presente no arranque do hip-hop em território português, e no caso das músicas e poesias RAP ser a opção tomada por muitos, existiu paralelamente a criação de repertórios onde a conotação política ou ideológica não esteve tão presente. O que até se pode justificar facilmente pelo facto desta prática musical dentro desta «cultura urbana» se iniciar, à semelhança do que aconteceu nos EUA, na rua e nela se inspirar, e a rua condensar em si todas as realidades que estimularam e ultrapassavam os seus próprios imaginários criativos, como a discriminação racial (General D. 1994. Portukkkal é um Erro. EMI.), a exclusão social (Zona Dread. 1994. «Só queremos ser iguais». RAPública), o machismo (Abram Espaço. 1997. Djamal. BMG.), mas também a festa (Family. 1994. «Rabôla Bo Corpo». RAPública), o encontro (Black Company. «Nadar». 1994. RAPública), a partilha de referências musicais (Boss AC&Cupid. «Generate Power». 1994. RAPública) e a sociabilização (Black Company. Geração Rasca. 1995. Sony Music; Líderes da Nova Mensagem. 1997. Kom-tratake. Vidisco.) conseguida pela troca de experiências comuns (Simões: 2017).

Os principais actores estabeleceriam uma relação directa com os lugares de onde eram oriundos ou dos quais descendiam, reflectindo a sua experiência ou a do meio cultural onde se inseriram e afastando-se aos poucos do capital cultural americano, que lhes tinha sido referencial numa fase primeira. A reprodução de um estilo «americanizado», onde algumas realidades sociais retratadas se tocavam, próprios de um RAP ainda em gestação deu lugar a um recém-nascido RAP — específico, territorial —, que inscreveu a sua duplicidade nacional, as raízes, ou a natureza das suas lutas nas primeiras produções em forma de verso. Fê-lo de modo mais e menos claro (metafórico) registando as suas músicas, nomeadamente os seus repertórios poético-literários, ora nos quadros históricos onde permaneciam duras memórias colectivas, como os da Guerra Colonial e da Descolonização, ora no campo dos acontecimentos ou ocorrências provindos da vida no bairro ou (mesmo que na cidade) nas franjas mais vulnerabilizadas da, apelidada comummente pela imprensa deste período (1984 - 1998), «segunda geração». Nestas ocorrências, assuntos como o capitalismo vs as desigualdades sociais, ou a presença do corpo negro, do corpo imigrante, do corpo feminino — subalterno dos subalternos —, na sociedade portuguesa do pós 25 de Abril de 1974 ressoaram, conquistaram ouvintes e estimularam outros jovens em condições de vida ou de afirmação social semelhantes numa fase primeira, e numa fase posterior um conjunto de jovens da mesma geração destes sujeitos, sem uma relação aproximada a essas vivências ou experiências. Ao mesmo tempo que se introduziram o quimbundo (Tá-se Bem. Kussondulola. 1995. EMI), o crioulo de cabo-verde (Boss AC, Cupid, Djoek Varela, TWA ou Teenagers with Attitude, Nigga Poison, Chullage), sons (tambores africanos de modelos variados, batuque), vestuário africano (General D) e símbolos ou alusões a referências políticas locais e translocais conectadas com a luta contra o racismo mundial ou a Guerra de Libertação no caso português (Martin Luther King, Malcom X, Amilcar Cabral, Agostinho Neto).

Não era apenas uma nova expressão cultural, especialmente a partir da área metropolitana de Lisboa, que era criada no circuito cultural e social pós revolução era também um  lugar de difícil definição para estes jovens, que resultou naquilo que Fradique (2009) procurou definir como «in-between», um lugar de dupla descendência, que se afirmou igualmente como sendo uma nova «identidade cultural», através da qual emergiram novos repertórios musicais e que General D com os Karapinhas emitia no tema «Raíz Desenraízada» (Pé Na Tchon Karapinha Na Céu. 1995. EMI) cuja letra na sua primeira estrofe versa Sou filho sem nação/Sou segunda geração/ Eu sou aquele filho que sentiu a solidão/ Eu sou aquele homem que cresceu sem saber/ Se era africano ou se africano queria ser/ Boca, canhão,Palavra, munição/ Cresci, aprendi e me desenvolvi/ Mas raiz africana eu ainda trago em mim/ Mas raiz africana eu ainda trago em mim.

Ao mesmo tempo, na área metropolitana do Porto estruturou-se uma prática musical com contornos estéticos e sonoros semelhantes, embora os guiões quotidianos e/ou os repertórios literários dos seus primeiros actores fossem distintos dos de Lisboa (Mind da Gap: 1993, MatoZoo: 1995, Dealema: 1996). Não obstante as distâncias de natureza quer empírica como geográfica, a troca de ideias e de testemunhos encontrar-se-ia num contexto principal charneira entre o RAP feito em Lisboa e o que era feito no Porto —  um encontro de improviso em tempo real em Miratejo (freestyle) entre Ace (Mind da Gap, grupo do Porto) e vários grupos de rappers do sul, alguns que gravariam na colectânea RAPública (1994), no qual seria gravado um dos primeiros vídeos com General D e os restantes precursores, transmitido posteriormente em televisão (Pop Off: 1990 - 1993. RTP2).

Filhos e filhas na sua larga maioria de imigrantes, no limiar da insatisfação face à sua condição histórico-social encontraram brechas de esperança (Bloch: 1959. 483) mesmo num universo pautado por coexistências e paradoxos: por um lado, uma tentativa de afirmação na cultura popular e na indústria de gravação de discos e media, por outro lado uma retórica de resistência face a uma cidade em mudança e (in) aceitação lenta (s).

É certo que neste compasso (1986 - 1998) o RAP conseguiu reunir um conjunto de jovens,  praticantes e seguidores, de origens diversas e não exclusivamente afrodescendentes ou  imigrantes, mas também se tornou evidente, depois das entrevistas realizadas (Caleidoscópio: 2017), que para a maior parte dos/a visados/a a aceitação e o reconhecimento no meio RAP eram atribuídos a montante internamente, isto é, pelo próprio grupo ou «movimento», a quem se destacasse pelas qualidades líricas, rítmicas, técnicas (skills) e isso, muitas das vezes, esteve ligado à condição social e até ao espaço geográfico ao qual pertenciam (Simões. 2017. QR-Code. História Oral).

 

As margens, o centro, paradoxos e contradições (O Independente, Jornal Blitz)

 

Todavia, a afirmação no campo musical e cultural português esteve no arranque desta prática em Portugal, à semelhança do que sucedera nos EUA, fortemente marcada por uma conjuntura histórica. Cá, esse facto resultava, por um lado da permanência de um regime político (cavaquismo) que  no campo das artes e da cultura no geral não conseguiu reunir simpatizantes nem de uma fileira progressista nem de uma ala conservadora, por outro lado pelo desenrolar de um movimento cultural que cresceu nas margens e paulatinamente se afirmou no centro (hip-hop), ao mesmo tempo que um movimento do centro se afirmava gradualmente nas margens: o de uma indústria de novas publicações de conteúdos, especialmente audiovisuais (Correio da Manhã Rádio/CMR: 1983 - 1993, SIC: 1992, SIC Radical: 2001, TVI: 1993) e escritos — jornais, revistas e semanários (Jornal Blitz: 1984 - 2006, semanário O Independente: 1988 - 2006, Revista K: 1990 - 1993) —, que curiosamente se assumiu como  um contraponto de natureza conservadora, mas simultaneamente «culta» e «liberal», junto das esferas urbanas e elitistas, às publicações de esquerda que prevaleciam desde o pós 25 de Abril.

Uma «cultura de direita» assomava adeptos e leitores junto dos sectores culturais, da esquerda à direita, e tornou-se um dos canais privilegiados para a difusão do hip-hop, tendo-o destacado com traços tão dúbios como marcadamente díspares. A demonstra-lo para memória futura ficará a capa escandalosa do nr 277 do O Independente, publicado a 3 de Setembro de 1993, na qual Gonçalo Pires Marques dava nota (páginas 2 a 5) do «Relatório Secreto sobre os Gangs» ilustrando-o com o título «Alta Tensão. Serviços Secretos investigam gangs negros e violentos na margem sul. O relatório é assustador» e uns macacos desenhados, um deles vestindo uma camisola com a palavra «RAP», seguida cerca de dois anos depois de uma publicação do mesmo semanário onde se destacava a entrevista na redacção com o grupo Black Company na qual se promovia o disco Geração Rasca (1995: Sony Music) que sucedeu a edição da colectânea RAPública (1994: Sony Music) que os tinha já projectado, com o célebre tema «Nadar», para o campo mediático nacional. Esse disco contaria com produção de André Roquette e Tó Ricciardi, reconhecidos quer pelo meio social próximo em que estas publicações  gravitavam como cultural, e com um teledisco que apresentava a faixa um do respectivo disco de estúdio («Abreu») realizado por Edgar Pêra que à época colaborava com o O Independente.

INDEPENDENTE

   

O semanário O Independente teve um alvo claro, Cavaco Silva e o cavaquismo, que o levou a ser definido numa recente publicação como «um projecto político com um jornal de fora» (Valente; Santos Costa: 2015), mas foi, tal como o Jornal Blitz — e outros pertencentes ao grupo de comunicação Impresa (arranque com o jornal Expresso: 1972) fundado por Francisco Pinto Balsemão (um dos fundadores, no pós 25 de Abril, do PPD, actual PSD, com Francisco Sá Carneiro e Joaquim Magalhães Mota e ex primeiro ministro: 1981 - 1983) —, um produto e o resultado do contexto político em vigor, sem o qual possivelmente o impacto causado pelas suas presenças não teria sido tão eficaz.

Este foi o ambiente cultural em que os primeiros discos de RAP foram produzidos e difundidos em Portugal, período no qual os primeiros protagonistas do hip-hop em território nacional assinaram os primeiros contratos discográficos, com editoras já consolidadas (EMI Valentim de Carvalho, Sony Music, BMG, Vidisco) e deram as suas primeiras entrevistas. Um período que atravessou duas décadas (desde 1985/6 até ao fim da década de 1990).

 

O sítio onde eu estava era onde paravam todos os músicos e estes miúdos começaram a aparecer por ali, muitos deles com o Boss.

— Para além de fazer animação cultural tinha alguma ligação a eles como manager?

Não. Era amigo dos músicos que paravam no meu bar, como o Zé Leonel. Só mais tarde agenciei alguns destes rappers, miúdos e miúdas.

— O primeiro vocalista de Xutos (Xutos e Pontapés)?

Sim. Também me dava com o Zé Pedro, o Pedro Ayres de Magalhães, o Pedro Oliveira, o Rodrigo Leão ou o Miguel Ângelo. Entre outros.

— O pessoal que ia ao Rock Rendez-Vous também passava no seu bar?

O Rock Rendez-Vous já foi depois do meu bar. Mesmo antes disso. No início dos inícios de 80. Esta malta parava ali. Havia pessoas da Avenida de Roma, dos Olivais, de Almada e de outras bandas. Depois havia uns grupos de rock, de punk, parava tudo ali e dava- -me bem com todos. Aliás, eu e o meu saudoso amigo José Guiné (Zé da Guiné) devíamos ser das pessoas mais transversais da cidade de Lisboa.

— Mais cosmopolitas?

Também. Mas, em termos das “culturas urbanas” eramos muito transversais. Dava-me bem com alfarrabistas, jornalistas, desenhadores.

— E com músicos de todos os domínios da música popular, pelo que me conta. Do rock ao hip-hop.

Exacto. Tinha amigos da música clássica também.

— Estaria no epicentro dessas confluências? Por ser um homem da noite, estar pelo Bairro Alto, etc?

O Bairro Alto tem sido todos anos. Só agora é que deixou de ser.

— Há uns 10 anos?

Talvez, sim. Agora é outro Bairro Alto. Era o sítio da noite com a maior expressão em Lisboa, ao contrário do que muitas pessoas possam dizer.

— O que é que as pessoas “podem dizer”?

São outras pessoas e há outra geração, mais nova, porque os que iam nos anos 80 já têm 50 anos. Não há nenhum bar onde eles sintam hoje que estão em casa, como no tempo do Café Concerto, do Frágil, do Rock House, do Artis e a do Ocarina.

— Não se sentem identificados? Será pela idade ser outra e o tempo que a acompanha?

Eu acho que tem muito a ver com os locais em questão, porque eles já não existem.

— Mas também é uma altura em que há economia do espaço e dinheiro. Nunca tem uma ligação como manager. Isso vem depois? Quando começa?

Só mais tarde. Essa ligação deve ter começado em 1984/85, com uma banda que eu tive de música africana. Espere (pausa). 1985 ou 1987.

— O que o leva a aproximar-se destas pessoas que ainda não tinham uma representação discográfica nem cultural de alcance?

Já ouvia RAP desde os anos 70. Olhe, ainda ontem levei para casa um dos “discos sagrados” de The Last Poets. Desde esse tempo que ouço RAP. Gostando de música e sendo uma pessoa que estava no sítio certo, na hora certa e conhecendo a indústria discográfica, na altura em que a (colectânea/compilação) RAPública aparece já tinha duas ou três bandas, foi fácil agilizar tudo quando me fizeram o convite para organizar e reunir uma série de cantores.

— Quem lhe faz essa proposta? A Sony? O Tiago (Faden)?

É o Tiago Faden. Numa conversa tida no meu bar, como muitas que existiram. Em determinada altura eu digo-lhe que era pena não haver um projecto de hip-hop e RAP neste país. Ele calou-se e passado um tempo perguntou-me se eu queria fazer isso. Eu disse que queria e ele disse para me organizar. Cada banda teve dois dias para gravar, o que foi ridículo.

— Em estúdios diferentes.

Sim. E com produtores diferentes. Ninguém tinha preparação e nenhum produtor sabia o que era gravar hip-hop. Felizmente, para a causa, aparece o tema “Nadar” que, não sendo o melhor tema de hip-hop, torna-se a sua bandeira e consegue fazer com que aquilo tenha uma tremenda visibilidade. Apesar de tudo, a Sony, tirando o facto de não nos ter dado mais tempo e condições, era independente, ao contrário da Norte-Sul, onde estava o General D, que estava sempre dependente da Valentim de Carvalho. Eu acho que eles não acreditavam muito naquilo que deveriam e foi uma questão economicista.

— Não disponibilizar o estúdio por tanto tempo?

Não, de forma nenhuma. Escolheram um estúdio simpático e o técnico era bom homem e olhou para aquilo com alma e coração (pausa). Podíamos ter tido melhores condições e podia ter sido outra coisa.

— Recorda os impactos que a colectânea foi tendo nesses anos? Nas rádios, nos espaços culturais, na noite, etc?

É o disco do ano.

— Mas o que se reserva na memória colectiva nacional da RAPública é o “Nadar”.

Tem razão. É o “Nadar”. Mas, reserva-se outra coisa fantástica. São músicos a cantar e a escrever em língua portuguesa, quando se dizia que era muito difícil. Na altura, salvo algumas excepções, os grupos não cantavam em português. Os miúdos começaram a perceber mais tarde que não precisavam das editoras. O Boss AC e o grupo Mind da Gap existem por causa disso. Começou a existir a “cultura MTV” e aquilo começou a abrir. O “Nadar” é o tema que abre aquilo tudo.

 

excerto de entrevista a Hernâni Miguel (Simões: 46 - 48).


 

De facto, aqueles anos de 1993/94 foram importantes nesse sentido, porque ao haver uma crise antes, foi a primeira vez que as pessoas começaram a viver com alguns subsídios, havia algum Estado social e alguma redistribuição na área da saúde e da educação, como por exemplo os livros à borla. A mim o que me fazia impressão é que parecia que estava tudo bem. Eu estava muito bem porque estava numa multinacional e ganhava bem, não me preocupando com as condições sociais e materiais dos outros (pausa). Tinha um departamento para gerir, com uma dezena de pessoas, assim como um budget para fazer. Não estava muito disponível para experiências.

— Isso quer dizer que no contexto da multinacional em questão, produzir a colectânea RAPública podia ser uma  experiência, mesmo que falhasse? Ou seja, o que a motivou foi o facto da editora estar num momento financeiramente bom e o género estar a alcançar algum sucesso lá fora?

Isso mesmo. Mas eu tinha essa liberdade da empresa (Sony Music) para fazer algumas experiências.

— Mas esta colectânea foi uma experiência?

Eu diria que foi duas coisas (pausa). Do ponto de vista pessoal que me trouxe pouco. O facto de, hoje em dia, algumas pessoas estarem surpreendidas por eu ter sido o autor intelectual deste projecto, conta pouco. Eu fiz isto por motivação pessoal e interesse. Fui músico nos anos 80 (integrante do grupo Radar Kadafi — 1984 - 1987 —, como baixista, que se apresentou no Rock Rendez Vous uma década antes e deixou dois discos editados pela Polygram) e estas questões não me passavam ao lado. Também fiz isto por uma questão de oportunidade e negócio, mas o negócio foi sempre muito pouco.

— Mas porque estas pessoas estavam a ter expressão na cidade de Lisboa?

Não. É importante fazer esta ponte porque eu tive a noção desta situação quando falei com o Hernâni. O meu desafio foi embarcar neste projecto e ele ir à procura dos artistas. O Hernâni é que foi o verdadeiro produtor.

— O General D não entra na colectânea Rapública.

O General D não entrou porque estava a preparar o seu primeiro EP, que saiu no princípio desse ano. Lembra-te que o EP do General (Portukkal é um Erro) saiu dois ou três meses antes da Rapública. Ele deverá ter sido aconselhado pela editora (Valentim de Carvalho) para não entrar na compilação. Normalmente as editoras fazem isso. É uma questão de exclusividade. Se ele pode ser uma figura emergente e estiver exclusivo é melhor. Lancei o desafio ao Hernâni em 1993. Depois contactámos as pessoas, definimos um budget para gravação, escolhemos o repertório dos grupos e íamos para o estúdio gravar. Fez-se o processo normal. A situação que gerou sempre uma controvérsia foi a questão do tempo para os músicos gravarem.

— Já me disseram. Foram 2 dias e em estúdios diferentes.

2 dias? Por amor de Deus! Nos anos 80 gravei um disco em dois dias.

— Também eram as condições do momento. Mas eles não gravaram todos no mesmo estúdio de gravação. Gravaram em vários. Daí também se notarem as diferenciações sob o ponto de vista sonoro na gravação, não há equilíbrio nisso.

Sim, mas não foram 2 dias para todos. Tiveram muito tempo. A questão era que a maior parte deles eram personagens imberbes na música. Chegavam ao pé de mim a dizer que dois dias era pouco, mas se lhes desse mais não sabiam como o usar.

— Sem experiência de estúdio, queres tu dizer?

Principalmente sem grande experiência do ponto de vista musical. Tinham a experiência do ponto de vista do spoken word, mas não tinham capacidade de operacionalizar e informar sobre uma música, porque não tinham acesso às máquinas que eram caras.

— Alguns tinham a QY10. Outros usavam o computador, como no caso de Líderes da Nova Mensagem. À maquinaria mais cara não teriam com certeza...Mas, há outra perspectiva. Que alguns deles já me disseram também, a de que a indústria de gravação e as editoras em Portugal não conheciam naquela fase inicial RAP e por isso não sabiam como trabalhar um domínio daqueles, por não haver experiência a esse nível. Queriam que eles trabalhassem no mesmo 'molde' que grupos de pop rock...

As pessoas da Rapública usaram o RAP na sua forma original, ou seja, na versão negra do punk. Mais nada.

— O “Do It Yourself” e o faz tu mesmo com os recursos que tens. Uma fotografia do momento....

Sim. E rompe com as barreiras. Eu vejo que, no final dos anos 70, o RAP emerge nos EUA associado ao street art. É conjunto. O RAP apropria-se do punk, que tinha existido na Europa e transita para Nova Iorque. É a resposta negra a um insurgimento na sociedade, tal como o punk foi uma resposta branca. E é isso que o hip-hop já não é, nem nunca será.  Acho que a beleza do RAP está na sua dureza. Aquela geração de miúdos sentia uma grande revolta e necessidade de sair de um “colete-de-forças”. Nós sentimos isso com o contacto que tivemos com eles. Quando eu lhes perguntei o que eles queriam para a capa, um dos grupos disse que queria duas kalashnikov. A capa acabou por ser feita pela Célia, mulher do Hernâni. Havia um grupo ou dois no Porto, mas não achámos que eram significativos. Entendemos que isto era sobre a área metropolitana de Lisboa e que uma forma de conseguir mostrar uma nova música, que estava a ser feita, era através da tensão que ela poderia significar. A Rapública, contrariamente ao que dizem alguns branquelas que depois se meteram no movimento RAP e no hip-hop,  que foi um “falso tiro de partida”, a verdade é que foi um arrastão artístico. A única coisa que penou é que não tinha uma street art, com um mínimo de qualidade, que pudesse ser, com a parte musical, o match (ponto de partida). Foi isso que não conseguimos fazer e, mais tarde, começa a aparecer. Quando quisemos fazer o vídeo do “Nadar” vimo-nos aflitos para encontrar sítios icónicos. Precisávamos de sítios de street art e não havia. Os sítios que haviam eram de muito fraca qualidade, mais do que a própria música.

 

excerto de conversa com Tiago Faden (Simões: 66. QR-Code).


 

Fundado em 1988, tendo como directores Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas e subdirector Manuel Falcão, que tinha fundado quatro anos antes (Novembro de 1984) o Jornal Blitz, do qual no arranque fizeram parte também Rui Monteiro e Cândida Teresa (directora gráfica até ao fim da década de 90) e João Afonso, o qual permanecera apenas um ano na publicação, quer o semanário O Independente como o Jornal Blitz assinalaram, em extensas reportagens, e promoveram, em entrevistas e notas de opinião, o lançamento de discos e espectáculos de vários universos musicais de matriz urbana, o RAP não foi excepção.

 

O historiador António Araújo no decorrer de uma fundamentada  intervenção oral no colóquio «O estado das direitas na democracia portuguesa» (ICS-UL: 2012) questionava como pôde a direita ser liberal na economia e conservadora nos costumes, ou vice-versa? O resultado desta comunicação seria partilhado num longo ensaio (Malomil: 2014), no qual procurou traçar os itinerários socioculturais de uma cultura de direita que emergiu, tomou o poder e se foi fixando na sociedade portuguesa   desde o período colonial até à actualidade na imprensa e audiovisual, sobretudo.

Nessa abordagem aflorava de um modo explícito a natureza «iconoclasta, narcísica, com um sentido de superioridade intelectual, urbana, relativista nos costumes, liberal na economia, conservadora em política, diletante, hedonista, cosmopolita, terrivelmente snobe» que norteou, não todas as publicações, mas grande parte delas e, especialmente, o ambiente vivido nesse período.

Um dos exemplos dados no extenso ensaio, resultado da comunicação de Araújo, é o de Agostinho da Silva, que fora «descoberto» e convertido num personagem envolto por uma aura de misticidade e profecia «de espírito franciscano que sonhava com um Quinto Império e que nem sequer tinha bilhete de identidade». A transversalidade, a presença e a elevação, em distintos sectores políticos e ideológicos, da figura de Agostinho da Silva é parte de uma transverberação de posições, comportamentos e aparente (des) alinhamento do estatuto destes «novos intelectuais» que se vão afirmando na indústria de publicação de conteúdos escritos e audiovisuais. O individualismo em detrimento da sua inscrição «num grupo», que poderia ser vista como uma «cedência» ou como uma «perda de independência» (Araújo: 2014) marcou (ainda hoje marca) a notabilidade ou mediatismo dos principais protagonistas (opinion makers) destas publicações, mas antes de tudo o «estatuto» que almejavam. Serem «intelectuais» e ressentirem «a pequenez da terra onde tiveram a desventura de nascer» (Araújo: 2014). Aos poucos, verificaram que tinham alcançado «um lugar seguro no mercado nacional das ideias». Esse lugar, atribuído pela internacionalização dos seus percursos, resumia no entanto um paradoxo contínuo: o de uma confluência entre duas realidades à primeira vista contraditórias: o vanguardismo cosmopolita e o saudosismo nacionalista, que fez com que esta «direita urbana e sofisticada», com tendência para valorizar o «autêntico», o «antigo», o «nacional» (Araújo: 2014) permanecesse no poder, em vários sectores culturais (do humor ao jornalismo, entre outros) até hoje.

Apesar de tudo, por estas publicações passariam vários nomes e personalidades de quadrantes ora políticos ora socioculturais distintos mantendo-se ainda hoje esta ideia de que periódicos como os referidos eram consumidos da esquerda à direita. A qual seria, igualmente, confirmada pelos precursores do hip-hop durante as entrevistas realizadas (Simões: 2017. 61. QR-Code).

Pelo Jornal Blitz passariam nos primeiros anos da sua existência nomes como António Pires, António Sérgio, Luís Vitta, Manuel Cadafaz de Matos, Ana Cristina Ferrão, Rui Pêgo (que fora director do Correio da Manhã Rádio, uma extensão do diário que terminaria no ano 1993), ou os fotógrafos  Alfredo Cunha e Luís Vasconcelos e com o semanário O Independente colaboraram Agustina Bessa Luís, Vasco Pulido Valente, António Barreto, João Bénard da Costa, Maria Filomena Mónica, Pedro Ayres Magalhães, Rui Vieira Nery ou Edgar Pêra, entre outros.

Possivelmente sem o modelo de crescimento económico implementado durante o cavaquismo (2016: Rosas. debate FCSH NOVA) neste período e sem a adesão à CEE (Simões: 2017), esta elite que reforçou «o seu estatuto de superioridade devido à 'informação privilegiada' que detinha pelos seus canais próprios de acesso ao estrangeiro» (Araújo: 2014) não teria tido espaço e palco para se afirmar sob os pontos de vista cultural e social, talvez até o modo como o primeiro período do hip-hop em Portugal foi difundido nas massas não se tivesse verificado. Tal demonstra também que as peças e edições realizadas na época, mais do que fontes de um contexto social e político particular são uma extensão do modo de agir e pensar de um conjunto de agentes de poder no momento em que os/a primeiros/a rappers se apresentaram à sociedade portuguesa, não devendo significar mais do que isso e demonstrando a necessidade que há em interpretar essas fontes cruzando-as, no recurso à história oral, com as dos intervenientes vivos no campo musical em questão.

 A ideia de privilégio de uma elite que «informa» e «cultiva» o gosto do «povo» (Araújo: 2014) permitiu um consenso que firmou o cavaquismo e foi favorável às suas maiorias absolutas.

 Neste período, do mesmo modo que semanários como O Independente, foram contribuindo para o desgaste político do cavaquismo, e General D com os Karapinhas 'cantavam'  «Cavaco quer kumbu*», alimentou-se o lado recreativo e uma percepção de bem-estar tangível e intangível entre classes e grupos distintos da sociedade – «das classes médias e médias-altas até à juventude das mais variadas origens sociais» (Araújo: 2014) –,  que foi relevante para os sucessos políticos de Cavaco Silva.

O RAP foi talvez das práticas musicais de matriz urbana que, ironicamente, nos primeiros anos da sua existência mais se tornou um produto  daquilo que censurou: o modus operandi das indústrias musicais e de publicação e do contexto social e económico em questão. Porque deles dependeu e com eles negociou modos de acção e impacto na cultura popular, num momento em que o estúdio ainda não estava no computador e a (inter) dependência do processo (gravação, promoção, difusão, aceitação) era mais notória. Talvez por isso poucos/a desse primeiro grupo que nesta época se afirmou hoje resistam.

 

Notas

parte I do artigo, Esquerda Net, Cultura.

*kumbu: dinheiro.

ARAÚJO. António. «A Cultura de Direita em Portugal». Fevereiro de 2012. Colóquio O estado das direitas na democracia portuguesa. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Lisboa. Consultado texto que suportou a intervenção oral em 17 de Janeiro de 2014 no blogue Malomil.

BLOCH. Ernest. 1959. O Princípio Esperança em 3 volumes. Sujet-objet. 483.

CAMPOS. Ricardo Marnoto de Oliveira. 2007. Pintando a cidade. Tese de Doutoramento. Universidade Aberta. 10.1.4.

FRADIQUE. Teresa. 2003. Fixar o movimento: representações da música rap em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

ROSAS. Fernando. RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril. coordenação: SIMÕES. Soraia. Ciclo de debates projecto RAPortugal 1986 - 1999. FCSH NOVA. Setembro de 2016.

SIMÕES, Soraia. 2017. RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada 1986 - 1996. Editora Caleidoscópio.

VALENTE, Filipa, COSTA, Filipe Santos. 2015. O Independente. Edição Matéria Prima.

 

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Rui Júnior (Tocá Rufar)

Rui Júnior (Tocá Rufar)

113ª Recolha de Entrevista
Quota MS_00096

 

Rui Júnior nasceu em Vila Nova de Gaia no ano 1956.

Iniciou o seu trabalho discográfico no ano 1983 com o fonograma Ó Que Som Tem? seguido de Ó Tambor (1996), mas é com o projecto de percussões Tocá Rufar criado  para apresentar um espectáculo na Expo'98 integrado na Programação Prioritária Nacional, que se destaca e inicia um caminho centrado no instrumento ao qual  tem dedicado a maioria do seu tempo e do percurso: o tambor e a prática do bombo em especial.

Foram vários os espectáculos com os quais colaborou e os discos nos quais participou, com músicos/a compositores/a como José Mário Branco, António Pinho Vargas, Sérgio Godinho, Jorge Palma, Amélia Muge, Janita Salomé, entre outros/a.

Excertos dos seus álbuns foram utilizados pela Companhia Nacional de Bailado em Canto Luso, com coreografia de Dave Fielding, Rui Lopes Graça e Armando Maciel (1998) ou em Mazurca Fogo  pela Tanztheater Wuppertaler , com coreografia de Pina Bausch para o Festival dos 100 dias integrado na Expo'98.

É o  responsável pela viragem significativa no meio musical português que a prática de bombos alcançou. Condenada ao esquecimento, ou às suas funcionalidades e especificidades nas regiões do Douro, Fundão (Lavacolhos) ou Beiras ela ressurgiria a partir da dinâmica deste grupo, na área metropolitana de Lisboa, e sem o pendor quase exclusivamente masculino que a caracterizara anteriormente. No final da década de 90, após a participação no palco Sony da Expo 98, o projecto que se tornou também uma Associação Cultural reuniu um conjunto de tocadores e de tocadoras e inaugurou um capítulo novo na história do bombo em Portugal, que trouxe até si cada vez mais jovens, tornando-se um satélite e/ou fonte de referência para um conjunto de outros grupos que se foram criando, primeiro na margem sul, sede da Associação Tocá Rufar (Seixal), e depois um pouco por todo o país, reanimando outros agrupamentos ou colectivos e a actividade de alguns construtores, entidades dinamizadoras e praticantes.

Fotografias: Alicia Mota

Perspectivas e Reflexões no campo

RAProduções de Memória: Apontar origens, influências e contradições (I), por Soraia Simões

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RAProduções de Memória: Apontar origens, influências e contradições (I), por Soraia Simões

originalmente publicado no Esquerda.Net

[com vídeos]

Quais os nomes e papéis da cultura hip-hop nos EUA que se destacaram e que caminhos percorreu o RAP no seu arranque? 

São muitas as fontes que se posicionam consensualmente quer quanto à década de nascimento do hip-hop, enquanto cultura e movimento urbanos, quer quando se trata de apontar um espaço geográfico para a sua origem — primeira metade da década de 1970 do século XX, nos Estados Unidos da América, especialmente o South Bronx, por via da figura de Afrika Bambaata fundador do grupo The Zulu Nation, que apesar de não ser o primeiro no género tiraria o hip-hopda invisibilidade dos media. Um grupo juvenil, que se afirmava numa atmosfera de grande tensão social e se expandia nos bairros negros e latinos da cidade de Nova Iorque congregando DJs, MCs (mestres de cerimónias), Writers (grafiteiros), B.boys e B.Girls (dançarinos e dançarinas). O grupo contribui para que o hip-hop se tenha tornado um meio para onde se desviava essa tensão e os conflitos daí resultantes aplicando-os na música, na pintura de murais ou na dança, principais eixos da cultura  hip-hop, e ganhasse posteriormente força na indústria musical americana.

Nos EUA, sobretudo na costa este, cedo o RAP se fez representar em modelos sonoros, líricos e temáticos distintos. Prova disso foram os primeiros fonogramas com alcance, como Rapper’s Delight (1979) de Sugarhill Gang, a apelar à festa e diversão, que contrastava com  How We Gonna Make The Black Nation Rise? anunciado por Brother D três anos depois (1982) ou The Message (1982) de Grandmaster Flash and The Furious Five onde o teor de crítica social voltou a estar presente.

 

Trabalhos perto de um RAP de protesto, contestatário, apareceriam pouco tempo depois na costa oeste americana — Captain Rapp com o disco Bad Times I Can’t Stand It (Saturn. 1983) foi disso exemplo. Várias correntes, com nomenclaturas aproximadas, se procuraram afirmar acabando por criar escolas diferentes, que foram sendo seguidas nas décadas posteriores um pouco por todo o mundo, com maior ênfase nas zonas suburbanas. Na Califórnia, por exemplo, nasceriam as etiquetas Gangsta rap ou Reality rap. Estas chancelas estiveram intimamente ligadas à edição de Six in The Morning (1986) do rapper Ice-T.

As mesmas incutiram designações  dentro do RAP, que descreviam as suas ramificações ou os «sub-géneros» deste universo definidos pelos seus protagonistas [1].

Nos últimos anos da década de 1970 e nos primeiros da década de 1980 o RAP produzido nos EUA apresentou, como já mencionado, modelos musicais e literários (líricos) distintos. O seu campo temático e o seu ambiente estético inauguraram no campo mediático uma imagem irreverente e desconcertante, mas ao mesmo tempo apetecível para as massas. Essa aceitação na cultura de massas deveu-se em grande parte à expansão do recursório electrónico, no qual géneros, à época, na moda como o funk ou o disco convergiam sendo sinónimo simultaneamente, por um lado de uma afirmação das minorias gays, negras, imigrantes e de uma subcultura, por outro lado de um ambiente cultural que sob o ponto de vista sonoro e imagético começou a atrair outros domínios do campo artístico (cinema, televisão, moda) e a vida nocturna americana.

Os anos de 1982 - 1989 tornaram-se decisivos não só para a viragem na trajectória assumida pelos primeiros rappers com impacto translocal, além da trilogia «bairro-cidade-problema», como para a imagem do hip-hop no geral e para aquilo que para a maioria dos entrevistados no contexto português foi a sua função central: uma extensão das realidades vividas na e/ou à margem do poder cultural hegemónico.

Foi um período onde o teor contestatário, interventivo e emancipatório destas comunidades veio à tona consolidando-se nas letras e nos discursos, e alterando a sua estética musical.

De Planet Rock de Afrika Bambaataa (1982) e dos diálogos musicais aparentemente imprevisíveis estabelecidos entre o RAP e outros domínios sonoros e musicais, como o rock — ouça-se «Walk this Way» onde Run DMC aparece com Aerosmith —, fruto do impacto e interesse gerados, o RAP abrir-se-ia a um leque de diversidades e opções estilísticas que reforçaram a sua missão.

 

As mulheres, como Roxanne Shanté (Roxanne’s Revenge. 1984. Bad Sister. 1989.), o colectivo Salt-N-Pepa (Hot, Cool & Vicious. 1986.) ou Queen Latifah (Wrath of My Madness. 1988. All Heil The Queen. 1989.) acrescentaram ao mapa temático do RAP a questão do género e da condição feminina num meio onde, apesar da denúncia ao status quo e ao stabelichment, se descurou esse capítulo — a maioria das referências à imagem feminina surgem por via da sua objectificação  quer em telediscos como no exercício da sua escrita musical de um modo mais e menos manifesto. Este tópico é desenvolvido na dissertação cujo título é indicado na nota [1].

Grupos como Public Enemy (Takes a Nation of Millions to Hold Us Back. 1988. Fight the Power...Live!1989.), N.W.A ou Niggers With Attitude (Straght Outta Compton. 1989), KRS-One (Criminal Minded. 1987. By All Means Necessary. 1988), transferiram o teor contestatário das ruas e uma crítica dura à sociedade branca americana para o RAP, e nele firmaram as bases ou fundamentos que levariam à criação e explanação de um  RAP que tornou visível as condições de vida das comunidades que o viram nascer.

N.W.A seria responsável ainda pelo agrupamento HEAL, um colectivo que abria a discussão sobre a violência no ghetto ao mesmo tempo que procurava dar resposta e soluções aos crimes de negros contra negros e mudar a visão da sociedade americana sobre a comunidade negra. O RAP de N.W.A tornou-se inconveniente para a sociedade americana das décadas de oitenta e noventa  e a prova disso foi a investigação realizada pelo FBI. Mas, as suas letras despudoradas eram não mais do que uma extensão da vida dos ghettos.

A misoginia, o sexo livre, a violência física e verbal e o consumo de drogas, num estilo que denominaram de gangsta style ou gangsta rap, teve seguidores, foram disso exemplo nos anos 90 entre outros os rappers Tupac Shakur ou Snoop Dog.

O papel político, de uma política nem sempre visível, ou infra-política (Scott: 1990), várias vezes incompreendida e, portanto invisível, exercida por rappers nesta conjuntura e nestes tempo e contexto vem dar luz a uma série de relações desenvolvidas pelas populações ''afro-americanas'' como as ilustradas pelo historiador Robin D. G. Kelley a respeito dos trabalhadores negros que se dedicavam a «práticas espirituais populares», música ou dança, em detrimento das prescrições da classe média negra, que cultivava formas «mais aceitáveis» e participação na vida pública, seja no contexto de igrejas ou de associações políticas e voluntárias (1994: capítulo 2).  Kelley argumentava  ainda a «existência e a dignidade de uma cultura negra distintamente trabalhadora», ao mesmo tempo que alertava para a criatividade da classe trabalhadora negra através da transmissão de conhecimentos e práticas populares. Como Scott, Kelley insistiu que essa infrapolítica não necessitava de uma organização, nem sequer de ser intencional, como nos caso de desobediência ou de vandalismo gerados pela «segregação de comunidades racializadas».

Kool Moe Dee (Kool Moe Dee. 1986. How Ya Like Me Now. 1987.), foi uma das poucas excepções no arranque, ao procurar tirar o vocabulário de natureza misógina do RAP, embora exista pouco aprofundamento do seu trabalho.

O grupo Native Tongues usaria a ironia para expressar o seu designado afrocentrismo apontando Martin Luther King como uma das referências sociopolíticas.

Agrupamentos como Jungle Brothers, A tribe Called Quest, De La Soul, Zulu Nation ou Black Sheep integraram o colectivo, que se tornaria conhecido pelas letras de conteúdo social envolto em humor e pelo uso de instrumentais oriundos do domínio do jazz.

Da mesma forma se destacaram outras vertentes da «cultura hip-hop» como o breakdance.  Crazy Legs — Richard Colón, porto-riquenho criado no Bronx hoje com cinquenta e dois anos —, transformou-se numa figura de referência neste eixo, foi um dos fundadores e integrantes do grupo Rock Steady Crew criado em 1977, ao qual se juntou com apenas doze anos. Na cidade de Nova Iorque o grupo era formado pelos b-boys (bailarinos) Jojo e Jimmy Dee e em Manhattan por Crazy Legs e B-Boy Fresh. Rock Steady Crew é, segundo praticantes, dinamizadores e simpatizantes do hip-hop entrevistados considerado o principal grupo de breakdance. A partir do qual outros grupos se inspiraram e se foram formando e orientando nessas décadas, com características pessoais e estórias de vida semelhantes.

Que RAP chegou a Portugal na década de 1980?

Este foi, em traços gerais, ao longo dos seus primeiros anos de afirmação, o RAP que chegou a Portugal e se tornou um molde inspiracional para os primeiros agrupamentos que se formavam em Cacilhas, Massamá, Oeiras, Miratejo, Monte da Caparica, Pedreira dos Húngaros, Cova da Moura, Pinhal Novo, Maia, Gaia, Torres Vedras entre outros espaços geográficos visitados durante a recolha de arquivos, depoimentos e entrevistas para este trabalho.

Ele chegou por via da rádio (Mercado Negro. 1986-1987. CM. Novo RAP Jovem. Rádio Energia. 1992-1993. Repto. 1993-1998. Antena 3.), parabólica (Yo!MTV RAPS. 1988), televisão (Via Rápida. RTP. 1988), imprensa nacional da época (Independente, Blitz jornal), revistas internacionais (Black Masters) ou filmes (Breakin'. 1984. Beat Street. 1984. La Haine. 1995) e foi emulador, paradoxalmente, tal como nos EUA, ao longo das primeiras décadas da sua existência de um conjunto de contradições. Além da respeitante à pouca inscrição da condição da mulher, anteriormente descrita, o modo como ele se tornou num alvo a abater e simultaneamente um produto interessante, onde havia que manter a inscrição e defesa do ghetto porque foi ela, afinal, quem fez nos EUA sucessos.

O desalento sentido face às regras, normas e valores da sociedade americana dominante das décadas de 1980 e 1990, estimulou uma prática vivida a partir de um núcleo estruturado e internamente legitimado de normas e valores (Fradique: 2003). Nesse núcleo, os jovens encontraram um modo de exteriorizar as suas realidades quotidianas, vividas na primeira pessoa e/ou presenciadas no seu núcleo, ao mesmo tempo que experimentaram e exibiram no RAP um sentido para as suas existências. O RAP tornara-se já a banda sonora do bairro, do subúrbio, do que tinha estado, usando uma expressão do sociólogo Pierre Bourdieu, à margem do «capital cultural» ao mesmo tempo que procurava colocar a sua «identidade» no itinerário discográfico e televisivo, assinalando rotas de afirmação, resistência mas também cedências.

Esse RAP chegaria num momento crucial a Portugal, que talharia a sua amplificação junto da sociedade civil. Num período (i) limitado pela euforia dos fundos europeus, um período marcado por um programa político ancorado no cavaquismo e neoliberalismo  (1985 -1995) que impactou nas condições de vida das comunidades imigrantes e afrodescendentes, pelo crescimento de semanários e imprensa que o destacou com traços ambivalentes (Independente: 1988. Blitz jornal: 1986), pelas rádios, televisão e o momento auspicioso vivido pelas etiquetas discográficas com impacto internacional (EMI Valentim de Carvalho, BMG, Norte Sul, Sony Music), um período onde os arroubos de esperança da maioria dos/a precursores/a entrevistados/a no audiolivro RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada 1986 - 1996 (Caleidoscópio: 2017) deram lugar a desilusões, onde só alguns se afirmaram prevalecendo na linha do tempo, mas muitos foram resistindo.

 

Notas

segunda parte do artigo no prelo (public. esquerda.net) com o título RAPoder no Portugal urbano pós 25 de Abril. As margens, o centro, paradoxos e contradições (O Independente, Jornal Blitz).

RAP: O uso da designação RAP em maiúsculas, e não em minúsculas e itálico, nos trabalhos que tenho apresentado acerca deste tema configura uma tomada de posição. Serve para demonstrar a preocupação em colocar esta prática num domínio central, e não num plano secundário ou complementar, das mudanças de comportamentos e linguagens verificadas na cultura popular num determinado contexto histórico. Isto é, onde as medidas e mudanças que se definiram e aconteceram socialmente não diminuam ou tornem secundária, como habitualmente sucede, a dimensão ideológica ou o papel social exercido por esta prática musical nos primeiros anos do seu surgimento e afirmação em Portugal.

Biblio/fontes

Fradique. Teresa. 2003. Fixar o movimento: representações da música rap em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Kelly. Robin. D. G. 1994. Race Rebels: Culture Politics and the Black Working Class. Free Press.

Scott. James. 1990. Domination and the Arts of Resistance: Hidden Transcripts. Yale Universiy Press New Haven and London.

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Onde encontra as obras mencionadas em 1) e 2):

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

Ler por aí… 

 

Simões. Soraia. no prelo: Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1997).

Capa: fotografia cedida por Jazzy J   durante trabalho de pesquisa (2012 - 2016). Zona Dread, D. Mars e Jazzy J, 1994.

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RAProduções de Memória, Cultura popular, Sociedade: Tiago Faden

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RAProduções de Memória, Cultura popular, Sociedade: Tiago Faden

Dossier RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade

 

TIAGO FADEN

Director Artístico e Executivo da colectânea Rapública, 1994

(excerto de uma das conversas — gravadas de Fevereiro a Julho de 2016)

  O desalento sentido face às regras, normas e valores da sociedade americana dominante das décadas de 1980 e 1990, estimulou uma prática vivida a partir de um núcleo estruturado e internamente legitimado de normas e valores (Fradique: 2003). Nesse núcleo, os jovens encontraram um modo de exteriorizar as suas realidades quotidianas, vividas na primeira pessoa e/ou presenciadas no seu núcleo, ao mesmo tempo que experimentaram e exibiram no RAP um sentido para as suas existências. O RAP tornara-se já a banda sonora do bairro, do subúrbio, daquilo que esteve, usando uma expressão do sociólogo Pierre Bordieu, à margem do «capital cultural» ao mesmo tempo que procurava colocar a sua «identidade» no itinerário discográfico e televisivo, assinalando rotas de afirmação, resistência mas também cedências.

Esse RAP chegaria num momento crucial a Portugal, que talharia a sua amplificação junto da sociedade civil. Num período (i) limitado pela euforia dos fundos europeus, pelo cavaquismo e neoliberalismo, pela consolidação da indústria de publicação de conteúdos: imprensa, rádio, televisão e o momento auspicioso vivido por etiquetas discográficas com impacto internacional (EMI Valentim de Carvalho, BMG, Norte Sul, Sony Music) [1].

 

Soraia Simões: Havia consciência  por parte deste grupo de rappers, quando os conheces, do impacto que o RAP estava a ter com o que era distribuído na Europa? Isto é, tens isso presente?

Tiago Faden:  Aquilo que te posso dizer, porque tenho acompanhado a música com alguma atenção, é que essa consciência não existia. Ou seja, não existia a consciência de que aquele tipo específico de música significasse um «movimento». 

Soraia Simões: Para os/a rappers, e foram trinta e cinco, os/a que entrevistei ligados a esta compilação ou ao momento da sua feitura, todos/a se referem ao domínio como tratando-se de parte de «um movimento», o hip-hop, com as suas outras vertentes. 

Tiago Faden: Isso foram os branquelas que vieram com essa conversa. 


Soraia Simões: Queres com isso dizer que na tua opinião foram os media e eles reproduziram?

Tiago Faden: Essa eventual consciência foi-lhes, um pouco, passada posteriormente, sim. Naturalmente, aos poucos eles também tomaram consciência ao falarem com outras pessoas, como jornalistas, etc. Reflectiram sobre a questão e perceberam. Não tinham a intenção de encabeçar ou liderar «um movimento», mas havia uma mensagem e uma música que se tinha repetido várias vezes em diversos países. Repetia-se em França, de forma estrondosa. De repente, ficou tudo rappisado. Durou duas ou três décadas. Ainda hoje, o RAP é um movimento forte em Paris. Logo, essa consciência foi adquirida posteriormente. Daí ter sido uma expressão um pouco naif, ingénua. Eu não estou a dizer que eu e o Hernâni fomos buscar pessoas e colocámos em salas de ensaios para fazer grupos. Não! Eles já existiam. Na verdade, nós é que acelerámos esse processo. O Hernâni esteve em cima deles e este trabalho foi feito. 

Soraia Simões: Se já existiam e com determinados repertórios, características ou nomenclaturas, então tinham consciência, parece-me...

Tiago Faden: Já havia uma procura de outra afirmação. As pessoas já não se constrangiam aos lugares que lhes estavam destinados. Uma sociedade que via que todos tínhamos a ganhar e o dinheiro era distribuído por toda a gente, mas não era verdade. 

Soraia Simões: Pois não. Era de facto bastante desigual. Mas, achar que a hipotética evidência quanto à preparação do «fenómeno» nos processos de mercadorização da vossa parte, da parte da indústria de gravação de discos, é alheia aos que lhe deram corpo: aos seus actores, sujeitos da história e portanto agentes impulsionadores dessas dinâmicas é que...

Tiago Faden: De facto, aqueles anos de 1993/94 foram importantes nesse sentido, porque ao haver uma crise antes, foi a primeira vez que as pessoas começaram a viver com alguns subsídios, havia algum Estado social e alguma redistribuição na área da saúde e da educação, como por exemplo os livros à borla. A mim o que me fazia impressão é que parecia que estava tudo bem. Eu estava muito bem porque estava numa multinacional e ganhava bem, não me preocupando com as condições sociais e materiais dos outros (pausa) Tinha um departamento para gerir, com uma dezena de pessoas, assim como um budget para fazer. Não estava muito disponível para experiências. 

Soraia Simões: Isso quer dizer que no contexto da multinacional em questão, produzir a colectânea RAPública podia ser uma  experiência, mesmo que falhasse? Ou seja, o que a motivou foi o facto da editora estar num momento financeiramente bom e o género estar a alcançar algum sucesso lá fora?


Tiago Faden: Isso mesmo. Mas eu tinha essa liberdade da empresa (Sony Music) para fazer algumas experiências.

Soraia Simões: Mas esta colectânea foi uma experiência?


Tiago Faden: Eu diria que foi duas coisas (pausa). Do ponto de vista pessoal que me trouxe pouco. O facto de, hoje em dia, algumas pessoas estarem surpreendidas por eu ter sido o autor intelectual deste projecto, conta pouco. Eu fiz isto por motivação pessoal e interesse. Fui músico nos anos 80 (integrante do grupo Radar Kadafi — 1984 - 1987 —, como baixista, que se apresentara no Rock Rendez Vous uma década antes e deixou dois discos editados pela Polygram) e estas questões não me passavam ao lado. Também fiz isto por uma questão de oportunidade e negócio, mas o negócio foi sempre muito pouco. 

Soraia Simões: Mas porque estas pessoas estavam a ter expressão na cidade de Lisboa?


Tiago Faden: Não. É importante fazer esta ponte porque eu tive a noção desta situação quando falei com o Hernâni. O meu desafio foi embarcar neste projecto e ele ir à procura dos artistas. O Hernâni é que foi o verdadeiro produtor. 

Soraia Simões: Não? Levantei durante a minha pesquisa um número simpático de material em VHS e fita cassete de 1986, 1987, 1988. Já tinham expressão. Se virmos os bairros à época como parte e extensão da vida nas cidades. Alguns até viviam nela, como o Boss AC (pausa). O Hernâni foi o produtor  com alguma ajuda do Boss AC?


Tiago Faden: Sim. Com alguma ajuda do Boss, o Gutto (Bantu, Black Company), o Makkas (Black Company) e outros que já não me lembro o nome. Penso que o Gutto, o Boss e o José Mariño (radialista e ex director da Antena 3 da RTP, também entrevistado. Autor dos programas Novo RAP Jovem, Repto) tiveram um papel preponderante. 

Soraia Simões: Na escolha?

Tiago Faden: Sim, acabámos por escolher em conjunto. Houve alguma democraticidade no processo. 

Soraia Simões: Mas o General D não entra na colectânea Rapública


Tiago Faden: O General D não entrou porque estava a preparar o seu primeiro EP, que saiu no princípio desse ano. Lembra-te que o EP do General (Portukkal é um Erro) saiu dois ou três meses antes da Rapública. Ele deverá ter sido aconselhado pela editora (Valentim de Carvalho) para não entrar na compilação. 
Normalmente as editoras fazem isso. É uma questão de exclusividade. Se ele pode ser uma figura emergente e estiver exclusivo é melhor. Lancei o desafio ao Hernâni em 1993. Depois contactámos as pessoas, definimos um budget para gravação, escolhemos o repertório dos grupos e iamos para o estúdio gravar. Fez-se o processo normal. A situação que gerou sempre uma controvérsia foi a questão do tempo para os músicos gravarem. 

Soraia Simões: Já me disseram. Foram 2 dias e em estúdios diferentes. 

Tiago Faden: 2 dias? Por amor de Deus! Nos anos 80 gravei um disco em dois dias. 

Soraia Simões: Também eram as condições do momento. Mas eles não gravaram todos no mesmo estúdio de gravação. Gravaram em vários. Daí também se notarem as diferenciações sob o ponto de vista sonoro na gravação, não há equilíbrio nisso.

Tiago Faden: Sim, mas não foram 2 dias para todos. Tiveram muito tempo. A questão era que a maior parte deles eram personagens imberbes na música. Chegavam ao pé de mim a dizer que dois dias era pouco, mas se lhes desse mais não sabiam como o usar. 

Soraia Simões: Sem experiência de estúdio, queres tu dizer?

Tiago Faden: Principalmente sem grande experiência do ponto de vista musical. Tinham a experiência do ponto de vista do spoken word, mas não tinham capacidade de operacionalizar e informar sobre uma música, porque não tinham acesso às máquinas que eram caras.

Soraia Simões. Alguns tinham a QY10. Outros usavam o computador, como no caso de Lideres da Nova Mensagem. À maquinaria mais cara não teriam com certeza...

Mas, há outra perspectiva. Que alguns deles já me disseram também, a de que a indústria de gravação e as editoras em Portugal não conheciam naquela fase inicial RAP e por isso não sabiam como trabalhar um domínio daqueles, por não haver experiência a esse nível. Queriam que eles trabalhassem no mesmo 'molde' que grupos de pop rock...

Tiago Faden: As pessoas da Rapública usaram o RAP na sua forma original, ou seja, na versão negra do punk. Mais nada. 

Soraia Simões: O “Do It Yourself” e o faz tu mesmo com os recursos que tens. Uma fotografia do momento....

Tiago Faden: Sim. E rompe com as barreiras. Eu vejo que, no final dos anos 70, o RAP emerge nos EUA associado ao street art. É conjunto. O RAP apropria-se do punk, que tinha existido na Europa e transita para Nova Iorque. É a resposta negra a um insurgimento na sociedade, tal como o punk foi uma resposta branca. E é isso que o hip-hop já não é, nem nunca será.  Acho que a beleza do RAP está na sua dureza. Aquela geração de miúdos sentia uma grande revolta e necessidade de sair de um “colete-de-forças”. Nós sentimos isso com o contacto que tivemos com eles. Quando eu lhes perguntei o que eles queriam para a capa, um dos grupos disse que queria duas kalashnikov. A capa acabou por ser feita pela Célia, mulher do Hernâni[2]. Havia um grupo ou dois no Porto, mas não achámos que eram significativos. Entendemos que isto era sobre a área metropolitana de Lisboa e que uma forma de conseguir mostrar uma nova música, que estava a ser feita, era através da tensão que ela poderia significar. A Rapública, contrariamente ao que dizem alguns branquelas que depois se meteram no movimento RAP e no hip-hop,  que foi um “falso tiro de partida”, a verdade é que foi um arrastão artístico. A única coisa que penou é que não tinha uma street art, com um mínimo de qualidade, que pudesse ser, com a parte musical, o match (ponto de partida). Foi isso que não conseguimos fazer e, mais tarde, começa a aparecer. Quando quisemos fazer o vídeo do “Nadar” vimo-nos aflitos para encontrar sítios icónicos. Precisávamos de sítios de street art [3] e não havia. Os sítios que haviam eram de muito fraca qualidade, mais do que a própria música.


Soraia Simões: O grupo que referes é Mind da Gap, presumo. Eles foram convidados, segundo me contou o Ace (um dos elementos fundadores) para entrar na RAPública, e o grupo recusou. Mas, o Hêrnani, teu camarada de produção, acha que foram um grupo impactante a norte.


Tiago Faden: Sim, mas o mais importante eram os sinais simbólicos da música em si. Podia ter sido um caminho interessante para o hip-hop. Mas era Lisboa, do ponto de vista artístico. O  disco tinha algumas expressões muito interessantes. Foram beber à música tradicional angolana, africana e cabo-verdiana algumas batidas, ritmos e formas de «entrar na música», como «saltar à corda». Um cantar como «saltar à corda». 
O primeiro disco de Black Company não tem isso curiosamente
[4]. O General D tentou fazer isso, mas sob o ponto de vista da imagem, vídeo e fotografia apoiou-se na cultura africana. Do ponto de vista musical, não sei se ele teve vergonha ou se acharam na altura que «a música africana» era foleira. 
 

Notas

[1] Simões. Soraia. 10 de Fev. 2018. (parte I). RAProduções de Memória: Apontar origens, influências e contradições. Cultura. Esquerda.net

[2] Dossier RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade: Hernâni Miguel: Mural Sonoro.

[3] Simões. Soraia. RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986 -1996. Caleidoscópio. QR Code - História Oral: Nomen (writer).

[4] Geração Rasca. 1995. Sony Music.

Fradique. Teresa. 2003. Fixar o movimento: representações da música rap em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Biblio/fontes

Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Onde encontra as obras mencionadas em !) e 2):

Editora Caleidoscópio

Almedina

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Bertrand

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Fotografia de capa

RAPortugal 1986-1999. 2016. DGArtes. Simões. Soraia. Coordenação. Tiago Faden na fotografia. ''RAPromoção e publicações de conteúdos nos anos 1990''. Debate. Com: José Mariño, António Pires, Djoek Varela, Soraia Simões. Pedro Almeida, imagem.

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: HÊRNANI MIGUEL

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: HÊRNANI MIGUEL

Dossier RAProduções de Memória, Cultura Popular e Sociedade

HERNÂNI MIGUEL

(excerto de conversa gravada em 14 de Abril de 2016)

Por colocarem no centro, no corpo poético-literário de uma grande parte das suas canções, grupos de população invisibilizados do meio social, a música e a escrita RAP das décadas de 1980 e 1990 constituem hoje um património interessantíssimo para analisar uma parte da história contemporânea portuguesa do período pós-colonial. Isto se, como aconteceu ao longo deste trabalho, se tiver também em conta o levantamento de um conjunto de poemas e de letras que não foi musicado e, em variadíssimos dos casos, editado discograficamente (e/ou preteridos para outros na altura de gravar em estúdio com a chancela das primeiras etiquetas discográficas a mediatizar o género: Norte-Sul, Valentim de Carvalho, Sony Music). 

A relação entre indústrias culturais, produtores, media, agentes artísticos e fonográficos criaram dinâmicas de resistência mas também de aceitação e (inter) dependência, especialmente por ser um período em que a afirmação do domínio não se dissociava do processo habitual de gravação, difusão e recepção caracterísitco da Música Popular em Portugal e no resto do mundo. As negociações que daí decorreram criaram tensões e disputas por um lugar de aceitação e permanência no campo cultural urbano de início da década de 90.

Hernâni Miguel foi, com Tiago Faden, responsável pela produção da colectânea RAPública — a primeira colectânea gravada em Portugal por uma multinacional (Sony Music: 1994) —, sobre a qual, num dado momento destas conversas realizadas entre 2012 e 2016, recaem olhares e perspectivas distintas.

 

Soraia Simões: Antes de se interessar por RAP e pelo que este conjunto de miúdos e de miúdas estava naqueles anos a criar, o que fazia na cidade de Lisboa?

Hernâni Miguel: Era animador cultural.

Soraia Simões: Conhecia uma série de músicos?

Hernâni Miguel: Sou um homem de Lisboa. Se há algum alfacinha, com 50 anos, eu sou dos mais alfacinhas de todos. Sempre vivi na Baixa-Chiado, entre a Brasileira (café), Bairro Alto, Charneca, Alto do Pina, Casal Ventoso e Xabregas. Era normal conhecer muita gente, já em miúdo.

Soraia Simões: Porque chega aqui muito cedo?

Hernâni Miguel: Sim, com 7 anos.

Soraia Simões: Quando começa a sua ligação?

Hernâni Miguel: A minha ligação começa de modo quase imediato, quando o RAP ainda estava a aparecer, porque sempre gostei de música (pausa). A partir daí, era irreversível.

Soraia Simões: Fazia programação?

Hernâni Miguel: Não. Punha discos. Tinha discos com 14 ou 15 anos já.

Soraia Simões: Em espaços nocturnos?

Hernâni Miguel: Não. Eram espaços diurnos.

Soraia Simões: Onde?

Hernâni Miguel: Por exemplo nas escolas, festas em que era convidado e clubes recreativos.

Soraia Simões: Estamos a falar de anos 70?

Hernâni Miguel: 1976, por aí. Antes disso, havia um café/bar em que eu pedia para pôr discos. Estávamos ali uma hora e vinte a ouvir música que eu levava todos os dias.

Soraia Simões: Entretanto, para além dos discos, cruzava-se com uma série de músicos na cidade de Lisboa?

Hernâni Miguel: Sim. Com essa idade cruzava-me porque conhecia, mas não tínhamos uma grande relação. Só mais tarde, nos anos 80.

Soraia Simões: Nos anos 80 começa a ter os seus espaços na cidade de Lisboa?

Hernâni Miguel: Sim. Começo a trabalhar para outros e a fazer produções minhas.

Soraia Simões: Ainda nos anos 80? Esta ligação de que fala só começa na década de 90 ou ainda na segunda metade dos anos 80?

Hernâni Miguel: Já conhecia o Ângelo (Boss AC) e a família dele, a mãe (a cantora cabo-verdiana Ana Firmino), os irmãos e o tio. Uma família que me é particularmente querida.

Soraia Simões: Porque também viviam em Lisboa?

Hernâni Miguel: Moravam a 20 metros de mim (bairro de São Bento, em Lisboa). O primeiro onde eu estive, nos anos 80, foi no Bairro Alto.

Soraia Simões: Um espaço onde era animador cultural?

Hernâni Miguel: Sim. Era RP (Relações Públicas) e amigo do dono.

Soraia Simões: Até chegarmos à edição daquela colectânea em 1994 (RAPública) qual era a sua ligação afinal concreta com esta tipologia musical?

Hernâni Miguel: Era muito grande. O sítio onde eu estava era onde paravam todos os músicos e estes miúdos começaram a aparecer por ali, muitos deles com o Boss.

Soraia Simões: Para além de fazer animação cultural tinha alguma ligação a eles como manager?

Hernâni Miguel: Não. Era amigo dos músicos que paravam no meu bar, como o Zé Leonel. Só mais tarde agenciei alguns destes rappers, miúdos e miúdas.

Soraia Simões: O primeiro vocalista de Xutos (Xutos e Pontapés)?

Hernâni Miguel: Sim. Também me dava com o Zé Pedro, o Pedro Ayres de Magalhães, o Pedro Oliveira, o Rodrigo Leão ou o Miguel Ângelo. Entre outros.

Soraia Simões: O pessoal que ia ao Rock Rendez-Vous também passava no seu bar?

Hernâni Miguel: O Rock Rendez-Vous já foi depois do meu bar. Mesmo antes disso. No início dos inícios de 80. Esta malta parava ali. Havia pessoas da Avenida de Roma, dos Olivais, de Almada e de outras bandas. Depois havia uns grupos de rock, de punk, parava tudo ali e dava- -me bem com todos. Aliás, eu e o meu saudoso amigo José Guiné (Zé da Guiné) devíamos ser das pessoas mais transversais da cidade de Lisboa.

Soraia Simões: Mais cosmopolitas?

Hernâni Miguel: Também. Mas, em termos das “culturas urbanas” eramos muito transversais. Dava-me bem com alfarrabistas, jornalistas, desenhadores.

Soraia Simões: E com músicos de todos os domínios da música popular, pelo que me conta. Do rock ao hip-hop.

Hernâni Miguel: Exacto. Tinha amigos da música clássica também.

Soraia Simões: Estaria no epicentro dessas confluências? Por ser um homem da noite, estar pelo Bairro Alto, etc?

Hernâni Miguel: O Bairro Alto tem sido todos anos. Só agora é que deixou de ser.

Soraia Simões: Há uns 10 anos?

Hernâni Miguel: Talvez, sim. Agora é outro Bairro Alto. Era o sítio da noite com a maior expressão em Lisboa, ao contrário do que muitas pessoas possam dizer.

Soraia Simões: O que é que as pessoas “podem dizer”?

Hernâni Miguel: São outras pessoas e há outra geração, mais nova, porque os que iam nos anos 80 já têm 50 anos. Não há nenhum bar onde eles sintam hoje que estão em casa, como no tempo do Café Concerto, do Frágil, do Rock House, do Artis e a do Ocarina.

Soraia Simões: Não se sentem identificados? Será pela idade ser outra e o tempo que a acompanha?

Hernâni Miguel: Eu acho que tem muito a ver com os locais em questão, porque eles já não existem.

Soraia Simões: Mas também é uma altura em que há economia do espaço e dinheiro. Nunca tem uma ligação como manager. Isso vem depois? Quando começa?

Hernâni Miguel: Só mais tarde. Essa ligação deve ter começado em 1984/85, com uma banda que eu tive de música africana. Espere (pausa). 1985 ou 1987.

Soraia Simões: O que o leva a aproximar-se destas pessoas que ainda não tinham uma representação discográfica nem cultural de alcance?

Hêrnani Miguel: Já ouvia RAP desde os anos 70. Olhe, ainda ontem levei para casa um dos “discos sagrados” de The Last Poets. Desde esse tempo que ouço RAP. Gostando de música e sendo uma pessoa que estava no sítio certo, na hora certa e conhecendo a indústria discográfica, na altura em que a (colectânea/compilação) RAPública aparece já tinha duas ou três bandas, foi fácil agilizar tudo quando me fizeram o convite para organizar e reunir uma série de cantores.

Soraia Simões: Quem lhe faz essa proposta? A Sony? O Tiago (Faden)?

Hêrnani Miguel: Sony. É o Tiago Faden. Numa conversa tida no meu bar, como muitas que existiram. Em determinada altura eu digo-lhe que era pena não haver um projecto de hip-hop e RAP neste país. Ele calou-se e passado um tempo perguntou-me se eu queria fazer isso. Eu disse que queria e ele disse para me organizar. Cada banda teve dois dias para gravar, o que foi ridículo.

Soraia Simões: Em estúdios diferentes.

Hêrnani Miguel: Sim. E com produtores diferentes. Ninguém tinha preparação e nenhum produtor sabia o que era gravar hip-hop. Felizmente, para a causa, aparece o tema “Nadar” que, não sendo o melhor tema de hip-hop, torna-se a sua bandeira e consegue fazer com que aquilo tenha uma tremenda visibilidade. Apesar de tudo, a Sony, tirando o facto de não nos ter dado mais tempo e condições, era independente, ao contrário da Norte-Sul, onde estava o General D, que estava sempre dependente da Valentim de Carvalho. Eu acho que eles não acreditavam muito naquilo que deveriam e foi uma questão economicista.

Soraia Simões: Não disponibilizar o estúdio por tanto tempo?

Hêrnani Miguel: Não, de forma nenhuma. Escolheram um estúdio simpático e o técnico era bom homem e olhou para aquilo com alma e coração (pausa). Podíamos ter tido melhores condições e podia ter sido outra coisa.

Soraia Simões: Recorda os impactos que a colectânea foi tendo nesses anos? Nas rádios, nos espaços culturais, na noite, etc?

Hêrnani Miguel: É o disco do ano.

Soraia Simões: Mas o que se reserva na memória colectiva nacional da RAPública é o “Nadar”.

Hêrnani Miguel: Tem razão. É o “Nadar”. Mas, reserva-se outra coisa fantástica. São músicos a cantar e a escrever em língua portuguesa, quando se dizia que era muito difícil. Na altura, salvo algumas excepções, os grupos não cantavam em português. Os miúdos começaram a perceber mais tarde que não precisavam das editoras. O Boss AC e o grupo Mind da Gap existem por causa disso. Começou a existir a “cultura MTV” e aquilo começou a abrir. O “Nadar” é o tema que abre aquilo tudo.

Soraia Simões: Mas também há uma tentativa, e o cantar em português[1]reflecte-o, de se demarcarem da imposição do capital cultural americano, embora lhes tivesse sido referencial numa fase primeira (pausa). Esses anos que se seguem imediatamente à publicação de RAPública surgem (interrompe).

Hêrnani Miguel: Da Weasel aparecem.

Soraia Simões: Exacto. Já ganham notoriedade nessa segunda fase, depois do recorte de tempo que aqui tracei. Mas, o que lhe quero perguntar é se os, à altura miúdos, da colectânea têm, após dois/três anos de lançamento dela, alguma projecção em Lisboa?

Hêrnani Miguel: Não têm. Não acho que tenham. O Funky-D foi viver para Angola, o Lince (New Tribe) é um senhor engenheiro muito bem estabelecido (sócio-gerente do estúdio BIG BIT, onde o som destas entrevistas foi tratado), o Gutto (Bantu, Black Company) é advogado em Angola, o Boss AC é um músico reconhecido, o D-Mars (Zona Dread) está na Holanda, o Jorge (Jazzy, Zona Dread) tem um bar (Soul de Lisboa, à rua da Madalena, baixa lisboeta, que acabou por fechar no fim de 2017). Ou seja, se olharmos, quem é que quis continuar na música? O Boss AC, o Gutto faz umas aparições, o Makkas idem, o Bambino só música e o D-Mars. Os outros, de uma forma geral, olharam para outras coisas.

Soraia Simões: No pós RAPública continua a ter uma ligação com esses músicos?

Hernâni Miguel: Sim. Amigo deles.

Hêrnani Miguel: Fui manager do Boss (AC), de Black Company, da Maimuna (Jalles) e, fora disso, até de Blackout, Samora (que celebrizaria o tema “Black Magic Woman” com General D).

Soraia Simões: Consegue perceber porque é que a sua experiência como manager está tão marcada na cabeça destas pessoas? Todos e todas me falam de si.

Hêrnani Miguel: Porque me relacionava muito bem com imensas pessoas. Tudo o que parecia difícil tornava-se fácil. Chegávamos aos locais e os 'homens do hip-hop' eram recebidos ao nível dos artistas. Isso era marcante.

Soraia Simões: Sente que houve, da parte de alguns miúdos, deslumbramento com tudo? Já falei e gravei vinte e três pessoas ligadas directamente ao disco e sinto uma certa mágoa.

Hêrnani Miguel: Houve um deslumbramento grande por parte do Makkas[2] e de uma série de outras bandas. Os miúdos que vêm da periferia e de um momento para o outro são estrelas nacionais.

Soraia Simões: Sente que criaram expectativas num meio que depois não deu respostas na póscolectânea?

Hêrnani Miguel: Sim, absolutamente. Havia uns que não estavam bem preparados. Para se ter uma carreira é preciso saber que nem sempre estamos lá em cima. Existe um “virar de costas” que tem a ver com vários factores. A indústria musical não acreditou que o nosso hip-hop singrasse. Pensavam que era um epifenómeno, mas depois deste período da sua investigação, aparecem o Sam (The Kid), o Valete, etc. Aparece a segunda vaga que, em termos gerais, é mais forte do que a primeira vaga, porque já conhecia mais música e recursos. Entre a primeira e a segunda vaga há uma banda muito importante, Mind da Gap. Depois as Djamal também são um legado importante e fazem um barulho. Em Maio vou ter uma reunião com a Sony para propor uma nova colectânea, chamada RAPública 2. Vou fazer os possíveis para convidar os antigos. Para isso preciso de dinheiro e não queria da Sony. A minha ideia era ir à procura do Bambino (Black Company) com uma câmara e dos outros todos. Acho que era um documentário fantástico.

Soraia Simões: Estão quase todos ainda vivos.

Hêrnani Miguel: Sim. E somos amigos uns dos outros.

Soraia Simões: Às vezes é preciso passar algum tempo para as pessoas perceberem a importância daquela pessoa no seu percurso?

Hêrnani Miguel: Sim, sim. E eu sei bem disso. Porque senti na pele. Houve uma altura que eles acharam que não era aquele caminho e que eu estava a agir mal. Para além de haver um desinteresse. Foi preciso haver uma liderança por alguém como eu ou outra pessoa. Alguém que conseguisse reuni-los, congregá-los e irem abrir a porta para não ficarem na fila de espera. Eu tinha um bar fortíssimo (o Targus), onde parava lá o crème de la crème.

Soraia Simões: Com a vantagem de conhecer uma Lisboa que a maioria não conhecia. Estavam sobretudo concentrados nos bairros circundantes a esta área metropolitana.

Hêrnani Miguel: Sim, exacto. Não iam ver as coisas e eu andava sempre a passear.

Soraia Simões: Não há grupos femininos na RAPública.

Hêrnani Miguel: As Djamal apareceram depois do álbum estar feito.

Soraia Simões: Mas elas já existiam.

Hêrnani Miguel: Não se mostraram.

Soraia Simões: Se fizesse uma reedição elas entrariam?

Hêrnani Miguel: Não sei. Se elas se derem bem, entram.

Soraia Simões: Como foi escolher aqueles grupos em concreto?

Hêrnani Miguel: Eu falei com o Boss AC para arranjar um grupo de pessoas que ele gostasse de hip-hop e quisessem cantar. Ele disse que tinha uns bons colectivos que faziam umas festas. Deu-me os nomes e meio trabalho já estava feito.

Soraia Simões: O Boss AC já tinha esses contactos...

Hêrnani Miguel: Dava-se com eles, sim, e faziam coisas em conjunto. Isso foi muito bom.

Soraia Simões: Porquê RAPública como nome da colectânea? De onde vem essa ideia?

Hêrnani Miguel: Essa ideia é minha e do Tiago Faden. Ele queria RAP e eu queria que fosse uma coisa pública.

Soraia Simões: Aglutinou-se. Ficou RAPública (risos).

Hêrnani Miguel: Não havia dinheiro. Depois a mãe da Beatriz (filha de Hernâni Miguel) fez o mapa em rios, com o Rio Tejo no meio.

Soraia Simões: Foi uma forma de legitimar os grupos da área metropolitana de Lisboa?

Hêrnani Miguel: Sim.

Soraia Simões: Porque o seu contacto era com Lisboa. 

Hêrnani Miguel: Lisboa e a margem sul. Morei um tempo no Feijó.

Soraia Simões: Foi uma altura em que houve muito dinheiro.

Hêrnani Miguel: Houve muito dinheiro, é um facto.

Soraia Simões: Em pleno cavaquismo[3].

Hêrnani Miguel: Com a história de matar as empresas.

Soraia Simões: As multinacionais não tinham nada a perder? Ou, por outra, podiam arriscar com outros com que ganhavam muito e as permitia investir noutros com menor visibilidade ou que geravam mais incertezas?

Hêrnani Miguel: Não tinham nada a perder. Isso baralhou tudo porque a Sony investia o que queria. Se olharmos para quanto custou o álbum Viagens do Abrunhosa, percebemos tudo. Eu, o Manuel Reis e o meu amigo Eduardo criámos uma associação chamada Bairro Alto Produções.

Soraia Simões: Não encontrei. Estava registada?

Hêrnani Miguel: Nada (risos). Depois proponho ao Eduardo fazer um concerto do Pedro Abrunhosa.

 Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.


Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

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Breves notas e referências

  • [1] bem como o uso do crioulo, de expressões em quimbundo (Kussondulola) ou de gíria angolana.

  • [2] História Oral. Mural Sonoro. 20 de Outubro. 2014. Makkas. Black Company.

  • [3] Em Outubro de 1985 Cavaco consegue legislativas antecipadas, vencendo com 29,9%. Um ano a seguir às presidenciais de 1986, quando Mário Soares vence Freitas do Amaral, o governo cai perante a aprovação na Assembleia da República pela maioria de esquerda de uma moção de censura. Mário Soares contraria a vontade do Partido Socialista e convoca eleições legislativas. Em 19/07/1987 o PSD, com Cavaco, vence com 50,2%. Seria a primeira das quatro maiorias: duas legislativas e duas presidenciais. Quatro anos depois, reforça essa maioria com 50, 6% o que leva o PSD de um modo geral a afirmar em décadas posteriores, após os fundos da CEE, que foi um dos momentos em que o país conheceu «melhores níveis de desenvolvimento» ao passo que os partidos da oposição consideram, de um modo geral, que é o período em que o modelo de crescimento económico assente «no betão e cimento» se sobrepõe a outras necessidades do país, como a aposta na produção local, entre outras.

  • A este propósito, repesco este ensaio: Culturas de Direita em Portugal que li e partilhei há uns 4 anos numa das redes sociais do Mural Sonoro, do Malomil (blogue). Integra hoje um conjunto de releituras (ainda) para a minha dissertação. Acho que lhe podem (que devem, no contexto, pode soar acerbo) ´´passar também os olhos por cima´´. Nele entende-se o impacto cultural de periódicos, agentes e espaços culturais referenciados do período em questão e os seus posicionamentos e cariz dúbio, bem como a dimensão das práticas culturais de matriz urbana com expressão entre a comunidade jovem no período cavaquista. O modo como esse período político-social impactou nas condições de vida das comunidades imigrantes e afrodescendentes das 'periferias' e nos primeiros passos dados por práticas musicais como a do RAP em Portugal é um dos pontos que procuro demonstrar na dissertação.


 

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Breves do quotidiano: «Eram os nossos melhores ouvintes»

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Breves do quotidiano: «Eram os nossos melhores ouvintes»

Breves do quotidiano
«Eram os nossos melhores ouvintes»

A mediatização da «cultura hip-hop», e do RAP em particular, durante a década de oitenta, em especial nos EUA, começou a atrair um numeroso conjunto de jovens sobretudo nos subúrbios da área metropolitana de Lisboa, mas também no Porto, Maia e Vila Nova de Gaia. 
Programas e revistas internacionais — como Yo! MTV RAPS (1988 - 1995), Hip-Hop Masters —, filmes — Beat Street (1984), Breakin’ (1984), La Haine (1995) —, e grupos musicais — Afrika Bambaataa, Public Enemy, Grandmaster Flash and the Furious Five, Tupac Shakur, Run DMC, Queen Latifah, entre outros —, começaram a ser distribuídos na Europa, vistos e escutados em Portugal.

As relações de sociabilidade cresciam nos bairros por via da troca de experiências comuns.

Começaram por se encontrar em círculo para dançar, para os primeiros encontros de freestyle (improvisação poética) acompanhados de gravadores portáteis e do beatbox (uma reprodução oral de ritmos percussivos), para trocar cassetes, recortes de revistas francesas e americanas. 


Em Portugal a rádio foi o órgão dos media sobre o qual recaiu uma maior atenção por parte dos protagonistas. Surgiam os primeiros programas dedicados a estes universos. Com transmissão em Lisboa (Correio da Manhã Rádio) Mercado Negro (1986 - 1987), da autoria do radialista João Vaz, com transmissão nacional (Rádio Energia) Novo RAP Jovem (1992 - 1993) e Repto (Antena3) da autoria de José Mariño (1994 - 1999).

A rádio assumia uma presença tão marcante no quotidiano deste grupo de jovens, que a própria rádio pressentiu e ressentiu esse impacto e 'se experimentou' em função disso. Em 1995 a convite da direcção da Rádio Energia (RE) os próprios protagonistas tomaram esse espaço, Ataque Verbal (1995 - 1996) arrancava com KJB e Pacman, integrantes dos grupos Black Company e Da Weasel respectivamente.

A Avenida de Ceuta, onde se situava a RE, assemelhava-se às sessões de microfone aberto que ocorriam por essa altura no Johnny Guitar e por onde passaram dezenas de projectos de RAP, alguns transmitidos na emissão. Ao mesmo tempo, o programa prolongava os laços de socialização e interajuda que eram frequentes no bairro. Lá divulgavam grupos que haviam inspirado os seus percursos, recebem maquetes de outros que os vêem como fontes ora de referência ora de influência, mas também cartas de presos a cumprir pena - por ''pequenos delitos'', uma boa parte -, nas prisões de Vale Judeus e de Caxias. Eram pessoas «das suas criações», «eram os nossos melhores ouvintes». Oriundos dos mesmos bairros ou de bairros com características semelhantes e que viam no RAP um sentido para as suas causas e para o modo de viver próprio de uma juventude fortemente estigmatizada pela sociedade dominante, num período marcado pelo capitalismo tardio, e por um sistema político que impactou nas condições de vida das comunidades afrodescendentes e/ou imigrantes das periferias. KJB, quando me partilhou esta estória, entre outras, no decurso da minha pesquisa para a tese, não sabia que me estava a abrir espaço para um mergulho em águas (pro) fundas, para lá do que é visível, e que no fundo reorientaria o meu olhar sobre o tema e o período em questão (quase todos/a temos um). Sabe-o agora.

Laranjeiro, documento inédito, 1989

kjb e bambino por soraia simoes.jpg

 

 

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: LINCE

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: LINCE

Dossier RAProduções de memória, cultura popular, sociedade

LINCE

(excerto de conversa gravada em Março de 2016 no audiolivro (1))

 

 

A história do hip-hop tem vindo a estar alicerçada em tópicos que  realçam as racialização, estigmatização social e etnicidade. Neste período inicial este enquadramento é especialmente usado nas condições de exclusão mencionadas ao longo deste trabalho, isso permitiu reforçar mecanismos de identidade que viriam a dar um sentido maior aos percursos biográficos da maioria dos pioneiros.

Apesar da contestação estar presente no arranque do hip-hop e no caso das músicas e poesias RAP ser a opção tomada por muitos, existe paralelamente a criação de repertórios onde a conotação política ou ideológica não está tão presente. O que se justifica pelo facto desta prática musical dentro desta cultura urbana se iniciar na rua e nela se inspirar, e a rua condensar em si todas as realidades que estimularam e ultrapassavam os seus próprios imaginários criativos, como a discriminação racial, a exclusão social, o machismo (casos de Djamal e Divine), mas também a festa, o encontro, a partilha de referências musicais e sonoras e a sociabilização conseguida pela troca de experiências comuns (Simões: 2017).

Lince fez parte do grupo New Tribe, um dos que integra a colectânea RAPública (Sony Music: 1994), da qual se fala ao longo destas entrevistas. O modo como foi criando o seu espaço dentro da cultura hip-hop e em especial no RAP foi também, como se pode constatar, um reflexo daquilo que foram os seus modelos referenciais dentro da Música Popular do século XX, especialmente anglo-americana.
 

Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

RAPortugal 1986-1999. Setembro. 2016. «Da QY10 ao estúdio de gravação». Casa Amarela. Coorden: Soraia Simões. Participantes: Double V (Family), Francisco Rebelo (Cool Hipnoise).


Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

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Notas
Referências ao longo da conversa

AC: Boss AC.
Breakin´ e Beat Street (1984): filmes americanos com distribuição europeia. Zona J (1999), realizado por Leonel Vieira com argumento de Luís Pedro Nunes e Rui Cardoso Martins.
Hip-Hop Masters: revista.
Mercado Negro: programa da autoria de João Vaz (Correio da Manhã Rádio: 1986 - 1987).
M: outro integrante do grupo New Tribe.
Palco 6: palco destinado a apresentação de novos projectos musicais na Expo 98.
Poesia Urbana (2004): colectânea de hip-hop editada dez anos após RAPública (1994) com uma geração que afirma novos protagonistas neste domínio musical.
Trópico Disco (1991-1993): espaço situado na zona de Santos onde se realizaram encontros de hip-hop e que à semelhança de outros espaços culturais mais tarde, de que é um dos exemplos o Johnny Guitar (1990-1996), acolhia e promovia 'a cultura'.
QY10: máquina da Yamaha usada por muitos durante os anos 90.

Fotografia

Hélder Lagrosse

Debate RAPoder no Portugal urbano pós-25 de Abril, realizado na FCSH NOVA em Setembro de 2016, que contaria ainda com José Falcão (fundador e um dos dirigentes do SOS Racismo) e Fernando Rosas (Historiador).

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: MARTA DIAS

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RAPRODUÇÕES DE MEMÓRIA, CULTURA POPULAR, SOCIEDADE: MARTA DIAS

Dossier RAProduções de memória, cultura popular, sociedade

MARTA DIAS

(excerto de conversa gravada em Março de 2016 disponível no audiolivro (1))

Entrou na música por incentivo do irmão, Lince (rapper que integrava o grupo New Tribe) e com ele conhece General D. Passa a integrar o grupo Karapinhas como cantora, ao lado de Maimuna Jalles, que acompanhava General D. Ao mesmo tempo que vai procurando afirmar-se noutros domínios da Música Popular, como refere nesta conversa. Ao longo da mesma vai revelando de que modo este início de percurso impactou e/ou influenciou aquilo que tem sido o seu trabalho sobretudo como autora e compositora, ao mesmo tempo que, ao estabelecer pontes com o momento presente da sua composição musical e interpretação, a forma como foi abrindo espaço para um regresso às origens ao introduzir e musicar um repertório poético-literário são tomense.

Biblio/fontes

Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adia (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.


Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

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Breves notas

Pinhal Novo: onde se realizavam os ensaios de General D&Os Karapinhas durante a primeira metade da década de 90; garagem dos irmãos Tutin Di Giralda e Djone Santos que integravam o grupo e contribuiam para os arranjos e composições musicais de General D, além de tocarem baixo e guitarra no grupo.

Canção referenciada na conversa: «Amigo Prekavido», General D com Marta Dias, disco: Pe Na Tchon Karapinha Na Ceu (EMI Valentim de Carvalho: 1995).

Excerto de canção usada: «Ekos do Passado», General D com Djoek, Ithaka e Marta Dias, disco: Kanimambo (EMI Valentim de Carvalho: 1997).

Fotografia com Marta Dias
Alexandre Nobre
Conversa gravada no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, paisagem sonora incluída
Agradecimentos:
Fundação Calouste Gulbenkian

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RAProduções de memória, cultura popular, sociedade: Maimuna Jalles

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RAProduções de memória, cultura popular, sociedade: Maimuna Jalles

Dossier RAProduções de memória, cultura popular, sociedade

MAIMUNA JALLES

(excerto de conversa gravada em Fevereiro de 2016 disponível no audiolivro (1))


A prática do RAP  quando dá os primeiros passos em Portugal fornece aos seus sujeitos códigos de expressão ligados a modos de reproduzir memórias, observar a realidade, de afirmação e de construção de identidades. Construíram-se, sobretudo através de «lírica» ou «poesia rap», modos de exposição da experiência pessoal e da observação da realidade circundante, denominada pelos seus actores de «RAPortagem».

O quotidiano destes agentes e, por conseguinte, os primeiros repertórios e falas destes jovens, procuraram uma inscrição na vida social e cultural da cidade. Situados num contexto histórico especial ora usaram o RAP e as prosa e poesia ditas na rua de um modo letal, ora a foram domesticando face ao interesse crescente da indústria de gravação de discos, e dos mass media, no início da década de 1990. 
Quando o RAP viajou do bairro até ao estúdio de gravação, alternaram os seus discursos musicados: entre os seus desejos de aceitação na indústria fonográfica e a tentativa de (re) afirmação permanente do discurso dos «fracos» e «subalternos».     
O impacto estabelecido por um conjunto de práticas novas associadas ao RAP no Portugal contemporâneo da segunda metade da década de 1980 e da década de 1990, permite-nos hoje entender como a introdução de novos códigos de (in)aceitação, valores culturais diversificados, narrativas, poesias que relatavam realidades suburbanas acompanhadas de instrumentais passaram a ser os temas musicais usados, igualmente, por um conjunto de lutas dos movimentos estudantis da mesma geração destes sujeitos, sem ligação a estes territórios culturais e geográficos, nomeadamente no final da juventude liceal e início da vida universitária, como: a manifestação contra a controversa Prova Geral de Acesso levada a cabo por jovens no fim do ensino secundário (1989 - 1993), que viria a ser abolida pelo Decreto-Lei nº189/92 de 3 de Setembro, os protestos de 1993 em torno das propinas ou, outras, como a despenalização do aborto e liberalização do consumo das drogas leves, o que nos permite percepcionar, desde logo, que estes actores foram, neste palco, pelo pioneirismo das problemáticas que levantaram, por terem «ao serviço» da sua «geração (denominada) rasca»[1] (expressão usada pela primeira vez em 1994 no jornal Público pelo jornalista Vicente Jorge Silva) e por serem temas que hoje debatemos, sujeitos dessa transformação no campo artístico com conexão à história das ideias.

Fixar (in) visibilidades
Mas, como foi para quem quis ser cantora, como Maimuna Jalles e Marta Dias, e iniciavam, a sua experiência semi-profissional por via deste domínio ao integrar o grupo Karapinhas que acompanhou General D? Quais as aspirações e como pautaram os seus percursos? 

Biblio/fontes

1) Simões, Soraia 2017 RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada (1986-1996). Editora Caleidoscópio. Lisboa.

2) Simões de Andrade, Soraia 2019 Fixar o Invisível. Os primeiros Passos do RAP em Portugal. Editora Caleidoscópio. Lisboa.

Fotografia Maimuna Jalles

Alexandre Nobre


Onde encontra as obras mencionadas:

Editora Caleidoscópio

Almedina

FNAC

Bertrand

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[1] expressão usada pela primeira vez em 1994 no jornal Público pelo jornalista Vicente Jorge Silva. A designação é usada primeiramente no seio das manifestações liceais ocorridas em todo o país contra as provas globais, a Prova Geral de Acesso, conhecida como PGA, estendendo-se ao protesto contra as propinas no ensino superior, durante o período em que Manuela Ferreira Leite, deputada do PSD, foi Ministra da Educação. Em 1995 o grupo Black Company grava o seu primeiro álbum de estúdio, Geração Rasca, o qual conta com a colaboração do grupo Divine. 
Nota: Simões, Soraia 2018. « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 7, No 1 | -1, 97-114. Brasil.

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RAProduções de Memória, cultura popular e sociedade: Edgar Pêra

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RAProduções de Memória, cultura popular e sociedade: Edgar Pêra

Dossier RAProduções de memória, cultura popular, sociedade

EDGAR PÊRA

 

Resumo

Esta conversa faz parte de um conjunto de outras realizadas no seio do trabalho de pesquisa.

Edgar Pêra realizou os primeiros telediscos de Djamal e Black Company. Acompanhou também parte do quotidiano de um conjunto de rappers da Arrentela durante a primeira metade da década de 1990, sendo autor de um número de cine-diários cedidos para esta investigação, alguns projectados durante um dos debates do projecto RAPortugal (DGArtes'15/16) e que abriria a sessão realizada na FCSH NOVA, também com a presença de X-Sista aka Alexandrina/Xana Matos (Djamal)[1].

O principal objectivo ao partilhar estas entrevistas e estes testemunhos reunidos durante o trabalho de campo realizado (entre 2012 e 2016) no seio de uma investigação académica é o de reflectir conjuntamente com alguns dos protagonistas deste campo sobre estes anos relacionando-os com questões que pautaram a sua existência como produtores e intérpretes:  a memória da descolonização, da vida social e cultural num determinado período e território,  os discursos que mudaram na viagem do RAP do bairro até ao estúdio de gravação aliados a novos modelos de produção e recepção sonoros e musicais, os primeiros repertórios e falas destes jovens (não dissociáveis em alguns dos seus reportórios de luta), como a memória colonial por via dos seus progenitores passou para as suas rimas no bairro primeiramente e posteriormente para as suas canções gravadas, como se afirmaram social e culturalmente numa indústria, situada num contexto histórico especial (o período cavaquista), com a qual foram aprendendo a dialogar ora usando o RAP e as prosa e poesia ditas na rua de um modo letal, ora a foram domesticando face ao interesse crescente da indústria de gravação de discos, e dos mass media, no início da década de 1990. Alternando entre os seus desejos de aceitação na indústria fonográfica e a tentativa de (re)afirmação permanente do discurso dos «fracos» e «subalternos». Estas conversas procuram também anotar uma espécie de «malsucedido sucesso» desta vertente do movimento hip-hop (a poesia e músicas RAP) nos primeiros anos da sua existência e apresentação às indústrias de publicação, ao mesmo tempo, ao constatar uma invisibilização nas literaturas dos domínios científico e cultural dos assuntos por estas levantados durante a pesquisa (a violência doméstica, os machismo e sexismo), estas conversas procuram um lugar de fala para os dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em contexto português (Djamal e Divine) e para o seu trajecto, de modo a compreendermos as desigualdades de género inerentes  aos primeiros grupos de RAP femininos em contexto português, que a tese (no prelo) apresenta num dos capítulos como elemento fundamental para a compreensão das desigualdades baseadas no género inerentes tanto aos primeiros grupos de praticantes como áqueles com que hoje nos deparamos noutros territórios geográficos e domínios culturais. 

[1] O Impacto do RAP no Cinema de Autor, Outub, 2016, RAPortugal Ciclo de Debates, DGArtes'15/16, FCSH NOVA.

Nota: O tema «Abreu» faz parte do primeiro disco de estúdio de Black Company (Geração Rasca: 1995), depois de terem entrado na colectânea RAPública (1994). É editado igualmente pela Sony Music.

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RAProduções de memória: 1990-1997, percursos da invisibilidade. As primeiras mulheres no RAP feito em Portugal (afirmação e resistência)

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RAProduções de memória: 1990-1997, percursos da invisibilidade. As primeiras mulheres no RAP feito em Portugal (afirmação e resistência)

Publicado originalmente na Edição de Setembro de 2017 do Le Monde Diplomatique

Cultura

1990-1997, percursos da invisibilidade. As mulheres no RAP: afirmação e resistência, por Soraia Simões

 

 

Entre 1990 e 1997, houve em Portugal experiências importantes, mas muito desconhecidas, de RAP feito por mulheres. A par de temas comuns ao RAP feito por homens, as suas letras abordavam realidades quotidianas como o sexismo e a violência doméstica. Terão as criações destas mulheres, na sua maioria descendentes de imigrantes africanos, sido vítimas da mesma invisibilização de género que caracteriza outros campos?

Abram espaço que eu estou a chegar

Abram espaço que agora vou rimar

Abram espaço que agora vou falar

Abram espaço

Abram espaço…

(Djamal, Abram Espaço, BMG, 1997)

Pouco depois das suas primeiras aparições na rua, na segunda metade da década de 1980[1], a prática do RAP[2] em Portugal foi assimilando e exibindo uma grande heterogeneidade de tipologias sonoras e alguns recursos musicais, que se afirmou com a criação dos seus próprios estilos diferenciados, ao mesmo tempo que prevaleceu, nestes primeiros anos – e acerca deles –, uma narrativa que o apontava como um campo de produção cultural marcado especialmente por populações jovens e de género maioritariamente masculino. Mesmo existindo mulheres que participaram desde o seu começo como MC (Mestre de Cerimónias) ou flygirls – nos concertos ou noutro tipo de eventos locais realizados durante esta fase –, e sendo este o período em que pela primeira vez, de um modo explícito, temas como a igualdade de género e o sexismo ganhavam aqui território e amplificação nos media, primeiro a partir da presença do grupo Djamal no panorama discográfico nacional e depois pela actuação do grupo Divine, que voltaria a dar destaque a este assunto.

 

(…) Diz-me porque motivos

Queres então esses ouvidos

Se não os vais usar

É um desperdício

Limpar a tua mente

É esse o meu ofício

X-Sista sou a voz da consciência

(Djamal, Abram Espaço, BMG, 1997)

Quem fizer uma pesquisa num motor de busca on-line (a principal ferramenta das comunidades jovens), numa enciclopédia (reduto de curiosos, coleccionadores, biógrafos ou amantes do género) ou em repositórios científicos que demonstram a profusão ensaística e de publicações académicas neste âmbito, utilizando as palavras-chave «rap», «cultura hip-hop», «hip-hop celebridades», «protagonistas hip-hop», «protagonistas rap», «rappers emergentes», «êxitos RAP e Hip-Hop», «RAP nos EUA» ou «RAP no UK» terá uma dificuldade enorme em encontrar nomes no feminino. Eles são quase inexistentes; não aparecem sequer nas primeiras listagens. Se a mesma pesquisa for realizada acrescentando à busca «Brasil» ou «Portugal» o mesmo sucede.

Quando realizava o trabalho de campo sobre este tema – recentemente publicado num audiolivro[3] –, procurei no omisso indagar porquês; na secundarização que fui sentindo acerca da dimensão e do papel das mulheres (nascidas durante a década de 70) neste quadro histórico procurei perceber, igualmente, a razão desta descontinuidade histórica, que faz com que, para muitos(as), a experiência de fazer RAP ou ser parte integrante de uma «cultura» (o «hip-hop»), assim entendida pelos seus sujeitos, no feminino se inicie com Capicua (rapper do Porto nascida em 1982, que inicia a sua produção discográfica em 2006). No século XXI, portanto. Quando, afinal, já reunira durante este trabalho registos vários da segunda metade do século XX (entre 1988 e 1997) com mulheres como MC, rappers, flygirls em escolas secundárias com eles, no Cais do Sodré com eles, em viagens de comboio com eles, em encontros no Trópico Disco (espaço de sociabilização, festas, concertos durante a década de 90) com eles, no Bairro Alto com eles. Registos que se acumulam (fotográficos e em vídeo) durante o início da década de 90. Tendo dois dos grupos, inteiramente femininos, gravado em estúdio. Divine[4] em discos de Black Company (Sony Music. Geração Rasca, Filhos da Rua: 1995 - 1997) e Djamal com registo de grupo (BMG. Abram Espaço: 1997)

Feita há sete anos uma pesquisa anterior, ouvidos e reouvidos, em variadíssimos casos, todos os repertórios que enformaram este período em Portugal, percebi que o darwinismo social, o racismo, a dominação e a exclusão social foram temáticas que mereceram a atenção de grande parte da minha geração (à volta dos 40 anos), tendo sido (re)tratadas por sujeitos de ambos os sexos nesta prática cultural.

Por que motivo foi vedado reconhecimento público, com importância semelhante no pioneirismo, às primeiras mulheres a fazer RAP em Portugal, na sua maioria descendentes de imigrantes africanos, cujos repertórios versavam tópicos idênticos aos dos homens, mas também o sexismo, a violência doméstica, a diminuição da sua presença num território marcado pela masculinidade e objectificação da mulher?

anexo 1, anexo 2

O que não se responde tem, em casos particulares como este, mais força que aquilo que se diz. Ouvindo a história oral que o referido audiolivro regista[6], através da transmissão das memórias de X-Sista, Jumping e Sweetalk (Djamal), e lendo as de ZJ-Zuka (Divine), esse desconforto é tão presente quanto a vontade de falar. Fazendo parte da mesma geração destas mulheres, junto a um sentimento de reconhecimento a vontade de dialogar, de perceber e de enquadrar essas memórias num campo de percepção e intervenção maior.

«Discutíamos assuntos que nos tocavam e que possivelmente tocavam outros jovens na altura, tínhamos um tema que era o nosso preferido intitulado “A vida é Cabra”, falava de jovens que tinham sexo desprotegido e sem pensar nas consequências. Mais tarde davam conta que estavam infectados com SIDA. Falávamos também de situações que nos eram próximas, como as da pobreza e da discriminação. Vivíamos em lares, os nossos pais eram ausentes e as nossas mães passavam pouco tempo em casa porque precisavam de trabalhar para nos sustentar. Consequentemente, quando nós escrevíamos sobre o gueto, estávamos a falar das nossas experiências, de viver com pouco para comer e ver as nossas mães a lutarem sozinhas contra imagens de sexismo e discriminação racial para nos pôr comida na mesa e roupa no corpo todos os dias» (ZJ-Zuka, Divine).

 

«Eu acho que todas nós, depois de Djamal, passámos por momentos muito complicados. Já soube que a Tânia (Jumping) passou por uma depressão. Eu passei por um momento de raiva e cortei com tudo. Desliguei-me e virei costas ao hip-hop, mas depois eu e a Xana (X-Sista) tirámos um curso de jovens empresárias culturais. Foi o melhor emprego da minha vida porque aprendi e cresci muito. Fui parar à Praça das Flores onde trabalhei com o Paulo Pulido Valente, Joana Arouca, Vitorino, Sérgio Godinho e Tito Paris. Vi coisas que nós miúdas no mundo da música não sabíamos, como os contratos e quanto ganhávamos (…). Encontrei o Reiki a meio do percurso de produção de eventos. (…) Meti-me no curso de Medicina Tradicional Chinesa e a meio faço massagem ayurvédica. Nunca mais parei» (Sweetalk, Djamal).

Quando há cerca de meia dúzia de anos comecei a gravar e entrevistar rappers, junto a outros protagonistas da música e cultura populares do século XX, focando assuntos transversais a toda a música que foi produzida em Portugal no portal Mural Sonoro, recuperei a leitura do sociólogo Pierre Bourdieu. Isso permitiu-me relembrar a importância das concepções «invisíveis» que chegam até nós, seres sociais, e levam à formação de «esquemas de pensamentos impensados», isto é, quando acreditamos ter a liberdade de pensar alguma coisa, sem levar em conta que esse «pensamento livre» está marcado por preconceitos, interesses e opiniões alheias. Ora uma relação desigual de poder suporta uma aceitação dos grupos dominados, não sendo necessariamente uma aceitação consciente e ponderada, mas uma submissão pré-reflexiva.

Afinal, foi assim para muitas mulheres da minha geração. Quando Lauryn Hill aflorava em «Doop Wop» a coisificação de que se é alvo sendo-se mulher num meio cultural de homens, de violência doméstica, de relacionamentos abusivos (1998) grande parte da minha geração de mulheres enaltecia a presença de Kanye West em «What You Do to Me» de Infamous Syndicate um ano depois (1999). Foi assim quando Dina Di, a primeira brasileira, oriunda de Campinas, a ter sucesso no RAP, cujo percurso começara em 1989, só em 2003 atingiu um reconhecimento maior com o CD A Noiva de Chuck. Ou quando Karol Conka, que com 16 anos ganhara um «concurso de RAP» na sua escola, incidia sobre a sociedade tradicional brasileira, grande parte da minha geração de mulheres enaltecia a presença de Gabriel O Pensador e a sua forte influência neste panorama cultural em Portugal. Foi assim quando M.I.A, inglesa, filha de um activista político, que viveu no Sri Lanka e depois da guerra civil volta com a família para Londres, a cidade onde nasceu, e é recebida como refugiada, fez «Born free» ou «Borders» – onde falou sobre refugiados e empoderamento feminino –, e grande parte da minha geração de mulheres vaticinava o tão aguardado regresso de Public Enemy.

«O RAP ajudou-me a expressar frustrações, tristezas e felicidades, possivelmente a inspirar outros e outras, jovens filhos e filhas de imigrantes como nós, para seguir os seus sonhos, fossem eles quais fossem» (ZJ-Zuka, Divine).

A Música Popular não se desliga das determinações históricas e dos contextos sociais em que emerge, estando isso neste domínio cultural grosso modo explícito no conteúdo literário  e nos discursos dos seus principais sujeitos na comunicação social logo a partir do início da década de 90. Mas talvez falte aos movimentos culturais o mesmo que às lutas individuais que não se revêem em movimento algum: transdisciplinaridade. Para se perceber que as primazias que incitam os longos processos de segregação e discriminação também estão, sempre estiveram, presentes nos grupos culturais, que vão beber ao mesmo rio dos abusos, da intolerância, do estigma, da cegueira moral e até da superstição, e que as formas de resistência de cada grupo cultural estão sossegadas nas suas narrativas próprias, dificultando a intersecção. Ora, só quando as conhecemos podemos denotar a pouca permeabilidade a quem pensa diferente, a opressão e o silenciamento induzidos internamente.

Tratando de feridas sociais, há ou não espaço para as tratar todas em igual medida? É uma questão de proporção, de tempo de actuação? Não é. De insipiência sonora e musical, no caso português, porque estavam a começar? Todos(as) a tinham. O espaço que o grupo feminino Djamal reivindicou não foi aberto; foi descoberto, no século XXI, na sua intenção primeira: a de fazer RAP abordando aquilo que eram as suas realidades quotidianas.

«O RAP não pode ser girl power e chega de abuso. Quer dizer, tem de haver uma evolução e o que é interessante é que nós com 18 ou 20 anos tínhamos um discurso de uma mulher de 40. Ainda hoje a minha mãe e as amigas dela dizem que nunca mais ouviram ninguém a dizer aquelas coisas» (Sweetalk, Djamal).

Segundo Pierre Bordieu, «o corpo biológico socialmente modelado» seria «um corpo politizado, ou se preferimos, uma política incorporada. Os princípios fundamentais da visão androcêntrica do mundo são naturalizados sob a forma de posições e disposições elementares do corpo que são percebidas como expressões naturais de tendências naturais»[7]. A visão do mundo cultural determinada a partir do ponto de vista masculino[8] pressupõe, afinal, que ninguém se atreva a questionar o carácter «natural» do feminino e do masculino.

Em O Rap é uma Arma (Kiluanje Liberdade, documentário de 1996) revê-se, através da fala de gerações do RAP sucedâneas à primeira a gravar em Portugal, uma censura relativamente ao contínuo descomprometimento com as realidades sociais por parte dos que iniciaram a gravação (RAPública, Sony Music, 1994) e se aproximariam da indústria cultural nos anos seguintes, «perdendo um discurso actuante» ou «vendendo-se», segundo alguns dos intervenientes no filme. Porém, não há em momento algum nesse documentário uma referência acerca dos papéis assumidos pelas primeiras mulheres a fazer RAP em Portugal e acerca da importância e actualidade dos assuntos que as mesmas levantaram num palco, o da cidade de Lisboa, em profunda transformação, sob o ponto de vista cultural (ideias, comportamentos, rituais) e social (económico, identitário, territorial).

 

(…) Eu quero sair lá do Gueto

Preciso…sair lá do Gueto

(…) O problema não é exclusivo duma raça

(Divine com Black Company, Faixa 7, «Ghetto», Geração Rasca, 1995)

 

No início da década de 90, Lisboa foi incitada a reformular o seu papel crítico sobre questões como a experiência transatlântica, a esfera socioeconómica, a educação e demais tópicos que marcariam a existência diária destas comunidades de prática artística, os quais, por via da sua expressão na indústria cultural e, por conseguinte, na cidade e na sociedade, passaram a ser parte integrante de decisões organizacionais e de tratamentos discursivos. A capital passou a colocar na ordem do dia assuntos como a exclusão social, o racismo, a despenalização do aborto ou a legalização das drogas leves, ao mesmo tempo que começou a estar receptiva a linguagens sonoras e musicais novas, que reflectiam esses temas.

Disso foram exemplo os vários espaços de encontro cultural, sociabilização e discussão que se oficializaram: a Associação Olho Vivo (1988 até ao presente), a Associação SOS Racismo (1990 até ao presente), o Johnny Guitar (1990-1996), o Trópico Disco (1991-1993), a Associação Abraço (1992 até ao presente), o Pavilhão Carlos Lopes (1984-1993), o espaço B.Leza (1995-2007; reabre em 2012 até ao presente) ou a Fábrica da Pólvora (1995 até ao presente).

O Rap é uma Arma, mas deverá também assumir-se como uma resposta ao passado e presente do seu modus vivendi, se quiser enriquecer-se por diálogo interseccional (que não o destitui em nada daquilo que é a forma como cresce e se desenvolve a sua história), se quiser evoluir para além da evolução da sua maquinaria, dos beats ou dos modos de produção e recepção. Há perguntas que carecem de respostas, plurais, consistentes e, sobretudo, emancipatórias. Indagar silêncios e escolhas que ocorrem neste campo implicará uma imersão feita para dentro, e não só de dentro, destes grupos sociais e culturais. Tal obrigará a uma reconstituição de actos, reflexões, retóricas acomodadas, e isso é duro. Requer ir ao âmago de condutas tidas como normalizadoras, inquestionáveis; implica, algumas vezes, passar pelo desafio da auto-desautorização. Haverá outra forma de se reinventar, indo mais além?

Referências
[1] Soraia Simões, «RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada: 1986-1996», Memória, Sociedade, História Oral e Cultural Popular, Editora Caleidoscópio, Lisboa, 2017, p.15.
[2] RAP – assumo ao longo dos trabalhos que tenho publicado acerca deste domínio a designação RAP em maiúsculas, e não em minúsculas e itálico, para demonstrar o domínio num plano central das mudanças de comportamentos e linguagens verificadas num determinado contexto histórico, e não num plano secundário ou complementar. Ou seja, onde as medidas e mudanças que se verificaram socialmente não diminuam ou tornem secundária, como habitualmente sucede,  a dimensão social ou o papel ideológico desta prática cultural e artística, a partir da qual elas acontecem durante este primeiro período em Portugal.
[3] O audiolivro inclui as entrevistas efectuadas. Cf. QR-Code (soundcloud), Editora Caleidoscópio, 2017.
[4] O grupo Divine era formado por Carla Cruz (Big Mama), Cheila Mateus (Miss Slowly), Sandra Johnston Da Cruz, Ana Sofia Sanches (Dana Dane), Maria João Sanches (Shorty), Zulaia Johnston Da Cruz (ZJ-Zuka). Idilza Santos (Breakdancer) e Etelvina Santos (Da Bomb) integram mais tarde o grupo, em 1998.
[5] Djamal, grupo inteiramente feminino formado por X-Sista (Alexandrina Matos), Jumping (Tânia), Sweetalk ( Ângela Rebelo) e Jeremy; tempo de actividade: 1990-1999. Excerto de entrevista: QR-Code (soundcloud), Editora Caleidoscópio, 2017, p. 61.
[6] Soraia Simões, Ibid., p. 61: QR-Code (soundcloud), Editora Caleidoscópio, 2017.
[7] Pierre Bourdieu, A Dominação Masculina, Relógio d’Água, Lisboa, p. 156.
[8] Charliton José dos Santos Machado, Idalina Maria Freitas Lima Santiago e Maria Lúcia da Silva Nunes (org.), Gêneros e práticas culturais: desafios históricos e saberes interdisciplinares, Campina Grande, EDUEPB, 2010 (online).

Simões, Soraia 2018. « Fixar o (in)visível: papéis e reportórios de luta dos dois primeiros grupos de RAP femininos a gravar em Portugal (1989 - 1998) », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 7, No 1 | -1, 97-114. Brasil.

Fotografias

fotografia de capa: Soraia Simões, 27/12/2014, Coimbra.

anexo1: X-Sista e Jumping com Soraia Simões.

anexo 2: fotografia cedida por Jumping para audiolivro (Djamal com Margarida Pinto Correia, 1997).

anexo 3: Swetalk (Djamal), anexo 4: ZJ-Zuka (Divine), anexo 5: Dana Dane (Divine).

 

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COLÓQUIO INTERNACIONAL, MAPUTO (7-9-12 de Novembro)

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COLÓQUIO INTERNACIONAL, MAPUTO (7-9-12 de Novembro)

Parte da comunicação de Soraia Simões em áudio no âmbito do Colóquio Reinventar o discurso e o palco: o RAP entre saberes locais e olhares globais organizado pela Bloco4 Foundation na cidade de Maputo no passado dia 9 de Novembro. Inclui algumas fotografias do trabalho de campo entre 2012 e 2016 e temas de alguns dos grupos referenciados, creditados no vídeo:

temas-chave: a emergência do RAP em Portugal, 1986 - 1998, as mulheres no RAP, relações de poder, identidades, teor social e performático dos repertórios

O Colóquio contou com as parcerias da Universidade Eduardo Mondlane, do Centro Cultural Brasil-Moçambique (onde decorreram as apresentações deste painel), o Mural Sonoro, a Rede Brasil Cultural, a Queen’s University Belfast e a Rádio Clássico HipHop Time.

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Seminário Internacional Práticas de Arquivo em Artes Performativas - 16, 17 e 18 de novembro de 2017, TAGV (Coimbra) e TNSJ (Porto)

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Seminário Internacional Práticas de Arquivo em Artes Performativas - 16, 17 e 18 de novembro de 2017, TAGV (Coimbra) e TNSJ (Porto)

Seminário Internacional
PRÁTICAS DE ARQUIVO EM ARTES PERFORMATIVAS

ARCHIVE PRACTICES IN PERFORMING ARTS
Data: 16, 17 e 18 de novembro de 2017

organização: CEIS20/Universidade de Coimbra, Instituto de História da Arte - FCSH NOVA I
Locais:

TAGV - Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra), 16 de Novembro

Teatro Nacional de São João | Centro de Documentação MSBV, Porto (17 e 18 de Novembro)

 

Dia 16 de Novembro (pelas 14.30, TAGV - Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra), Soraia Simões (Instituto de História Contemporânea/FCSH NOVA, Mural Sonoro) participará no simpósio com a comunicação: «1955-1999. Um Arquivo para todos/as! Novos lugares: reproduções de memórias e história das músicas populares num écran», que incide nos últimos sete anos de trabalho desenvolvido no portal Mural Sonoro.

Resumo

As contribuições da história oral e dos testemunhos individuais no campo da música e da cultura populares ao longo da segunda metade do século XX, no relevo que elas permitem dar às «memórias subterrâneas», especialmente em contextos de transformação social, em momentos de conflito ou em períodos de intensa contestação política são, na partilha da diversidade intrínseca das experiências vividas, de grande riqueza para os Estudos Culturais no geral e para os Estudos de História da Música Popular em particular.
De um modo menos claro, por vezes silencioso, esquecido, o que é dito «de novo» ou enquadrado, conduzido e cruzado num campo ou com uma perspectiva «novos/as» para o interlocutor pode questionar e mesmo alterar uma hipotética «coerência narrativa» imposta por uma memória oficial colectiva --- pelas indústrias de publicação de conteúdos e as balizações das suas linhas editoriais ---, ou mesmo pelos próprios actores «formatados» pelos anos de interacção com essas indústrias (mass-media).
O modo como as práticas musicais de matriz urbana no contexto local se alimentaram da experiência internacional por via dos discos, do cinema, da rádio, da televisão, ao mesmo tempo que por modelos de aprendizagem formal (conservatórios nacionais, conservatórios regionais, bandas filarmónicas) e menos formais (na rua) entre 1955 e 1999 permite traçar uma linha de narrativas coincidentes acerca da emergência de algumas destas comunidades artísticas, pese embora as características individuais de cada grupo. Ora é aqui que analisar essas memórias e percursos cruzando com a própria história da indústria musical portuguesa (e mundial) se impõe levando-nos a uma busca exigente por uma actualização da história da música popular e das questões da sua performatividade e representação públicas. Ao mesmo tempo, ao convocar junto dos seus actores a exposição oral de vivências, e colocar em evidência o cruzamento e a interpretação das mesmas, preenche o ensejo por um excercício de liberdade e de cidadania permanente: onde a paisagem social, sonora, musical e científica dos nossos tempos forme um novo campo da nossa cultura, uma cultura partilhada onde o primeiro (e último) objectivo será garantir o seu acesso ao grande público nesta era digital.

Palavras-chave: arquivo digital sonoro, usos da memória, história oral, práticas musicais em contexto local e transnacional na segunda metade do século XX.

Apresentação:

Este Seminário pretende avaliar e pensar as práticas de arquivo em artes performativas, considerando simultaneamente: 

(1) os diversos contextos e ocorrências disciplinares (Teatro, Dança, Performance, Música); 

(2) as resistências e as possibilidades de constituição do arquivo na conjuntura tecnológica e mediatizada da atualidade; 

(3) as dinâmicas que se estabelecem entre o arquivo documentado/documentável e as práticas contemporâneas de criação e corporização da memória (embodied memory).  

Será dada especial atenção às diversas tecnologias de inscrição (Derrida) que determinam a constituição do arquivo, analisando as metodologias e práticas de arquivo que nas últimas décadas vêm sendo aplicadas em diversas iniciativas documentais, tanto nacionais como internacionais. Neste sentido, além de incluir palestras propondo uma reflexão mais transversal sobre as questões teóricas e conceptuais colocadas pela dinâmica entre o arquivo e o reportório (Diana Taylor), o seminário contempla a apresentação, descrição e análise de casos concretos, dando conta das possibilidades e das limitações na constituição de um arquivo em artes performativas. As tecnologias e as práticas de arquivo são também responsáveis pela estrutura e pela própria produção dos factos e dos acontecimentos arquivados, nomeadamente âmbito da contingência reconhecida às artes performativas.

O evento decorrerá no Teatro Académico de Gil Vicente (dia 16 de novembro) e no TNSJ/Mosteiro São Bento da Vitória (17 e 18 de novembro). Cada um dos dias abre com uma conferência plenária, seguindo-se a apresentação, análise e debate de casos nacionais e internacionais. Está prevista a realização de dois workshops, respetivamente sobre “Documentação e Indexação em Artes Performativas” e “Software e Gestão de Arquivos Digitais”. Numa segunda fase será publicada uma monografia com uma seleção de textos apresentados, documentando o debate e inscrevendo-o a seu modo no espaço público, junto da comunidade de criadores, investigadores, agentes e instituições do meio artístico. A complementaridade entre as diversas ações propostas com este seminário é especialmente importante num país marcado por dificuldades na relação (material e imaterial) com o arquivo e a documentação, em certo sentido relacionáveis com o “país da não inscrição” a que se referiu o filósofo José Gil.

 

Mais detalhes (programa em actualização) aqui

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CLOSE UP (punks not dead)/instalação

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CLOSE UP (punks not dead)/instalação

CLOSE UP - PUNKS NOT DEAD (1977 - 2017)
NEVERMIND de Paulo Moreira aka Boris Fortuna (Faculdade de Belas Artes, Univ do Porto)
20 de Novembro a 10 de Dezembro de 2017, Átrio principal da FCSH NOVA
Organização: Instituto de História Contemporânea
Curadoria: Soraia Simões (IHC - FCSH NOVA, Mural Sonoro)
Entidades parceiras: FCSH, IHC, Mural Sonoro

 

No ano em que se comemoraram quarenta anos decorridos do, designado pelos seus principais protagonistas como, movimento Punk, a exposição/Instalação CLOSE UP – punks not dead apresentava um conjunto de desenhos instalados na sua maioria de grandes dimensões onde se apontavam como territórios de exploração os fenómenos associados ao consumo, à acumulação e ao excesso, numa era em que se cria e actua a partir de «uma visão positiva de caos e complexidade» (Bourriaud). A alusão ao PUNK enquanto fenómeno cultural e político inspira uma reflexão sobre as heranças deste movimento, a sua influência no âmbito social e estético. Como fenómeno criativo, bem como das ideias de caos, excesso e consumo; características da contemporaneidade, actualmente eivada pelos prodígios da globalização, mas que na sua emergência (década de 1970) se enredava pela acção e postura contra determinado establishment e o emergir de uma nova modernidade (...).Numa paisagem saturada de sinais, ao artista plástico é dada a possibilidade de criar por novas vias novos formatos, territórios que exploram os vínculos existentes entre o texto e a imagem, o tempo e o espaço. O artista transcodifica e transpõe a informação de um formato para outro, errante na história e na geografia, a partir do caos quotidiano, através da dobragem e reprodução, ou duplicação. No seu conjunto, a instalação apresentava-se como peça única em forma de MURO, elemento arquitectónico determinante de uma visão dúplice de planos, à lembrança os discos de vinil: das suas capas em particular. A forma do trabalho expressa um curso, uma errância, e não um espaço-tempo fixo. A narrativa segue num percurso circular sem início nem fim. Por outro lado, a ideia de MURO constitui-se por si como espécie de «altar memorabilia» onde, de forma aparentemente aleatória, automática, lembrando os cut-up de Burroughs, se organizavam os diversos elementos e desenhos. Do mesmo modo, as correspondências quanto aos materiais utilizados, fotocópias, papel de fotocópia, fita adesiva, cartão, bolsas de plástico, vinil autocolante, entre outros, bem como o próprio processo de construção, idealizavam as vivências do quotidiano e os processos de acumulação a elas associados, num tempo marcado pela globalidade relacional, as ligações em rede, os ideais de consumo, enfim, os rituais sociais da modernidade actual (Soraia Simões de Andrade, folha de sala). Artista: Paulo Moreira, Curadora: Soraia Simões de Andrade. Organização: IHC/AMS

CARTAZ EXPOSIÇÃO - art final - 2.jpg

Parcerias: Mural Sonoro, Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.  

NOTA: Folha de sala e outras surpresas durante a exibição

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Bandas e música para sopros: (Re)pensar histórias locais e casos de sucesso - Colóquio, 10 e 11 de Outubro

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Bandas e música para sopros: (Re)pensar histórias locais e casos de sucesso - Colóquio, 10 e 11 de Outubro

Colóquio: Bandas e Música para Sopros: (Re)Pensar Histórias Locais e Casos de Sucesso

IHC | FCSH-NOVA | 10 de Outubro (Auditório 1, torre B, piso 1, FCSH),
11 de Outubro (Sala Multiusos , edifício ID)

Colóquio Bandas e Música para Sopros (Re)Pensar Histórias Locais e Casos de Sucesso.jpg

Colóquio: Bandas e Música para Sopros: (Re)Pensar Histórias Locais e Casos de Sucesso

 



O colóquio Bandas e música para sopros: (Re)pensar histórias locais e casos de sucesso teve como propósito reunir investigadores/as de distintas áreas do saber, criar sinergias, cruzar ideias, reflectir e estimular o debate sobre este campo académico, particularmente relevante da cultura portuguesa, que tem vindo a ganhar visibilidade na última década. Pretende-se fomentar e divulgar a prática musical para sopros (as bandas em particular), partilhar informação e disseminar resultados de investigação, promover a inclusão desta temática no âmbito das investigações académicas e discutir questões e desafios para o futuro desenvolvimento das bandas de música. Além de serem o motivo da fundação de inúmeras colectividades locais ‒ muitas delas constituídas no século XIX ‒ uma parte significativa dos instrumentistas de sopro mais conceituados iniciou a carreira musical precisamente em bandas de música, alguns dos quais continuam a dar o seu contributo, sobretudo como maestros.

Apoio Antena 2

Colóquio: Bandas e Música para Sopros: (Re)Pensar Histórias Locais e Casos de Sucesso IHC | FCSH-NOVA | 10 de Outubro (Auditório 1, torre B, piso 1, FCSH), 11 de Outubro (Sala Multiusos , edifício ID) Comissão Organizadora: Bruno Madureira (FLUC e IHC-FCSH/NOVA) Diogo Vivas (CEIS20-UC) Soraia Simões (IHC-FCSH/NOVA e Mural Sonoro) Comissão Científica: André Granjo (INETMD e FLUC) Luís Cardoso (compositor, Escola de Artes da Bairrada) Maria do Rosário Pestana (INETMD-UA) Paulo Estudante (CECH-FLUC) Pedro Marquês de Sousa (CESEM-FCSH/NOVA) Rui Vieira Nery (INETMD-FCSH/NOVA, FCG) Suzel Reily (UNICAMP) Ver programa completo aqui: https://bandasemusicaparasopros.wordpress.com/programa/

As comunicações apresentadas nestes dois dias (10 e 11 de Outubro) serão publicadas num livro em 2018/9. Agradecemos a tod@s que participaram nestes dois dias bastante enriquecedores.
Comissão organizadora:
Bruno Madureira
Diogo Vivas
Soraia Simões
Instituto de História ContemporâneaMural SonoroCEIS20

fotografias de Carlos Moreira

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"História e Memória: cultura hip-hop na cidade de Maputo", 14 de Setembro, Fortaleza de Maputo

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"História e Memória: cultura hip-hop na cidade de Maputo", 14 de Setembro, Fortaleza de Maputo

A Associação Mural Sonoro associa-se ao seminário História e Memória: cultura hip-hop na cidade de Maputo, a realizar-se no dia 14 de Setembro (próxima quinta-feira), das 15h às 17h, na Fortaleza de Maputo.  

O  principal objectivo deste seminário consiste em reunir académicos, artistas e profissionais de meios de comunicação  a debater e reflectir sobre história e memória no universo do «hip hop» produzido nos últimos anos na cidade de Maputo, por via de uma abordagem  transdiciplinar sobre a temática nos diferentes campos do saber.

A Bloco 4 Foundation, conta com a parceria da Associação Mural Sonoro, na promoção deste seminário.

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