A balada “Teto na Montanha”, editada em 1968, foi concebida no período das deambulações dos tempos de Coimbra, “em estado de penúria física e mental”, numa fase que José Afonso caracterizou de “mais ou menos franciscana”. Durante esta fase mística da sua vida, e embora não se reconhecendo como “devoto”, leu o “Hino ao Sol” de São Francisco de Assis, e alimentou uma enorme simpatia pela doutrina de amor à natureza e desprendimento pelos bens materiais perfilhadas pelos franciscanos, que assimilou como bastante realista e revolucionária. De tal forma que chegou a pensar: “Qualquer dia reduzo-me ao essencial e piro-me para uma terra qualquer, no cimo de uma montanha, daí aquela cantiga (…) Era frequente em Coimbra trocar de camisa com outros gajos. Era um símbolo, um testemunho de amizade” (Teles, 1983: 21). A fraternidade marcava os anos de Coimbra, onde uma certa “loucura” representava um sinal de pureza, alimentando os anseios de um mundo mais justo e igualitário.
No ano letivo de 1960/1961 José Afonso aporta em terras algarvias como professor, e descobre o mar da libertação, emocionalmente debilitado pela ausência dos filhos e pela rutura do primeiro casamento. Durante a sua permanência no Algarve, até 1964, inicia uma nova fase da sua vida. No desempenho das suas funções de professor fixou-se primeiro em Lagos, onde partilhou, com “figuras típicas” da cidade, “as beberragens, os arrozes de conquilhas e as caldeiradas” intercaladas de canções. Posteriormente, em Faro, percorrendo um sem-número de coletividades e espaços públicos, nos quais exprime a sua arte maior como cantador, constrói uma visão idílica do Algarve, convencido de que aí encontraria maior liberdade e menos interdições: “Algarve o nome me está lembrando/ Algarve e a brisa passa a cantar/ E as sombras leva-as o vento voltando/ Silêncio dizem as ondas do mar” (Salvador, 1983: 126). Todavia, deparou-se com uma sociedade profundamente marcada pelo controle social, na qual o Carnaval era a “válvula de escape”, a máscara da liberdade. Todavia, a experiência de vida em terras algarvias alargou os seus horizontes literários e poéticos. As suas especulações existenciais e metafísicas encontraram o epicentro de discussão no convívio com um grupo de intelectuais, companheiros de viagens marítimas e de sonhos, que metaforicamente inspiraram as suas canções.
A balada “Tenho Barcos, Tenho Remos” é um dos temas mais representativos desta fase de libertação do poeta-cantor, na qual expressa o amor por Zélia, a “quem não pode chegar” em virtude do controle social a que ambos estavam sujeitos. Paralelamente revela o convívio com os poetas surrealistas, que contribuíram para a depuração da palavra escrita. Porque apesar de nunca se ter assumido como poeta, José Afonso deixou muitos textos poéticos escritos à margem da sua produção como cantor, “reconhecendo a influência que sobre ele tiveram os surrealistas, tanto franceses como portugueses” (José Jorge Letria cit. em Cravo, 2006: 50). Neste tema, incluído no álbum de fonogramas “Baladas de Coimbra” (1962), José Afonso idealiza-se metaforicamente barco, navio, mar, livre de amarras, interrogando-se sobre o seu percurso de vida de adolescente a adulto, arriscando um tópico surrealista “o ser mulher” (Cravo, 2009: 58). No poema encontramos igualmente algum paralelismo com uma canção popular de Olhão:
“ Cancioneiro Popular (Olhão)
Tenho barcos, tenho redes
Tenho sardinha no mar
Tenho uma mulher bonita
Que não me quer trabalhar
(Vasconcelos, 1975: 274)
Tenho Barcos, Tenho Remos” (Popular/José Afonso, 1962)
Tenho barcos, tenho remos
Tenho navios no mar
Tenho amor ali defronte
E não lhe posso chegar.
Tenho navios no mar
Tenho navios no mar
Tenho amor ali defronte
Não o posso consolar. (…)
O aludido barco, comprado e recuperado pelo poeta surrealista António Barahona, batizado de “o barco do Diabo”, foi pertença de uma “pequena sociedade de foliões”, constituída por José Afonso, António Barahona, Manuel Pité, António Bronze e Luísa Neto Jorge. Entre os pescadores de Faro o barco era alcunhado pelo “Tosse Tosse”, como referência erótica às viagens e noitadas do grupo pela ria, no qual, Luísa Neto Jorge era a única mulher a bordo (Salvador, 1983: 123). “Tenho Barcos, Tenho Remos” expressa vivências partilhadas, numa comunhão perfeita com o mar algarvio, agrupados “numa espécie de ciclo fraterno representativo de uma das fases mais felizes da vida do autor” (Simões & Mendes, 1995: 98).
“Canção do Mar” (José Afonso, 1964)
Ó mar
Ó mar
Ó mar profundo
Ó mar
Negro altar
Do fim do mundo
(…)
O tema evocado vive da valorização sonora, dada pelo acompanhamento musical e pela repetição cadenciada da palavra “mar”. Para José Afonso a dificuldade consistiu em fazê-lo passar ao plano abstrato, como elemento omnipresente no espírito do cantor, fora do ambiente convencional para que foi criado (Simões & Mendes, 1995: 97). “Canção do Mar”, juntamente com “Ó Vila de Olhão” e “Maria”, dedicado a Zélia, faz parte do álbum de fonogramas Cantares de José Afonso (1964), no qual as temáticas marítimas servem para expressar claramente o seu posicionamento perante a vida e a sociedade, fruto das vivências com alunos do ensino noturno, trabalhadores estudantes de Faro e de Olhão, que o despertaram para novas realidades sociais (Salvador, 1983: 137)5.
Quando residia em Faro, José Afonso deslocava-se todas as semanas a Olhão, deambulando pela vila, em passeatas puramente contemplativas “pelas cabanitas e pelo cais”, apreendendo a labuta dos “trabalhadores do mar”. Dessas passeatas, e das relações que ia estabelecendo com os pescadores, nasceu o poema “Ó Vila de Olhão!”, manifestando uma clara paixão pelo lugar e pelas pessoas. Como mais tarde recordou: “Não sei bem porquê. Imaginava-a a terra do trabalho, ou a terra de indivíduos temperados pela experiência” (Salvador, 1983: 139). O escritor Raul Brandão, na sua obra “Os Pescadores”, fala-nos dos sentimentos de igualdade e fraternidade que caracterizavam “o marítimo de Olhão”, consciente de que no mar os homens eram todos iguais, por enfrentarem os mesmos perigos e partilharem o mesmo destino. A fragilidade e a incerteza da faina marítima alimentavam a religiosidade dos pescadores, reforçando a solidariedade, “arriscando a vida para salvar a dos outros: hoje por ti, amanhã por mim”. E como “o mar abundante e pródigo não tem cancelas, são generosos, imprevidentes e comunistas” (Brandão, s/d: 159).
“Ó Vila de Olhão” (José Afonso, 1964)
(…)
Larga ó pescador
O que tens na mão
Que o peixe que levas
É do teu patrão
É do teu patrão
É do teu patrão
Limpa o teu suor
No camisolão
Que o peixe que levas
É do cais de Olhão
Vem o mandarim
Vem o capitão
Paga o pagador
Não paga o ladrão
Não paga o ladrão
Não paga o ladrão
Ó vila de Olhão
Da Restauração
Madrinha do povo
Madrasta é que não
(…)
Em 1922, Raul Brandão escrevia: “há meio século, Olhão, entranhado de salmoura e perdido no mundo, vivia só do mar. Todos se conheciam. Os que não eram marítimos eram filhos ou netos de marítimos, contrabandistas uns e outros, pescadores costeiros e pescadores do alto que iam à cavala a Larache. (…) Havia muito peixe, e a vida era extraordinária” (Brandão, s/d: 156). José Afonso reencontra-se com o mar e com as fainas marítimas nas sucessivas viagens a Olhão, sobretudo de comboio, designando-a por “minha terra adotiva.” Sobre o poema que lhe dedicou, a que chamou uma “crónica rimada”, recorda uma dessas viagens que deram sentido e significado às palavras: “A meio do caminho da Fuzeta, entre Olhão e Marim, a vila vai-se adelgaçando, a viagem torna-se mais rápida e ruidosa, devido ao vento que entra pelas janelas. Pode-se berrar sem que ninguém nos ouça. Foi assim que nasceu esta crónica rimada. Servida pela cadência mecânica do «pouca-terra», versa em tema alusivo às vicissitudes por que passa o mexilhão quando o mar bate na rocha. A culpa não é do mar” (Simões & Mendes, 1995: 104).
Em 1968, a doença de Salazar e a tomada de posse de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho de Ministros gerou algumas expetativas de transformação política e social6. A “Primavera Marcelista”, designada como o período histórico compreendido entre 1968 e 1970, no qual se verificou uma discreta modernização económica e uma liberalização política moderada, acalentou a esperança de uma transição política do regime e influenciou a poesia de José Afonso. Durante este período, o mar e as temáticas marítimas servem frequentemente de metáforas para apelar à mobilização e consciencialização política dos portugueses.
“Vejam Bem” (José Afonso, 1968)
Vejam bem
Que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
Quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
Dorme à noite ao relento na areia
Dorme à noite ao relento no mar
Dorme à noite ao relento no mar
(…)
“Vejam Bem” foi o tema musical do filme “O Anúncio”, apresentado no Festival de Cinema Amador pelo Cineclube da Beira, retratando a vida de um homem que procura emprego, dirigindo-se ao gerente de uma firma conceituada, a capatazes e mestre-de-obras, em vão. Privado de meios de sobrevivência, vê-se obrigado a dormir ao relento e a roubar para comer. Na retrete de um restaurante, único lugar onde não é visto, devora apressadamente dois ovos que metera ao bolso, aproveitando-se da algazarra geral. É à luz deste contexto dramático que poderão entender-se a linha melódica e o texto rimado, apensos às sequências julgadas mais expressivas (Simões & Mendes, 1995: 104). “Gaivotas em terra” é uma expressão popularmente utilizada para anunciar metaforicamente uma tempestade, ou um período conturbado de mudança. “Quando um homem se põe a pensar” representa um primeiro passo para a mudança, como processo de transformação social, em que o pensamento consolida o sentido da acção e da revolução. O motivo de “dormir ao relento”, usado frequentemente na poesia de José Afonso, representa a sua própria experiência de vida, embora no poema possa exprimir a condição social dos mais carenciados, ou o encontro fraterno dos que partilham os mesmos ideais de mudança.
“Vejam Bem”, tema do álbum de fonogramas Cantares de Andarilho (1968), assinala a fase política e culturalmente mais interventiva de José Afonso, aproveitando a escassa abertura da “primavera marcelista”. Neste trabalho, alia a criatividade poética à mais genuína inspiração popular, através da utilização de melodias tradicionais, mas “Vejam Bem” foi sem dúvida uma das canções mais marcantes da sua obra, transformando-se numa espécie de hino da “geração de 70”, na qual as temáticas marítimas apelam metaforicamente a uma liberdade desejada. Todavia, a transformação política do regime encontra fortes resistências à sua concretização, nomeadamente em relação à guerra colonial e à acção da polícia política (PIDE). Marcelo Caetano cede às pressões dos grupos mais conservadores do regime, facilmente percebidas pela oposição democrática e pelo Partido Comunista Português na clandestinidade. José Afonso capta e regista com clareza a correlação de forças políticas contrárias à mudança, no poema “Já o Tempo se Habitua”, usando metaforicamente elementos estilísticos marítimos.
“Já o Tempo se Habitua” (José Afonso, 1969)
(…)
Nem a rota
Da gaivota
Ao vento norte
Nem toda
A força do pano
Todo o ano
Quebra a proa
Do mais forte
Nem a morte
(…)
“Já o Tempo se Habitua”, com poema e música de José Afonso, é um dos temas do álbum de fonogramas Contos Velhos Rumos Novos (1969), galardoado com o prémio da crítica da Casa da Imprensa 1969. Neste álbum, fruto da recolha de música tradicional portuguesa, na procura de uma estética renovada, José Afonso demarca-se definitivamente da tradição coimbrã. Ao intercalar temas do cancioneiro popular com canções de denúncia e resistência, como “A cidade”, com poema de José Carlos Ary dos Santos e “Era de noite e levaram” de Luís de Andrade, numa alusão às prisões arbitrárias da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), assinala na sua obra os “rumos novos” anunciados pela “primavera marcelista”.
No sentido da mudança, José Afonso participou ativamente na campanha das Comissões Democráticas Eleitorais de 1969, empenhou-se nas ações da Liga de União e Acção Revolucionária (LUAR), na produção e distribuição de folhetos noticiosos e livros proibidos, e solidarizou-se com os presos políticos. No mesmo ano participou no festival “La Chanson de Combat Portugaise”, em Paris, juntamente com Luís Cília, José Mário Branco e Sérgio Godinho, denunciando a guerra colonial e a situação política portuguesa na Europa. A sua crescente popularidade como opositor ao regime acentuou a vigilância da PIDE, com a proibição das suas acuações, a interdição de visitar as colónias portuguesas em África, para além da censura sobre as canções “Vampiros” e “Menino do Bairro Negro”, editadas em 1963.
Em 1970 José Afonso recebe novamente o prémio da Casa da Imprensa pelo álbum de fonogramas Traz Outro Amigo Também, gravado nos estúdios da Pye em Londres, revelando uma grande maturidade poética e musical, e contribuindo decisivamente para a sua afirmação na renovação da música popular portuguesa, a par de outros cantores de intervenção como Adriano Correia de Oliveira em Coimbra, e Luís Cília e José Mário Branco em França. As referências a África e ao colonialismo surgem pela primeira vez nos seus poemas “Avenida de Angola” e “Carta a Miguel Djéje”, assinalando a sua experiência de vida em África entre 1964 e 1967. Neste álbum surgem igualmente os primeiros temas alusivos à emigração, e ao exílio em “Canção do Desterro”.
“Canção do Desterro (Emigrantes) ” (José Afonso, 1970)
Vieram cedo
Mortos de cansaço
Adeus amigos
Não voltamos cá
O mar é tão grande
E o mundo é tão largo
Maria Bonita
Onde vamos morar
(…)
A “Canção do Desterro” nasceu em Lourenço Marques, na sequência da leitura de um artigo da revista “Seara Nova” sobre as causas da emigração portuguesa. José Afonso tentou evocar a odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas “naus catarinetas”, como os Mendes Pintos de outras épocas, “a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados” (Simões & Mendes, 1995: 101). Consciente da realidade de um país estagnado e vigiado, José Afonso cria um dos seus mais belos poemas, incitando à liberdade de pensamento, no sentido de uma consciencialização política pela mudança anunciada. No texto de apresentação do álbum “Traz Outro Amigo Também”, o escritor Bernardo Santareno realçou a pureza, como a nota maior da arte de José Afonso. Pureza que se reflecte no tema “Canto Moço”, um poema de fraternidade a que não falta a raiva de quem se sente vigiado.
“Canto Moço” representa uma breve síntese de vários elementos da poesia de José Afonso, numa perfeita harmonia de símbolos, tradições, palavras e melodia. Síntese de tradições portuguesas relativas ao “mar” e da linguagem poética de José Afonso, vivificando palavras de várias épocas, medievais e clássicas, como “galera”, “barca”, “oliva”, “mágoa” e “madrugada”. Síntese da diversidade cultural das tradições judaicas e árabes na cultura portuguesa, assumidas com simplicidade e beleza, e síntese dos principais símbolos universais expressos na sua poesia, como o mar.
“Canto Moço” (José Afonso, 1970)
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
(…)
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira a proa da minha barca.
“Canto Moço” nasceu para ser cantado em coro, por estudantes universitários que José Afonso conheceu numa digressão em que participou, “destinava-se a ser interpretado como música coral por duzentos figurantes de ambos os sexos e de todas as proveniências e condições, como uma espécie de hino à Liberdade” (Simões & Mendes, 1995: 101). Para Helena Langrouva, a canção “Canto Moço” constitui a chave, e uma breve síntese de vários fulcros da poesia de José Afonso, unindo várias tradições e palavras com a melodia, no sentido da universalidade. A aventura, guiada pelo espírito, dirigindo o olhar para um futuro de paz, opõem-se à jornada da emigração expressa na “Canção do Desterro”, enquanto síntese de tradições portuguesas relativas ao mar. Por outro lado, destaca a relação dos “filhos da madrugada” com o “menino de oiro”, como duas formas de exprimir a esperança e a procura de luz. Por último, “Canto Moço” reúne os principais símbolos universais assumidos na poesia de José Afonso: o “mar”, como espaço infinito, de aventura, de integração no ritmo do universo e de libertação; a “barca”, representando a aventura; a “oliva e a pomba”, simbolizando a paz, a pureza e a harmonia; a “noite”, assinalando as trevas e ausência de luz; a “fogueira”, como símbolo de vida, de elevação do espírito, de luz no meio das trevas; o “vento e a brisa”, como sopro e leveza do espírito, a força para mudar de rumo, e a “madrugada”, trazendo a luz e a esperança numa sociedade mais justa (www.triplov.com/helena/Zeca-Afonso/Poesia-popular/resto.htm).
Ao lirismo coimbrão da saudade, no qual as lágrimas, as águas e o mar estavam impregnados de romantismo, sucedessem-se temas de intervenção política e social denunciando a guerra colonial. “Menina dos Olhos Tristes” (1969) representa, simbolicamente, o sofrimento das mães, esposas e noivas de milhares de soldados que partiam “para o outro lado do mar”, chorando a incerteza do regresso.
“Menina dos Olhos Tristes” (Reinaldo Ferreira/José Afonso, 1969)
Menina dos olhos tristes,
O que tanto a faz chorar?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
(…)
O mar e as temáticas marítimas que metaforicamente se articulam com a contestação política, evidenciam-se nos poemas “Cantiga do Monte” (1970) e “Fui à Beira do Mar” (1972).
“Cantiga do Monte” (José Afonso, 1970)
(…)
Na crista da vaga
Tormento alonguei
No vento e na fraga
Só luto encontrei
Abriram-se as velas
Mal rompe a manhã
Na luz e nas trevas
Foi-se a louçã
(…)
“Fui à Beira do Mar” (José Afonso, 1972)
Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia
Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria
(…)
“Fui à Beira do Mar” surge numa fase de grande empenhamento político de José Afonso, revelando um poema de incentivo à luta, que antecede a sua detenção pela PIDE e a prisão em Caxias em 1973. Este tema, incluído no álbum de fonogramas Eu Vou Ser Como a Toupeira (1972) assinala o tempo em que José Afonso esteve praticamente impedido de cantar publicamente em Portugal realizando espetáculos em Espanha e em França, denunciando a situação política portuguesa. O álbum discográfico foi apresentado como um trabalho de coletivo, numa espécie de irmandade ibérica pela democracia e pela liberdade, unindo as colaborações de artistas portugueses e espanhóis. A este trabalho seguiu-se o álbum Venham Mais Cinco (1973), gravado em Paris com colaboração de José Mário Branco, incluindo diversos poemas escritos por José Afonso durante a sua detenção na prisão de Caxias, em Maio desse mesmo ano. Na balada “Que Amor não me Engana” a poesia atinge a vastidão do mar, livre de significados imediatistas e de interpretações lineares, sem perder o sentido da agitação sociopolítica que as suas intervenções musicais possibilitavam.
“Que Amor não me Engana” (José Afonso, 1973)
(…)
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira
(…)
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia.
O 25 de Abril de 1974 representa o “nascer do dia”, esperado e desejado, após o qual José Afonso grava o álbum de fonogramas Coro dos Tribunais (1975), exprimindo nas suas canções a “revolução dos cravos”, frontalmente e sem metáforas, recriando na poesia a concretização de um sonho de liberdade que viveu intensamente. Entre 1974 e 1979 assumiu-se como “poeta militante”, trovador da liberdade, da mobilização popular e da luta pela consolidação da democracia participativa. O mar e as temáticas marítimas não são referenciados em nenhuma das suas canções, exceto no poema “Os Índios da Meia-Praia” (1976), testemunhando esta fase do trovador da revolução, como arauto do poder popular.
“Os Índios da Meia-Praia” (José Afonso, 1976)
Aldeia da Meia-Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
De Monte-Gordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha a ré
(…)
No poema “Os Índios da Meia Praia”, José Afonso conta a história de um grupo de famílias de pescadores oriundas de Monte Gordo que se fixaram em Lagos, nos areais da “Meia Praia”, na década de 1930, na procura de melhores condições de subsistência. O principal motivo da jornada estava relacionado com a pesca de arrasto realizada por barcos espanhóis, que deixavam sem peixe as águas junto à fronteira. Nos finais do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, os pescadores são desprezados pelos poderes públicos e sobrecarregados de impostos, “segregados e condenados a migrarem sazonalmente para fugir à miséria, enquanto a burguesia letrada que vem a banhos nas estâncias balneares se entretém a determinar os traços do seu carácter e a descrevê-los como descendentes de fenícios, gregos e púnicos” (Nunes(b): 2003, 133). Para as famílias de Monte Gordo, dependentes da pesca artesanal, forçadas a mendigar durante o Inverno para poderem sobreviver, a alternativa foi migrar para Lagos à procura de trabalho no mar. No extenso areal da “Meia Praia” construíram um aglomerado de barracas, feitas de canas, e aí se fixaram e permaneceram ao longo de gerações, contando apenas com o esforço do seu trabalho. Após o 25 de Abril, no âmbito de um programa de habitação social, foi-lhes prometido o seu realojamento num bairro de casas de tijolo, mas a burocracia adiou sistematicamente a concretização do projecto. Na luta pelo direito a uma habitação condigna os “índios da Meia Praia” deitaram mãos à obra, iniciando a construção por sua conta e risco, gerando diversos conflitos com os Serviços camarários que regulamentavam as obras de construção civil. O termo “índios” significa neste contexto “aqueles que perdem sempre, ou que têm de perder, os mais fracos e socialmente marginalizados” (Engelmayer, 1999: 50).
Quando o bairro foi oficialmente legalizado, “os índios” tinham investido oito mil horas de trabalho na realização do projecto, envolvendo homens, mulheres e crianças. Após as eleições de 1976, muitas das habitações sociais edificadas por iniciativa popular, durante o período revolucionário de 1974/1975, não chegaram a ser concluídas, mas tal não sucedeu aos “índios da Meia Praia”. Numa acção de solidariedade o cineasta António Cunha Telles filmou o processo de luta empreendido entre 1974 e 1976, realizando o filme “Continuar a Viver – ou os índios da Meia Praia”, para o qual José Afonso compôs a versão original da canção, mais longa daquela que conhecemos gravada, “criando uma simbiose entre a voz do povo e a voz do artista” (Engelmayer, 1999: 57).
Com o final do PREC, e após o 25 de Novembro de 1975 a revolução encontra o seu término, gerando no poeta-cantor o desencanto e a incerteza sobre o futuro da democracia participativa. No álbum de fonogramas Fura, Fura (1979), as referências ao “mar” e à “madrugada” voltam a emergir na poesia, como símbolos de resistência. Neste trabalho é acompanhado por uma nova geração de cantores e músicos, aos quais passa o testemunho de formas de expressão utilizadas nas primeiras obras, enriquecidas pela experiência humana e artística adquirida.
“Fura, Fura” (José Afonso, 1979)
(…)
Debaixo do céu
Que é pena, que é mágoa
Que uma ave de penas
Não possa voar
Às vezes
Não tenho jeito
P'ra falar de amigos
Meu amigo
Passageiro
Dá-me o teu capote
Para me abrigar
Vai num barco à vela
Numa aduela
Vai fazer-se ao mar
Em 1983 José Afonso grava o último disco em que participou ativamente “Como Se Fora Seu Filho”, testemunhando grande vitalidade e lucidez criativa, capaz de sobreviver a todos os tempos. Com arranjos musicais de Júlio Pereira, José Mário Branco e Fausto representa o olhar amadurecido e calmo de quem viveu a vida com intensidade e paixão. Numa viagem entre a utopia e o desencanto, o poeta José Afonso reconstrói as memórias, os desejos e os sonhos numa sociedade igualitária. Neste álbum, encontramos “Papuça”, um dos mais belos poemas sobre o 25 de Abril, numa reflexão serena e quase existencial sobre o que se fez, e o que ficou por fazer na “revolução dos cravos”.
“Canção da Paciência” (José Afonso, 1983)
Muitos sóis e luas irão nascer
Mais ondas na praia rebentar
Já não tem sentido ter ou não ter
Vivo com o meu ódio a mendigar
(…)
Na “Canção da Paciência” José Afonso recorre às temáticas marítimas para expressar a angústia e a deceção pelo rumo da sociedade portuguesa. O sentimento de perda invade o poeta, que ainda resiste, esperando pelo clarear de um novo dia. Em “Utopia”, refugia-se no sonho, no inatingível, forjando um ideal utópico de igualdade e fraternidade, deixando como interrogação: “que outro fumo deverei seguir na minha rota?”.
“Utopia” (José Afonso, 1983)
(…)
Homem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
O nada disto custa
Será que existe
Lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
No álbum de fonogramas “Galinhas do Mato” (1985) José Afonso não canta, mas deixa-nos o poema “Alegria da Criação”, contando a sua história de vida recriada metaforicamente no universo da ruralidade, anunciando, com serenidade e altivez, a chegada da “morte-feiticeira”, como síntese de uma vida vivida com paixão, de quem não se arrependeu de nada, porque só a vida o ensinou a cantar.
Notas finais:
A influência do cancioneiro popular e do mar nas cantigas de José Afonso remete para a importância das viagens como aprendizagem de vida, para a boémia e o lirismo coimbrão entrosados numa ruralidade incorporada, marcada pela imaginação e fantasia, para o espírito aventureiro do trovador e o desassossego existencial do poeta, na procura ávida da liberdade e da fraternidade utópica. Como afirmou o cantor Luís Goes: “José Afonso nunca abdicou dos valores do humanismo e do culto das utopias, tão essenciais à sobrevivência do homem. Como homem de causas acima de partidos políticos, fez das suas canções uma arma no combate às injustiças, à pobreza e às privações que também havia sentido ao longo da vida. Apesar de algumas vezes ser classificado de incoerente e contraditório, o facto é que nunca abdicou da sua liberdade crítica, nem da fraternidade utópica” (Cravo, 2006: 96). A partilha dos costumes e anseios dos “trabalhadores da terra e do mar”, a par das preocupações intelectuais dos letrados, configuraram a alma sensível do poeta-cantor que “semeava palavras na música”.
Na nossa perspectiva, o mais fascinante na obra de José Afonso foi sem dúvida a riqueza e variedade do seu génio, para além da escolha de poesias de outros autores vocacionadas para o canto. Como poeta deu rédea solta e criadora à lírica pessoal, exprimiu o mais persuasivo e generoso companheirismo, exprimiu os mais belos efeitos em incursões metafóricas, da mesma maneira que frontalmente, e sem metáforas, combateu os traidores da “revolução dos cravos”, aliando a fraternidade à denúncia da exploração salarial, do colonialismo, da violência e da hipocrisia. Por tudo isto “Grândola, Vila Morena” foi o santo-e-senha musical da revolução de Abril, por representar as aspirações daqueles que lutaram contra a ditadura, mantendo-se intemporalmente no repertório de contestação popular às políticas neoliberais, pelo direito à igualdade, na fidelidade ao princípio de que “o povo é quem mais ordena”.
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Este artigo foi publicado primeiramente em A Trabe de Ouro, Publicación Galega de Pensamento Crítico, Octubre/Noviembre/Diciembre, nº 96, 2013, ISNN: 1130-2674.
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*Dulce Simões integra a Associação Mural Sonoro e tem publicado nesta área do Portal Mural Sonoro**, onde outros autores alguns dos seus artigos - resultado das suas investigações. É doutorada em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA) e bolseira de Pós-Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). É investigadora integrada no INET-md e colaboradora do Instituto de História Contemporânea (FCSH/NOVA). É membro fundador do Grupo de Estudios Sociales Aplicados da Universidad de Extremadura (GESSA) e da Red(e) Ibero-Americana Resistência e(y) Memória (RIARM). Realiza investigação em Portugal e Espanha sobre fronteiras, movimentos sociais, usos políticos da memória e práticas da cultura. Participa em projectos de investigação internacionais e multidisciplinares.
**Recepção musical: à excepção do restante portal, com trabalhos de Soraia Simões, nesta secção a autora publica, além do seu trabalho, outros autores com os quais se tem cruzado ou colaborado noutros projectos, convidando-os a partilhar também neste seu espaço resultados dos seus trabalhos de investigação.
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Referências bibliográficas:
Brandão, Raul. s/d. Os Pescadores (1893-1923). Lisboa: Ulisseia.
Cravo, Jorge. 2009. José Afonso. Da Boémia Coimbrã à Fraternidade Utópica. Coimbra: Câmara Municipal de Coimbra.
Engelmayer, Elfriede. 1999. José Afonso, Poeta. Lisboa: Ulmeiro.
Galhoz, Maria Aliete. 1997, Pequeno cancioneiro popular. Porto: Civilização.
Nunes, Maria Arminda Zaluar. 1978. O cancioneiro popular em Portugal, Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, Secretaria de Estado da Cultura, Ministério da Educação e Cultura.
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Raposo, Eduardo. 2007. Canto de Intervenção (1960-1974). Lisboa: Público.
Ribeiro, Rogério. (coord.). 1994). Zeca Afonso – Poeta, Andarilho e Cantor. Lisboa: Associação José Afonso.
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Simões, Manuel e Mendes, Rui. 1995. Cantares. José Afonso. Coimbra: Fora do Texto.
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Fontes Internet:
Discografia de José Afonso consultada na Associação José Afonso (site oficial): http://www.aja.pt/
“Os símbolos de purificação: a madrugada, a água, a brisa, o vento e o fogo: «Canto Moço»” de Helena Langrouva. (Consultado em Outubro de 2010). Disponível em: http://www.triplov.com/helena/Zeca-Afonso/Poesia-popular/simbolos.htm
“José Afonso: um professor que não usava fato e gravata – memórias de uma aluna de Setúbal”. Expresso. (Consultado em Outubro de 2010). Disponível em: http://aeiou.expresso.pt/jose-afonso-um-professor-que-nao-usava-fato-e-gravata-aluna-de-setubal=f528847
1 Nas cento e vinte e cinco canções da coletânea Movieplay, setenta e uma têm poesias de sua autoria, e as restantes cinquenta e quatro remetem para diversos autores distribuídos da seguinte forma: “fados de Coimbra” (14), canções populares (20), e outras (20). Os catorze fados de Coimbra interpretados por José Afonso são respectivamente da autoria de Ângelo Araújo, António Menano, António Nobre, Carlos Figueiredo, Edmundo Bettencourt, Felisberto Ferreirinha, Fortunato Fonseca, Mário Faria Fonseca, Paulo de Sá e Tavares de Meio. Das vinte canções populares cinco são da Beira Baixa, três dos Açores e as restantes de Trás-os-Montes, Beira-Alta, Alentejo e Galiza. As restantes vinte canções têm como autores Aires Nunes (trovas do séc. XIII), António Quadros, Barnabé João (pseudónimo de António Quadros), Bertolt Brecht, Luís Francisco Rebello, Fernando Miguel Bernardes, Fernando Pessoa, Hélder Costa, Jorge de Sena, José Carlos Ary dos Santos, Lope de Veja, Natália Correia, Luís de Andrade (Pignatelli), Luís de Camões, Nicolau Tolentino e Reinaldo Ferreira. Ver discografia completa, no site da Associação José Afonso, consultável em: http://www.aja.pt/discografia/.
2 José Afonso viveu a infância em Belmonte, em casa do tio Filomeno, com quem apreendeu as cantigas populares da Beira Baixa, o despertar para os temas líricos de ópera, o gosto pelo “fado de Coimbra” e a descoberta de Edmundo Bettencourt. Em Coimbra viveu a adolescência, em casa da tia Avrilete, partilhando terços e novenas com os contos populares narrados e inventados pela Joana, serviçal da casa. Foi um período de intensa rebeldia (do liceu à universidade), durante o qual encontrou na boémia a sua redenção. As noites eram passadas em deambulações pela cidade “com meia dúzia de meliantes da minha idade, amantes inconsequentes da noite” (Teles 1983, 18), configurando o lirismo de uma Coimbra poetizada ao unir a sua voz aos acordes da guitarra e da viola. “Quando íamos às aldeias, rapávamos de violas e guitarras, cantávamos e, às vezes, davam-nos umas línguas de bacalhau e uns copos” (Salvador,1983: 56), recordava José Afonso das suas vivências de aluno do liceu. Um Cartaz da Queima das Fitas, representando um grupo de estudantes atravessando o espaço numa réstia de luar, dançando de braço dado em direção à lua, refletia a atmosfera romântica e irreverente desses primeiros anos.
3 Durante a sua permanência em Coimbra viveu diferentes fases da sua vida com a mesma paixão: a fase do futebol, no Campo de Santa Cruz com os colegas do liceu, e posteriormente como extremo-direito nos juniores da Associação Académica; a fase das cantigas, participando no Orfeão Académico e na Tuna, vagueando pela cidade e pelas republicas estudantis (Cágados, Corsários das Ilhas, Prá-quis-tão, Palácio da Loucura e Ai-Ó-Linda); a fase do Coral de Letras, que ajudou a fundar, ao qual pertenceu Lúcio Lara (dirigente do MPLA), e a fase do Ateneu, de convívio com os “futricas”, quando rejeitou a tradição e a praxe, após a crise académica de 1969. No Ateneu, coletividade fundada por operários, comerciantes e industriais da zona da Sé Velha, partilhou a cultura popular da cidade: “esse mundo popular de Coimbra que eu conheci das cantadeiras, das criadas, dos fulanos que iam pedir medicamentos à malta, de toda aquela fauna que gravitava em torno dos estudantes, às vezes com laços de grande cordialidade e de grande amizade” (Santos, 2003: 125).
4 O Processo Revolucionário em Curso (PREC) foi um período histórico e revolucionário após o 25 de Abril de 1974, compreendido entre Julho de 1975 e o Golpe Militar de 25 de Novembro de 1975, fortemente impulsionado por partidos e organizações de esquerda, de extrema-esquerda, e pela participação popular. A este período histórico está associado a criação de associações de trabalhadores, associações culturais, associações de moradores, o Serviço Cívico, as Campanhas de Dinamização Cultural e a Reforma Agrária. Para uma abordagem mais completa, ver: Rosas, Fernando. 2004. “A Revolução e a Democracia”, em Francisco Louçã e Fernando Rosas (org.). Ensaio Geral. Passado e Futuro do 25 de Abril. Lisboa: D. Quixote, pp. 15-49.
5 Para além do ensino da História, que fazia parte do programa curricular, José Afonso contava outras “histórias” nas salas de aula, algumas das quais permanecem na memória dos seus antigos alunos. A advogada Alice Brito foi aluna em Setúbal, e nunca esqueceu a resposta de um pescador, que remendava redes no areal, quando José Afonso, distraidamente, foi embater nele: “- E o mar é tão grande!” Consultável em: http://aeiou.expresso.pt/jose-afonso-um-professor-que-nao-usava-fato-e-gravata-aluna-de-setubal=f528847.
6 Sobre a “Primavera Marcelista” ver, por exemplo: Rosas, Fernando. 2004. Transição Falhada. O Marcelismo e o Fim do Estado Novo 1968-1974. Lisboa: Editorial Notícias